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Carlos Roberto Liboni

Consultor Independente

Op-AA-23

A desnacionalização do álcool? apenas um passo a mais no processo evolutivo de uma estrela

“As mudanças nunca ocorrem sem inconvenientes, até mesmo do pior para o melhor.” Richard Hooker.

O brasileiríssimo e ex-“álcool”, hoje “etanol”, de doméstico à internacional player da matriz energética do futuro, já teria sido testado como carburante veicular em 1922. Cinquenta anos depois, apresentou-se como uma solução doméstica para os desafios brasileiros no petróleo, ou na sua falta, no início dos anos 70.

Passou por chuvas e trovoadas para, no início deste século, tornar-se uma celebridade mundial. Claro que, como uma estrela em ascensão, tem sido cortejado pelos interesses mais atentos do set econômico internacional. Não sem antes passar por outras fases de um processo natural de transformação, por exemplo, as fusões e aquisições que se iniciaram com o case Cosan.

Lembrando que esse interesse pelas commodities brasileiras e seus “parentes” mais próximos não é exclusividade do álcool, visto informação do IPEA de que, no setor primário, subiu de 2% para 14% sua participação de investimentos externos no Brasil, em pouco mais de 5 anos. Hoje, o etanol ocupa as tribunas como se sua “desnacionalização” fosse um risco de crime lesa-pátria.

Concordo que muito dos argumentos são válidos e devem ser motivos de preocupação, especialmente no cenário econômico futuro, mas prefiro ver o fenômeno tentando observar o lado positivo. Se aturarmos nas possibilidades, teremos ganhos expressivos para o setor. Esse movimento traz, de forma imediata, alguns benefícios claros.

O primeiro é a oxigenação da gestão típica dos negócios, através da experiência acumulada desses grandes players das commodities no cenário internacional, no poder de investimento do neointeressado Big Oil e no influxo de capitais decorrente. Há muito, o setor procura, com tenacidade, colocar o produto como uma commodity internacional. Não é de hoje.

Tão grande é a dedicação quanto são as dificuldades. Protecionismo, receios da fragilidade na infraestrutura, cultura são obstáculos realmente difíceis de transpor. Nesse quesito, a “desnacionalização” ganha de goleada, pois recebe a força de lobby, infraestrutura disponível para distribuição e grande credibilidade de um setor multinacionalizado.

Vejo ações coincidentes, como a da EPA, Environmental Protection Agency, reconhecer no seu standard RFS2 a superioridade sustentável do etanol da cana, criando expectativas de consumo de 45 bilhões de litros de biocombustível ainda em 2010; e da CARB, California Air Resource Board, que fala em 24 bilhões de litros no consumo do Estado americano, como reflexos de um novo conceito do setor.

Essa credibilidade certamente vai alavancar a consolidação do etanol como commodity, aumentando a presença brasileira no cenário econômico internacional pela expressão de sua liderança na tecnologia e na produção. Some-se a isso o ganho do Brasil no aspecto tecnológico. Mesmo líder do etanol de primeira geração, o País está ainda longe dos progressos alcançados pela tecnologia dos países avançados, de olho na segunda geração da futura commodity.

Sabendo que nossa capacidade de investir em tecnologia no Brasil tem 50 anos de atraso institucional, é bom contar com a ajuda dos novos parceiros. Para ilustrar essa distância, enquanto o Presidente Lula, de forma louvável, inaugura um centro de pesquisa para a segunda geração do etanol em Campinas, a Coskata, americana, já está licenciando sua tecnologia para produção da commodity.

Portanto, é outro enorme alívio saber que a Shell traz duas companhias do grupo, à frente dessas pesquisas, para o guarda-chuva da joint venture com a Cosan, conforme recente divulgação na imprensa nacional. Prefiro, afinal, enxergar o Brasil como um futuro investidor na produção da nova commodity fora do País, agregando o valor da transferência de tecnologia, imbatível nos nossos técnicos e gestores, a vê-lo com alguém que perde os anéis para não entregar os dedos.

Como já comentado, penso que há que se cuidar dos riscos. Não esquecer, por exemplo, que o futuro cobrará a conta em forma de remessas de lucros, a propósito, isentas de tributos na transferência para as matrizes dos investidores. Independente dos inconvenientes de uma mudança dessa natureza na estrutura do setor, dos receios que provoca nos trabalhadores e das polêmicas que se criam na sociedade, essas mudanças, além de inexoráveis, poderão ser altamente benéficas para os negócios, se soubermos trabalhar suas variáveis com otimismo e um pouco mais de boa-fé.