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Marcelo Paes Fernandes

Diretor da Fourteam Engenheiros Associados

Op-AA-37

2G: na prática a teoria é a mesma

Em um artigo publicado na Revista Opiniões, adaptei o dilema shakespeariano “Ser ou Não Ser” para a dúvida de dirigentes em decidir sobre “Produzir Açúcar ou Etanol”. Isso porque, se, por um lado, o País precisa de etanol para abastecer a frota de carros flex, em muitas ocasiões, o açúcar oferece melhor atratividade financeira. Agora, esse dilema adaptado está com os dias contados, pois é possível aumentar a produção de etanol sem detrimento dos lucros que o açúcar possa oferecer, adotando-se a produção de etanol celulósico, ou etanol de segunda geração (2G), cuja tecnologia de produção chegou, definitivamente, ao Brasil.

Tema recorrente nos recentes congressos e fóruns, o etanol 2G é quimicamente idêntico ao bioetanol de primeira geração. No entanto é produzido a partir de matérias-primas diferentes, através de processos mais complexos (hidrólise da celulose). Em contraste com o etanol de primeira geração, que é derivado do açúcar ou do amido produzido por culturas de alimentos (como trigo, milho, beterraba sacarina, cana-de-açúcar, etc), o etanol celulósico pode ser produzido a partir de resíduos agrícolas (por exemplo, palha, forragens agrícolas), ou outras matérias-primas lignocelulósicas (por exemplo, lascas de madeira) ou culturas energéticas (miscanthus, gramíneas, etc).

Essas matérias-primas lignocelulósicas são mais abundantes e, geralmente, consideradas mais sustentáveis, entretanto, para que possam ser utilizadas, têm que ser quebradas (hidrolisadas) em açúcares, antes do processo fermentativo. Isso pode ser conseguido usando hidrólise ácida ou enzimática. Ambas abordagens têm sido objeto de interesse de pesquisa contínua desde os anos 1970, e grandes investimentos vêm sendo feitos na Europa e nos EUA para acelerar o desenvolvimento dessa rota para bioetanol. Sob a óptica da engenharia, a beleza desse processo de etanol 2G é que contempla a utilização de várias tecnologias viáveis em sua produção, como utilização de água gelada na fermentação, destilação sob vácuo, refervedores na destilação, termocompressão, turbocompressão, limpeza do condensado por osmose reserva, concentração – de vinhaça até 55% de sólidos, geração de vapor e de energia elétrica oriundos da queima, em caldeira de leito fluidizado, da lignina residual e da vinhaça concentrada.

A queima da vinhaça concentrada torna essa planta única no mundo, sem necessidade de dispor diretamente da vinhaça nos canaviais ou sua transformação em compostos para adubação. Em resumo, é um projeto vanguardista, sem efluentes e que apaixona a todos que têm oportunidade de conhecê-lo. O etanol 2G pode ser produzido de vários materiais celulósicos, mas, no caso do nosso setor, será produzido utilizando bagaço e/ou palha, ambos provenientes da colheita da cana-de-açúcar.

A primeira unidade brasileira de etanol celulósico está sendo construída em Alagoas e utilizará, inicialmente, palha de cana (ou bagaço) como matéria-prima, que, com o tempo, será substituída por cana energia. A  biorrefinaria operará em  cooperação  com a Usina Caeté, tradicional grupo nacional produtor de etanol 1G e açúcar. Esse modelo é uma excelente opção, porque, no processo escolhido, há complementaridade de eficiência operacional com usinas de primeira geração, com ganhos de sinergia para ambas as partes.

Com investimento de cerca de R$ 360 milhões, a planta comportará capacidade de produção nominal de 82 mil m³ de etanol por ano. Bagaço e palha da cana oferecem enorme potencial para ampliar a capacidade de produção nacional de etanol, em mais de 35%, tornando uma solução atrativa para suprir o déficit anual de produção de etanol. Tudo isso sem investimentos adicionais em terras ou competição com a produção de alimentos. Trata-se de uma solução limpa, renovável e viável, visando maximizar a produtividade e a competitividade do etanol brasileiro. Simultaneamente, estão sendo elaboradas pesquisas para ampliar esse potencial de produção de etanol, através do desenvolvimento de um novo tipo de biomassa, conhecida como cana energia.

Essa nova planta está sendo desenvolvida pelo cruzamento de variedades ancestrais de cana com tipos selecionados de capim, produzindo um híbrido com baixo teor de açúcar, alto teor de fibras e elevada produtividade por hectare. A combinação desses fatores resultará numa das mais promissoras e competitivas biomassas do mundo.  O Brasil oferece as melhores condições para desenvolvimento e produção de biomassa, o que nos coloca como candidato potencial a protagonista da próxima revolução biotecnológica que se desenha nos próximos anos,  a partir da conversão direta de celulose em açúcar industrial, bioquímicos e biocombustíveis avançados, a começar pelo etanol 2G.

A implantação da primeira destilaria de etanol 2G no continente sul-americano, em escala comercial, utilizará, principalmente, a palha da cana como matéria-prima. A tecnologia escolhida pelo grupo investidor, GranBio, pertence à BetaRenewables  e  à  Chemtex,  afiliadas  do  grupo  italiano Mossi&Ghisolfi, que desenvolveu  tecnologia de pré-tratamento e conversão de  biomassa – batizada como PROESA (PROdução de Etanol de biomaSA) – capaz de converter vários  tipos de matéria-prima em produtos bioquímicos e biocombustíveis. 


A tecnologia não tem adição de produtos químicos, o que permite alta recuperação de açúcares C5 e C6 (alto rendimento) e baixa degradação de açúcar, portanto baixa geração de inibidores. Uma das principais características é o baixo tempo de residência na etapa de hidrólise enzimática, graças a uma única etapa de redução de viscosidade. Outro importante aspecto é que usa eficientemente um coquetel de enzimas, aplicado a um fluxo de alto teor de sólidos, fermentando, simultaneamente, açúcares C5 e C6. 

Para o pré-tratamento da biomassa, utiliza-se método físico (explosão por vapor) para romper as estruturas vegetais e permitir a ação das enzimas sobre as fibras de celulose. O diferencial competitivo da tecnologia PROESA está baseado num conjunto de fatores, tais como:

 

  • flexibilidade para usar diferentes tipos de biomassa, sem dificuldade de modificação do equipamento; 
  • alta taxa de recuperação de celulose e hemicelulose; 
  • dispensa utilização de químicos (processo requer apenas vapor, enzimas e leveduras); 
  • capex competitivo quando comparado a outras tecnologias e baixo opex; 
  • baixa degradação de açúcar e nível de contaminantes, além de baixa concentração de ácido acético; 
  • baixo consumo de energia no processo de agitação; 
  • liquefação da biomassa em tempo inferior a 8 horas, com baixa carga de enzimas; 
  • facilidade de controle de pH e temperatura.

A planta foi projetada para produzir bioetanol por meio da hidrólise e da fermentação da celulose e da hemicelulose a partir de biomassa lignocelulósica. Os principais passos do processo para a produção de etanol a partir de matéria-prima lignocelulósicas são:
 

  • pré-tratamento da biomassa para romper a matriz lignocelulósica e solubilizar açúcares C5 e C6; 
  • hidrólise para reduzir a celulose e a hemicelulose em açúcares fermentescíveis; 
  • fermentação de açúcares em etanol; 
  • separação dos sólidos, destilação e desidratação do etanol.

O objetivo do desenvolvimento da tecnologia foi projetar um processo de pré-tratamento eficiente capaz de produzir material que facilite a atividade ideal das enzimas e dos microrganismos. Em particular, muitos esforços têm sido feitos, a fim de limitar a formação de produtos de degradação que possam inibir o desempenho das enzimas e dos microrganismos. A planta da GranBio foi projetada para garantir o funcionamento flexível com diferentes matérias-primas e maximizar a produção de etanol. O processo PROESA prevê que a biomassa, previamente umedecida, alimente a seção de pré-tratamento, onde a estrutura da celulose será rompida,

a camada de lignina, quebrada, e a hemicelulose, parcialmente removida. Esse procedimento permite que enzimas acessem as parcelas de celulose e a hemicelulose. Essa etapa é uma das mais críticas do processo de transformação de celulose em etanol, que oferece desafios significativos para otimizar a hidrólise subsequente. Em geral, um pré-tratamento eficaz é definido por condições que evitem a degradação da pentose e da glucose existentes na celulose e na hemicelulose, ao mesmo tempo em que limitem a formação de subprodutos que inibam o crescimento de microrganismos necessários para a produção de etanol por meio de fermentação.

Uma combinação de auto-hidrólise e processo de explosão de vapor são utilizados para minimizar a formação de inibidores, eliminando um inconveniente importante do processo convencional. Essa redução de inibidores aumenta também a extração de celulose e hemicelulose. O processo usa vapor saturado para romper as ligações químicas entre lignina, celulose e hemicelulose.

O resultado eficaz, nessa etapa, tem a vantagem de reduzir o custo de todo o processo e reduzir a quantidade de enzimas utilizadas na etapa de hidrólise. Vapor de média pressão (10 bar) é usado para o processo de auto-hidrólise (cozimento de baixa pressão), enquanto vapor de alta pressão (25 bar) é empregado na etapa de explosão com vapor (cozimento de alta pressão). Vapores de baixa pressão, provenientes da etapa de cozimento de alta pressão e do tanque de expansão da corrente C5, são enviados para serem aproveitados na seção de destilação.

Diferentes fluxos contendo material pré-tratado alimentam os reatores de hidrólise enzimática, para liquefazê-lo de forma eficiente, objetivando reduzir a viscosidade e permitir o seu bombeamento. O mosto resfriado é enviado para a Seção de Sacarificação e Fermentação simultâneas (SSF). A sacarificação simultânea de celulose (para glucose) e hemicelulose (para pentose) e a cofermentação de glicose e pentose são feitas através de processo microbiológico, utilizando leveduras especialmente desenvolvidas. O processo SSF permite um grande potencial de redução dos custos de capital, devido à combinação de hidrólise e fermentação em um único reator. Na fermentação, os açúcares são convertidos em etanol e dióxido de carbono pela ação das leveduras e encaminhados para a destilação.

A concentração de vinhaça é feita em evaporadores de película descendente usando vapor de pressão muito baixa, 0.12 bar, proveniente do processo de pré-tratamento da biomassa. Nesse processo, emprega-se a compressão térmica do vapor, utilizando vapor de média pressão, de forma a tornar termicamente eficaz o conjunto evaporativo. Atendidas as condições de projeto, o rendimento esperado é obter 250 l de etanol anidro por t de matéria seca. Ou, colocando em termos bem práticos, menos de 10 t de bagaço úmido para produzir 1 t (1.270 l) de etanol anidro.

Os desafios da implantação dessa precursora fábrica de etanol 2G não se restringem somente aos desafios técnicos desse novo biocombustível, mas também à integração entre as instalações existentes e a nova, à colheita e ao processamento da palha e à necessidade de se equilibrarem benefícios agregados à lavoura, pela retenção da palha nos campos, e à indústria, pela sua colheita. Tudo isso que aqui descrevo, até há muito pouco tempo, era tecnologia do futuro, projeto, perspectiva, algo provável. Hoje, é tecnologia real e concreta, principalmente por desmitificar a máxima de que, na prática, a teoria é outra.