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Lutz Guderjahn

Presidente da eBio (Associação Europeia do Bioetanol Combustível)

Op-AA-26

O etanol na Europa

A combinação do aquecimento global, da diminuição de reservas de energia fóssil e o crescimento populacional é um desafio histórico, tanto para o setor público quanto para o privado. De acordo com estimativas da ONU, a população mundial aumentará anualmente em mais de 75 milhões nos próximos anos. A oferta de alimentos e energia terá de dar conta dessa demanda.

Além disso, o aquecimento econômico em países emergentes como a China também resultará em maior demanda de energia e matérias-primas agrícolas. À medida que a economia crescer, mais energia será necessária, e com o aumento do padrão de vida, as pessoas consumirão mais produtos de origem animal, aumentando indiretamente o consumo de grãos ou sementes oleaginosas.

Entretanto, essa maior atividade econômica também aumentará a emissão de gases de efeito estufa. Atender à maior demanda está cada vez mais difícil. As reservas de energia fóssil são limitadas e começarão a estar abaixo do nível da demanda já em 2012. Novas fontes são difíceis de desenvolver, o que aumenta os custos de produção de petróleo e os riscos ao meio ambiente, além das emissões.

No futuro, teremos de focar mais em gestão sustentável para garantir o acesso das novas gerações a recursos essenciais. A proteção do clima, o uso responsável de recursos e o espaço limitado terão maior prioridade. Os biocombustíveis poderão ter uma contribuição significativa. O fato de que o etanol terá um futuro brilhante foi há muito reconhecido pela indústria automobilística, mas o etanol somente se consagrou como combustível alternativo após seu desenvolvimento no Brasil.

Os países da Europa não se empenharam de forma igualmente consistente em seu desenvolvimento. Somente a partir de 2003, quando a UE sancionou a legislação de biocombustíveis, o desenvolvimento dinâmico da capacidade de produção ocorreu. No Brasil e nos Estados Unidos, o apoio ao mercado de etanol se baseia em políticas governamentais relativas à energia e ao comércio, enquanto na Europa isso ocorre em função principalmente da política ambiental.

Disso resulta que os biocombustíveis somente representam uma alternativa viável aos combustíveis fósseis se forem produzidos de modo sustentável, se reduzirem as emissões de efeito estufa e não afetarem a oferta de alimentos. Os biocombustíveis também precisam ser competitivos em termos de custos. Em 2009, o etanol representava apenas 2,3% do mercado de gasolina na Europa.

Entretanto, com a legislação de energia renovável que entrou em vigor em junho de 2009, a UE seguiu o rumo do desenvolvimento dinâmico do mercado de etanol, com a meta de 10% de energia renovável no setor de transporte até 2020. Os critérios de sustentabilidade devem garantir que os biocombustíveis usados e a respectiva biomassa sejam produzidos de modo sustentável, segundo padrões específicos.

O setor de etanol na Europa tem apoiado a introdução desses critérios de sustentabilidade. Os biocombustíveis deverão gerar 35% menos gases de efeito estufa no futuro e, a partir de 2017, 50%. Vemos isso como oportunidade de competir no palco internacional.

A legislação exige a rotação de culturas, restringe o uso de produtos químicos e ainda garante que áreas consideradas de alto valor ecológico não poderão ser utilizadas para o cultivo de matérias-primas para a produção de biocombustíveis.

A discussão política na Europa sobre biocombustíveis foca no tópico de mudanças no uso indireto de terras e em como esses efeitos deverão ser considerados no cálculo de reduções de emissões. O uso indireto de terras ocorre quando a produção de alimentos e rações animais é deslocada pelo cultivo de plantas usadas como fonte de energia e empurrada para áreas não utilizadas anteriormente pela agricultura.

Vários estudos mostraram que alterações no uso indireto de terras, em decorrência da expansão do setor de biocombustíveis na Europa, desempenham papel secundário, em razão de serem utilizadas matérias-primas locais no processamento. Os estudos mostram que alterações no uso indireto de terras para a produção de etanol fora da Europa podem, de fato, ter impacto significativo. Outra exigência para a produção de biocombustíveis é que seu impacto sobre a produção de alimentos e rações animais deverá ser menor.

Consequentemente, é muito importante assegurar que o limitado espaço para a agricultura seja usado eficientemente para a produção de matérias-primas agrícolas, tanto para alimentos quanto para biocombustíveis. O fato de as terras estarem sendo usadas eficientemente fica evidente ao considerarmos que, para produzir a mesma quantidade de proteína de origem vegetal que é gerada como subproduto da produção de etanol, em um hectare de plantação de trigo na Europa, ter-se-ia de plantar cerca de 1,3 hectares de soja na América do Sul.

Isso significa que, do ponto de vista global, a produção de etanol na Europa não subtrai terras da produção de alimentos, mas, de fato, libera terras em outras regiões do mundo para a produção de alimentos ou matérias-primas para biocombustíveis. Outro fator que mostra que a produção de etanol é compatível na Europa é que a UE tradicionalmente se caracteriza como região com excesso de matérias-primas agrícolas contendo açúcar ou amido, mas tem um déficit de proteínas de origem vegetal.

Ao desenvolver o seu próprio setor de etanol, a UE se utiliza desses excessos estruturais de grãos e açúcar para reduzir sua dependência da importação de energia e proteína. Olhando para o futuro – especialmente 2020, quando 10% da energia usada no setor de transporte terão de vir de fontes renováveis – a UE determinou claramente que há terras suficientes na agricultura para atingir essa meta e que o impacto da produção de biocombustíveis sobre os mercados agrícolas é menor.

Conforme evidenciado pelo exemplo do Brasil, saber como o etanol se compara a combustíveis fósseis é importante fator quando se analisa a penetração de mercado. Graças à popularização de veículos flex, a decisão sobre encher o tanque com etanol ou gasolina cabe exclusivamente ao consumidor. Isso, infelizmente, ainda não ocorre na Europa.

É uma situação lamentável, ainda mais porque o etanol ficou mais barato que a gasolina no verão passado, muito antes do esperado. Preços cada vez mais altos de petróleo, combinados com avanços na produtividade no setor europeu de etanol, significarão que esse não é um caso isolado. Diferentemente do Brasil, essas vantagens em termos de custos têm impacto limitado sobre as vendas de etanol na Europa.

A produção de etanol na Europa ainda necessita de regras básicas confiáveis. A legislação europeia sobre energia renovável é um marco importante. Teremos de assegurar que essas mesmas regras básicas se apliquem a todas as partes envolvidas, em todos os níveis da cadeia de valor.

O que isso significa é: primeiro, que as mesmas condições se aplicam à produção de matérias-primas agrícolas, independentemente de serem processadas para a produção de alimentos, produtos químicos ou biocombustíveis; segundo, precisamos ter uma visão realista sobre as emissões de gases de efeito estufa e não usar um valor de referência que se aplica apenas a uma pequena parte da produção total de petróleo; terceiro, os mesmos critérios deverão valer para produtores de biocombustíveis, notadamente no tocante ao cumprimento de critérios de sustentabilidade. Para tanto, é preciso também levar em conta condições regionais. A produção europeia de etanol terá de confiar em seu próprio setor de etanol se quiser atingir as metas ambiciosas estabelecidas pela UE.