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Thales José Velho Barreto de Araújo

Diretor da Velho Barreto Consultoria e da ECO Tecnologia Industrial

Op-AA-27

A destilação no setor sucroenergético

A destilação, provavelmente concebida no contexto dos alquimistas, é o processo físico de separação baseado nas diferenças entre os pontos de ebulição (fenômeno de equilíbrio líquido-vapor de misturas líquidas) de duas ou mais substâncias. No passado, as concepções filosóficas dos alquimistas sobre a composição e as transformações da matéria faziam parte dos fundamentos com os quais se tentava obter elixires, águas medicinais, essências e destilados alcoólicos chamados de “espíritos”.

Esses conhecimentos eram considerados divinos e sagrados e deviam ser mantidos em segredo. Em consequência, no imaginário popular, alambiques, retortas e colunas de destilação eram associados tanto aos alquimistas quantos aos químicos em seus laboratórios. Nos dias de hoje, o fracionamento do petróleo resultantando em produtos realmente úteis ao homem (gás liquefeito de petróleo ou GLP, gasolina, óleo diesel, querosene, asfalto e outros) é o melhor exemplo de processos em que a destilação é empregada na indústria.

Além disso, a destilação é um dos principais métodos de purificação de substâncias utilizados em laboratórios. No setor sucroenergético, ela é a fase final do processo de obtenção do etanol. Os primeiros aparelhos de destilação do Brasil foram importados de países europeus na primeira metade do século passado, principalmente da França, através dos fabricantes Morlet e Barbet.

A antiga Tchecoslováquia também forneceu aparelhos de reconhecida tecnologia da fábrica Skoda. O contexto energético brasileiro não exigia grandes modificações nesses equipamentos e a evolução tecnológica no século passado resumiu-se a adaptações empíricas dos aparelhos europeus para se obter aumento nas capacidades de produção.

Esse modelo levou a uma evolução a partir de resultados práticos, com alterações no número de estágios das colunas, aumento do diâmetro, espaçamento entre estágios e dimensionamento dos componentes internos. A inserção do então setor sucroalcooleiro na matriz energética trouxe a necessidade de se adotar tecnologias de baixo consumo de vapor e de maior eficiência.

Novos conceitos foram considerados no dimensionamento das colunas e acessórios para diminuir as perdas de carga, viabilizando o aquecimento com vapor vegetal. No aspecto construtivo, a planicidade das bandejas contribuiu para uma maior eficiência. Uma contribuição fundamental ainda virá do processo fermentativo, com a obtenção de vinhos com teores alcoólicos superiores a 15%.

No processo de destilação, a solução inequívoca é a adoção da tecnologia a vácuo, amplamente adotada na indústria do petróleo e na produção de etanol em países onde o custo da energia é alto ou a matéria-prima não disponibiliza fonte de energia térmica (beterraba, por exemplo). Atualmente, já existe em países com produções de etanol bem menores do que a brasileira, na América Central. Não devemos esperar uma tarifa de energia elétrica mais elevada para implantar essa tecnologia. Estamos atrasados.

As diversas configurações do processo a vácuo, como exemplo a destilação em duplo efeito combinada com a utilização de termocompressão, levam o consumo a menos da metade da destilação sob pressão e contribuem para viabilizar produtos mais nobres, como o etanol neutro, com mercado em expansão para a produção de bebidas e cosméticos. Na desidratação, a evolução veio rapidamente.

Duas alternativas surgiram: a destilação extrativa usada no século passado com a glicerina teve uma nova versão com a utilização de glicóis como desidratantes, e a peneira molecular, que tem se popularizado e já responde por fração significativa da produção do etanol anidro. Os dois processos reduziram o consumo de vapor pela metade em relação ao tradicional ciclohexano.

O uso de membranas tem sido estudado para diminuir o consumo de vapor e o número de colunas nas plantas, mas ainda não há no Brasil produção em escala industrial. A consequência imediata da diminuição do vapor é o aumento do potencial de geração de energia elétrica através do bagaço, mas cremos que este é apenas o passo inicial.

A maior oferta de bagaço, pontas e folhas tem outras alternativas, como, por exemplo, a produção do etanol de segunda geração e a disponibilidade de vapor para a concentração de vinhaça, processo indispensável para a diminuição dos custos de distribuição desse efluente em longas distâncias. A utilização do amido produzido por microalgas após hidrólise para a produção de etanol representa uma alternativa a médio prazo.

E o etanol poderá ser matéria-prima para um sem-número de indústrias, iniciando pelos polímeros verdes. No futuro, mais vapor disponível será necessário para alavancar a revolução do setor com o aumento da produção de etanol e produtos de alto valor agregado. Até agora, somos importadores de tecnologia. Como já fez nossa agricultura, a melhor alternativa é a atuação conjunta das empresas, órgãos de fomento e instituições de pesquisa para, finalmente, fazermos a revolução tecnológica verde-amarela no setor sucroquímicoenergético.