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Jayme Buarque de Hollanda

Diretor Geral do INEE

Op-AA-15

Eficiência energética na indústria da cana

Quando se fala em uso energético da cana vem à mente o álcool. Na verdade, a cana como fonte de energia no Brasil pode, e deveria receber, maior destaque. Aos números: o Balanço Energético Nacional informa que, em 2006, a cana produziu 35 MteP (milhões de toneladas equivalentes de petróleo) e que é a segunda maior fonte de energia do país, superando, inclusive, a hidráulica.

A estatística, porém, não considerou a energia das palhas que, em 2006, estimo ter sido de 12MteP, admitindo que metade dessa biomassa seja reciclada no campo, ficando a outra metade disponível para uso energético. Com efeito, a prática de queimar a palha já tem dias contados, e este material combustível deve se tornar uma fonte adicional. É legítimo, portanto, afirmar que a energia da cana em 2006 totalizou 45 MteP, mais de metade da energia do petróleo produzida no ano.

De toda esta energia, apenas 7 MteP foram convertidos em álcool e 1,6 MteP, exportados para o setor de energia elétrica. O que aconteceu com o restante da energia, ou seja, mais de 10% de toda a energia produzida no Brasil? Para responder a essa pergunta, lembramos que uma tonelada de cana no campo contém a energia equivalente a 1,2 barris de petróleo, cerca de 1/3 estocada quimicamente no caldo (açúcares) e o restante na biomassa da cana (metade no bagaço e metade nas palhas, aproximadamente).

A energia da palha, como vimos, ainda é predominantemente queimada, sem qualquer benefício. A energia do caldo é convertida em álcool e a do bagaço é queimada para produzir o vapor e a eletricidade usadas pela indústria e, de uns tempos para cá, para atender a uma pequena fração das necessidades do setor elétrico.

Com exceção do diesel usado no campo, pelos tratores e caminhões, o setor conseguiu notável auto-suficiência energética. Foi um grande salto, pois, no passado, o bagaço era queimado e a energia necessária para as usinas (eletricidade e óleo combustível para as caldeiras) era adquirida. A capacidade de produzir a energia do processo é a principal vantagem da cana sobre o milho e a beterraba, que usam gás natural e carvão mineral.

Os saltos de eficiência ocorreram depois da crise do petróleo, quando se dominou a tecnologia da queima do bagaço em caldeiras. Com a crise energética, é natural que o Proálcool se concentrasse na questão do álcool, como substituto da gasolina. A solução adotada não considerou a capacidade de produção de energia elétrica da indústria canavieira, pois o país, na época, construía grandes hidrelétricas.

As caldeiras foram assim dimensionadas para produzir o vapor e energia elétrica necessária para uso interno das destilarias, ao mesmo tempo que garantiam a queima integral do bagaço. Foi uma solução de “pessimização” energética, em que o sistema de energia era mais uma “pira” de bagaço do que uma geradora de energia.

O divórcio entre os setores de cana e elétrico permaneceu por décadas, apesar das vantagens que a geração da cana proporcionariam ao sistema elétrico, tais como proximidade da carga, sazonalidade complementar à das hidrelétricas e, por ser uma termelétrica que não depende de combustíveis fósseis, ambientalmente favorável e imune às variações do preço do petróleo.

De um lado, portanto, um setor elétrico despreparado para operar sistemas de geração elétrica descentralizados. De outro, dificuldades do setor de cana para investir em geração, uma atividade muito diferente dos seus negócios tradicionais, capital-intensiva e voltada para um mercado que passava, e ainda passa, por modificações.

Não obstante, algumas usinas que investiram em sistemas mais eficientes exportam energia elétrica e, de um modo geral, estão satisfeitas com os resultados. Ao longo do novo século, a legislação do setor elétrico foi se modernizando, o BNDES passou a incentivar a instalação de caldeiras mais eficientes e o parque que se instalou depois do boom da venda do álcool nasceu com consciência da importância de integrar a geração elétrica aos negócios tradicionais.

A energia das palhas também deve ser utilizada, seja pela pressão ambiental, seja pela demanda crescente de energia elétrica. Notícias recentes dão conta que algumas arestas – sobre, por exemplo, a forma de “escoar” a energia produzida nas novas fronteiras da produção da cana – estão sendo resolvidas, enquanto escrevo. Acho que agora estamos na véspera de um novo grande salto, em que mais energia elétrica vai “nascer”, de um esforço de eficiência neste setor.

Em curto prazo, a expansão vai se dar com a tecnologia convencional do ciclo do vapor. É possível que se volte a usar a biodigestão do vinhoto, que produz quantidades importantes de metano e já foi testada há muitos anos, quando a tecnologia era menos conhecida. Em longo prazo, prevê-se novas rotas tecnológicas bem mais eficientes para a transformação energética da biomassa, que, em vez de ser queimada, será gaseificada, ou passará por um processamento (hidrólise), que a transformará diretamente em álcool.

Dependendo da via, tanto podem gerar mais energia elétrica ou produzir mais álcool, a partir da mesma quantidade de cana. Para completar o panorama da eficiência neste setor, só falta eliminar o consumo de um bilhão de litros de óleo diesel por ano, cujo conteúdo energético equivale a cerca de 10% da energia do álcool produzido. Esta proporção tende a aumentar, pois nas novas usinas, que processam maiores quantidades de cana do que as atuais, as distâncias médias a percorrer vão mais que dobrar.

Na opinião do INEE, para evitar essa dependência do óleo diesel, a solução está em adotar veículos com acionamento semelhante ao das locomotivas diesel-elétricas, em que as rodas são tracionadas por motores elétricos e a energia é gerada a bordo por um ou mais geradores, sendo que, neste caso, esses grupos geradores podem ser acionados a álcool. Como no Brasil constroem-se veículos elétricos híbridos há mais de dez anos, usados em ônibus urbanos, a adaptação para caminhões deve ser simples e com baixo risco tecnológico. É esperar para ver.