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Heleno Taveira Torres

Professor de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP - Universidade de São Paulo

Op-AA-67

Tributação dos créditos de descarbonização
Para implantação do RenovaBio, em conformidade com o “Acordo de Paris”, para reduzir as emissões de CO2, o Crédito de Descarbonização (CBIO) corresponde a uma tonelada de gás carbônico evitada na atmosfera, calculada a partir da diferença decorrente do biocombustível produzido (etanol, biodiesel, biometano, bioquerosene, entre outros). O valor do CBIO somente será apurado pelo emissor quando da primeira venda realizada em mercado organizado, na forma prevista do art. 15 da Lei nº 13.576/2017. Antes disso, o volume de GEE (gás de efeito estufa) evitado adquire “lastro” com a certificação do volume de biocombustível produzido ou importado e comercializado. 
 
A certificação é o modo de quantificar o volume do dano ambiental que seria causado pela intensidade dos GEE evitados por cada crédito de descarbonização escriturado, na forma da nota de eficiência energético-ambiental. Portanto o CBIO pode ser entendido como espécie de indenização, e com “lastro” bem definido, pela conversibilidade quantificada em valores aferidos pelo mercado. Por isso, em termos econômicos e financeiros, o CBIO pode ter a função de “moeda verde”.  
 
Isso permite que, nos atos de negociação e circularidade, o crédito de descarbonização seja considerado meio de pagamento de curso não forçado e fungível, cuja emissão terá seu lastro e valores vinculados à nota de eficiência energético-ambiental, em conformidade com a certificação da produção ou importação de biocombustíveis, nos termos dos art. 13, § 1º e 18 da Lei nº 13.576/2017, e somente cessarão seus efeitos após a aquisição e o uso para extinção voluntária ou para cumprimento das metas individuais compulsórias pelo distribuidor de combustíveis.

Admitida a natureza de indenização para a origem dos CBIOs, bem como a forma de circulação equivalente a uma “moeda verde”, daí já se percebe que o modelo de tributação se apresenta excessivamente oneroso, desprovido de segurança jurídica e desestimulante das atividades de redução das emissões de carbono na atmosfera. Na conversão da Medida Provisória n° 897/2019, na Lei nº 13.576/2017, foi inserido o art. 60, com regime de tributação exclusiva de IR-na Fonte, à alíquota de 15%, sobre a receita auferida até 31 de dezembro de 2030, a ser excluída na determinação do lucro real ou presumido e no valor do resultado do exercício. As despesas administrativas ou financeiras necessárias à emissão, ao registro e à negociação dos créditos podem ser deduzidas, mas não as perdas.

Esse tratamento aplica-se por igual a todas as pessoas físicas ou jurídicas que realizem operações de aquisição e alienação dos CBIOs, excetuada a aposentação. Na sequência, o Presidente da República vetou esse artigo. Justificava-se ao argumento de que o modelo de tributação equivaleria a uma espécie de benefício fiscal, o que exigiria substituição de despesa, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Contudo não há que se falar em “renúncia”, dado que não preexistia qualquer estimativa de receita tributária passível de arrecadação sobre estes. 

O Congresso Nacional, como se sabe, derrubou o veto. A matéria, porém, está longe de pacificação, e há evidentes vazios de segurança jurídica, em virtude das dúvidas decorrentes da aplicação da legislação do IRPJ e da CSLL, bem como do PIS/Cofins e do próprio IOF. Surge, assim, o nosso mercado de títulos “verdes”, o que merece estímulo e uma tributação coerente com seus fins de preservação e proteção do meio ambiente. 

Na emissão, há um evidente caráter indenizatório do CBio, o que deveria afastar a tributação de IRPJ e CSLL (vide Solução de Consulta Cosit nº 76/2019), e não incidiria PIS/Cofins na Emissão, à alíquota de 4,65%, tampouco IOF à alíquota de 1,5% (especialmente quando envolver operações externas).

Importante lembrar aqui da pretérita experiência dos créditos de carbono, que malogrou pelas dificuldades criadas pelo fisco e insegurança jurídica gerada nas negociações dos créditos. Nega-se, aqui, a utilidade de modelos como green bonds europeus, que incidem sobre parcelas de juros, para equiparação com o CBIO.
 
Da leitura do art. 60 da Lei nº 13.576/2017, vê-se que ficaram de fora das novas regras, sujeitas ao regime geral de tributação normal de ganhos, os distribuidores de combustíveis e, por exclusão, as pessoas que realizam a compra e a venda de CBIO em operações que não sejam “sucessivas”. E não é demais lembrar que os distribuidores de combustível poderiam comercializar o CBIO, ao invés de os aposentar.   

Para um tratamento tributário do CBIO, faz-se necessário avaliar qual a natureza jurídica que mais se adequa à sua função. Numa certa interpretação, a Receita pode aplicar ao CBIO a condição de título de crédito ou de ativo financeiro. Como exemplo, pode-se ter a incidência do IOF-Título tanto na emissão quanto na transmissão e pagamento, por alcançar operações de crédito ou relacionadas a títulos e valores mobiliários. 
 
Alguns podem supor o CBIO como ativo intangível (NBC TSP 31 ), o que poderia gerar impacto na alienação de bens do ativo permanente (art. 31 do Decreto nº 1.598/77). Diante disso, na declaração de Imposto de Renda, se o valor negociado for superior ao declarado, o contribuinte poderia ficar sujeito ao IR e a CSLL (art. 57 da Lei nº 8.981/95). O mesmo se diga sobre a apuração do lucro presumido, quanto ao percentual de 32%, do art. 15, § 1º, III, da Lei nº 9.249/95 (cessão de direitos). 

Faltou ainda um regime de dedutibilidades das despesas com a aquisição de CBIO quando destinados à aposentação, por serem típicas despesas operacionais, como estabelecido no art. 47, §1º e §2º da Lei nº 4.506/64. Aos distribuidores de combustível, a incidência de IR e CSLL não se pode quedar com indedutibilidade das despesas necessárias, dada a imposição legal das metas de aquisição e o dever de aposentação.

Quanto ao escriturador, a Portaria MME nº 419/2019 sugere que a atividade é forma equivalente de prestação de um serviço, com possível aplicação do item 15 da lista da Lei Complementar nº 116/2003, a saber: “serviços relacionados ao setor bancário ou financeiro, inclusive aqueles prestados por instituições financeiras autorizadas a funcionar pela União ou por quem de direito”. 

Diga-se o mesmo sobre a receita da prestação (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins), além de a atividade Exchange de CBIO poder ser considerada “contratação de serviço de gestão de carteira de Crédito de Descarbonização, sendo assegurados poderes de negociação de tais créditos por conta e ordem de terceiros”, como prevê o art. 9º da Portaria MME nº 419/2019.

Outro aspecto a considerar é que o regime atual somente afasta a incidência dos 9% da CSLL apenas pelos próximos 5 anos. Por se tratar de indenização, a primeira venda do emissor sequer poderia sujeitar-se à incidência da CSLL ou do IRPJ.  Essas são apenas algumas das perplexidades iniciais que faz ver o quanto a falta de uma legislação específica mais criteriosa para a tributação do CBIO traz insegurança tanto para os produtores de biocombustíveis quanto para os distribuidores de combustíveis e demais investidores, afetando a comercialização do Crédito de Descarbonização e, em última instância, a própria Política Nacional de Biocombustíveis (o RenovaBio). 
 
Os impostos atuais sobre biocombustíveis serão os mais agressivos dos inibidores das mudanças implementadas com o Acordo de Paris. Quanto mais a tributação direta e indireta afeta a circulação, mais se encarece o comércio dos títulos e desincentiva-se a redução das emissões de GEE. Por isso, países como a Noruega, Reino Unido (Climate Change Levy) e Estados Unidos (Regional Greenhouse Gas Initiative) criaram tributos especiais sobre as emissões, com exclusão daqueles gerais. 

Em conclusão, é perfeitamente possível qualificar o CBIO como “moeda verde”, a ser utilizada como meio de troca, sob o lastro real (valor intrínseco) de redução de uma tonelada de carbono emitido, a exemplo do antigo padrão ouro empregado para aferir o valor do dinheiro. O CBIO impulsiona três importantes efeitos econômicos, que é a troca de divisas, a captura de carbono e a redução dos preços dos combustíveis), dado que os créditos (CBio) são emitidos na proporção em que os biocombustíveis são vendidos. A queda do preço dos biocombustíveis, pelo aumento da emissão dos CBIO, é uma realidade, na medida em que se amplia a demanda por combustíveis limpos, o que estimula ainda mais a cadeia de redução de custo de fatores de produção dos biocombustíveis.