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Antonio Vicente Golfeto

Comentarista econômico do telejornal da TV Clube da Rede Bandeirantes e Diretor do Instituto de Economia Maurílio Biaggi

Op-AA-10

Mais um samba do crioulo doido

O presidente da ANP, Agência Nacional do Petróleo, Haroldo Lima, anunciou que o governo poderá adotar medidas restritivas à exportação de álcool, para garantir o abastecimento do mercado interno. O presidente da Unica, União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, Eduardo Pereira de Carvalho, reagiu duramente, comparando: “Essa declaração contraria tudo o que o Brasil vem fazendo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o maior mascate do álcool. Fala disso em todo lugar do mundo; agora, vem o infeliz de um funcionário falar em restringir”. Carvalho avançou: “É o samba do crioulo doido. Exatamente no dia em que se abre a discussão de proposta de contratos de longo prazo para garantir o abastecimento, vem o outro e contradiz tudo.”.

O anúncio dessa eventual ação do governo é infeliz e a reação também. O erro de um não justifica o erro do outro, inclusive tentando diminuir a importância da Agência Nacional do Petróleo. Os fatos são maiores que os argumentos utilizados por ambos e esse desentendimento não é bom para ninguém. O presidente da ANP, Haroldo Lima, sabe que não faltou álcool na última entressafra, como sabe que não faltou álcool em entressafra alguma. Claro, ele está no seu papel de resguardar os interesses do País e alertar para que a oferta de combustível não entre em colapso.

O presidente da Unica, Eduardo Carvalho, também sabe que acima dos esforços do presidente Lula está a necessidade de sustentação do setor sucroalcooleiro, que não vive de subsídios nem de tarifas. E tem compromissos a cumprir com funcionários, parceiros, fornecedores e com a sociedade, através de ações de responsabilidade social e recolhimento de tributos - compromissos pagos, exclusivamente, com a comercialização de seus produtos, nos mercados interno e externo. Exercem o livre direito, cada um, de optar pelo que melhor remunerar sua atividade.

Será que o governo respeitará as normas do próprio governo? A história avisa que não. Desde os tempos da Comissão Nacional de Energia é obrigatória a manutenção de estoque de álcool, suficiente para um mês de abastecimento - e é o quanto basta, para evitar apreensões, embora até hoje injustificadas. Mas onde está esse estoque?

A Petrobras anuncia que fechará o ano de 2006 como a maior exportadora de álcool do País. Ela também deixará de exportar? Afinal, acaba de firmar contratos de exportação com países sérios, como a Venezuela e a Nigéria. Estranha liderança essa da Petrobras, que não planta um pé de cana, nem produz um litro de álcool sequer, mas é líder da exportação.

Essa é uma distorção que só acontece quando uma empresa estatal quer participar da economia de mercado. Não há como estabelecer as regras para esse jogo, se um competidor tem cartas marcadas - e dita as regras a seu favor - e o outro precisa praticar o jogo aberto. Usar a força do Estado para impedir o desenvolvimento da economia, porque não se promove a estocagem, mas se exige o abastecimento, fez um grupo de empresários japoneses rir do Brasil, há poucas semanas.

Principalmente depois que viram, em longos sobrevôos pelo Brasil Central, como se dá a nossa “marcha para o Oeste”, de forma auto-sustentável, levando e produzindo riqueza perene e multiplicadora, jamais em busca do ouro ou de um petróleo, em fase de extinção. Em nenhum desses caminhos, os canaviais exigiram desmatamento para se instalar. Ao contrário, a cana, onde quer que se fixe, recupera o solo, conserva a terra, evita erosão, recompõe a fertilidade com seus próprios elementos: vinhaça, torta de filtro, rotação de culturas com leguminosas... Quem fala em monocultura não enxerga. Monocultura que oferece dezenas de subprodutos?

Demoramos para atingir a auto-suficiência em petróleo exatamente por não abrirmos esse setor para a iniciativa particular. E até hoje essa auto-suficiência não foi alcançada, se considerarmos que o álcool representa para o Brasil uma economia diária de 220 mil barris. Desde o advento do antigo Proálcool, em 1975, a dependência externa do Brasil, nessa área, é cada vez menor graças ao álcool combustível - são quase US$ 100 bilhões de dólares que não gastamos com importação de petróleo, porque tivemos o álcool.

Ou o presidente Haroldo Lima refere-se a uma restrição imposta apenas aos produtores, todos da iniciativa particular, cujo álcool segue a lei da oferta e da procura, sujeito ao risco da oscilação de preços e não à fixação perversa de tarifa? O governo precisa escolher outro enredo, porque esse filme de ficção o Brasil conhece desde o fim de 1989.