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Paulo Roberto Gallo

Diretor da Servserth

Op-AA-43

É hora de agir

É desnecessário perder tempo falando sobre as virtudes do setor sucroenergético e seus inquestionáveis reflexos positivos em termos econômicos, sociais, tecnológicos e ambientais. Defender esse setor pelas suas qualidades é fácil; tarefa bem mais difícil é tentar compreender por que ele parece estar constantemente à beira do precipício, com um somatório de anos ruins que é sempre maior que o de anos bons. O setor, ciclicamente, está em crise, mas o que é bastante preocupante é que, desta vez, a crise tem sido muito profunda e muito longa.

Houve outras situações difíceis no passado, mas este ciclo está caprichando: são praticamente sete anos de estagnação e desalento, com um drástico aperto nas margens operacionais das unidades produtivas, com um quadro de arrocho de preços e alta de custos e despesas. No período de quatro anos, entre o início de 2011 e o final de 2014, o etanol hidratado, por exemplo, sofreu um reajuste médio do preço negociado pelas usinas da ordem de 3,5% (em São Paulo), ante uma variação ao redor de 27% no IPCA no mesmo período.

Os preços do anidro e do açúcar também tiveram um comportamento fraquíssimo no período, e a redução da mistura de 25% para 20% do anidro à gasolina, entre 2011 e 2013, também teve um impacto fortíssimo sobre o faturamento do setor. Somem-se às questões de preços outros aspectos negativos, como o clima e a perda significativa de rendimento nos canaviais (tanto de volume quanto de quantidade de açúcares), e temos o que se poderia chamar de tempestade perfeita.

Com raras e honrosas exceções, o setor vem amargando, nos últimos anos, prejuízos que beiram o insuportável, levando à situação caótica presente, com inúmeras unidades produtoras em processos de recuperação judicial, algumas encerrando suas atividades, e muitas com um endividamento altíssimo – um quadro que praticamente eliminou o investimento no setor e tem disseminado uma crise sistêmica em uma enorme quantidade de municípios canavieiros, em diversas regiões do Brasil.

O ano de 2015 começou com notícias razoáveis, sendo as principais o retorno da Cide sobre os combustíveis fósseis e a sinalização do aumento de 25 para 27,5% da adição de etanol anidro à gasolina. Houve algumas iniciativas por parte do governo do estado de São Paulo em termos de alíquotas do ICMS para insumos e alguns subprodutos da atividade canavieira, e, finalmente, há sinais de que o Governo Federal começa a se sensibilizar diante do quadro crítico em que o setor se encontra – em boa parte, um reflexo da manifestação pública realizada em Sertãozinho-SP, que reuniu cerca de 15.000 pessoas e paralisou importantes rodovias da região, pleiteando a retomada dos investimentos no setor.

Mas o que precisa ser feito para que essa tão desejada retomada de investimentos ocorra? Em primeiro lugar, é preciso dar previsibilidade ao setor, com o estabelecimento de um marco regulatório, um plano diretor de longo prazo, em que os investidores possam avaliar os riscos e oportunidades, já que o setor é de uso intensivo de capital – as plantas são caras para implantar e caras para manter, o que gera prazos de retorno longos. Sem um mínimo de previsibilidade, não há um mínimo de segurança; sem segurança, não há investimentos.

O País precisa definir o que quer do etanol e da bioeletricidade. É preciso estabelecer metas e direções a serem seguidas. Um exemplo forte da falta que faz um bom planejamento pode ser percebido quando comparamos números de produção de etanol nos Estados Unidos e no Brasil: em 2005, ambos produziram algo em torno de 15 bilhões de litros do combustível (anidro + hidratado); em 2014, nós produzimos, aproximadamente, 28,5 bilhões de litros, contra cerca de 51 bilhões de litros produzidos pelos Estados Unidos – isto é, eles abriram uma frente de mais de 20 bilhões de litros, em 10 anos, em termos de volume de produção. Lá existe planejamento de longo prazo. Aqui não.

A atual crise hídrica e a consequente crise energética pelas quais o Brasil passa em 2015 poderiam ser fortemente mitigadas se nós utilizássemos a capacidade de produção de energia a partir da biomassa da cana; estima-se que, nos canaviais brasileiros, tenhamos, atualmente, um potencial para geração do equivalente a duas ou três usinas como a de Belo Monte, que, apesar de contar com uma potência instalada de aproximadamente 11.000 MW, produzirá, efetivamente, 4.500 MW.

A geração por meio da biomassa da cana, além de não gerar quaisquer impactos ambientais adicionais, seria uma energia a partir de fonte renovável, rápida de se obter, e que pouparia aos cofres públicos grandes volumes de recursos atualmente dispendidos com as termoelétricas, alimentadas por combustíveis fósseis, que, além de caras para operar, são fontes de gases de efeitos estufa.

O desenvolvimento de novas centrais geradoras nas usinas geraria fontes adicionais de receita para as unidades produtivas e, certamente, irrigaria grande parte da indústria de base voltada ao setor, hoje amargando uma ociosidade estimada em mais de 60% de sua capacidade de produção. Por que, então, não disparamos um plano energético em grande escala, a partir da biomassa? Basicamente, porque os preços estipulados pelo Governo Federal para o MW gerado não têm sido atrativos o bastante para estimular investimentos.

No último leilão para energia gerada a partir de novos empreendimentos, realizado em novembro de 2014, na modalidade A5 (para geração a partir de 2019, por prazos contratuais de 20 anos), o teto estabelecido foi de R$ 210,00, e foram fechados contratos a preço médio de R$ 200,00 o MW/h. Segundo vários executivos do mercado, esse preço deveria ficar acima de R$ 270,00 pelo menos.

Como resultado, a energia gerada a partir da biomassa naquele leilão vai corresponder a meros 5% dos investimentos totais decorrentes desses contratos, tendo atraído um número irrisório de interessados: apenas seis usinas fecharam algum tipo de contrato de fornecimento. No final de abril de 2015, haverá um novo leilão, dessa vez com contratos para empreendimentos já existentes, com geração a partir de janeiro de 2016 e julho de 2017.

O que se espera é que seja possível o estabelecimento de um teto de preços mais realista, mas não há, neste momento, nada sinalizado nessa direção. O que precisamos, doravante, para que se possa recuperar o setor, é ação; precisamos, urgentemente, ultrapassar a fase de debates infindáveis, estudos e reuniões e passar para uma fase executiva, com ações estruturadas de curto, médio e longo prazo.

Há várias frentes possíveis para ação: do lado do Governo Federal, o desenvolvimento de um marco regulatório é fundamental e inadiável, mas há ainda questões envolvendo tributação, flexibilidade para o acesso a crédito, incentivos para o aprimoramento tecnológico dos motores flex, melhoria na legislação ambiental e na agilização da análise de novos projetos e/ou ampliações; do lado dos produtores, há ações a serem tomadas na melhoria da gestão das unidades (tanto na indústria quanto na lavoura), no aprimoramento das relações com os demais elos da cadeia produtiva sucroenergética como um todo e até mesmo nos esforços de comunicação com o público em geral – que, na ponta final, representa aqueles que consomem os produtos das usinas e são os clientes que pagam (ou decidem não pagar) as contas das operações envolvidas.