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Marcos Sawaya Jank

Presidente da Unica

Op-AA-18

A consolidação do etanol como commodity é o desafio para os próximos 10 anos

Estamos em uma época de grandes transformações para o setor sucroalcooleiro. É impressionante a quantidade de visitantes que vêm conhecer e saber mais sobre o que está acontecendo nessa área, nessa transformação maravilhosa desta antiga planta chamada cana-de-açúcar, depois de mais de 500 anos no Brasil.

Na Unica, já não tratamos mais do setor sucroalcooleiro, agora é o setor sucroenergético, porque falamos não só do combustível, mas também da eletricidade vinda da cana, de futuros bioplásticos e biorrefinarias. Ao invés de falarmos sobre o futuro do álcool, na verdade, é o futuro do etanol, que é realmente a forma como queremos encarar o álcool daqui para frente.

Um produto ambientalmente correto, socialmente justo, competitivo e mundializado. Nosso principal objetivo é discutir a globalização, a mundialização e a consolidação do etanol como uma commodity comercializada no mundo inteiro. Gostaria de expor a visão da Unica sobre os seguintes assuntos: mercado, certificação e padrões, a questão da comunicação, da tecnologia e da sustentabilidade.

Começando pelo mercado. Estamos passando de uma era de produção, para uma era de mercado. E não existe mercado sem haver, antes, produção e consumo. Isto fica claro, quando olhamos o imenso potencial americano, e gosto de falar que a indústria brasileira do etanol teve três grandes movimentos. O primeiro momento foi nos anos 70, quando o Brasil saiu à frente dos outros países e consolidou seu programa do etanol.

Quando ninguém falava em energias alternativas e renováveis, a posição brasileira era de preocupação com o estabelecimento de uma menor dependência do petróleo. Naquela época, 80% do petróleo que usávamos era importado. Fizemos um programa arrojado. Em um período em que o barril de petróleo custava US$ 20, fazíamos etanol a US$ 60 o barril equivalente.

Hoje, o barril de petróleo custa US$ 130 e estamos nos mesmos US$ 60, mesmo com o dólar valorizado. Na verdade, temos um movimento de imenso ganho de eficiência, graças a um programa que no início era subsidiado e, com o tempo, tornou-se comprovadamente eficiente. O segundo grande momento foi a frota flex. Hoje, 90% dos carros novos são flexíveis.

A decisão da indústria automobilística brasileira de caminhar e consolidar o veículo flex, em tão poucos anos, fez com que o mercado de álcool hidratado renascesse e reaparecesse com muita força. O terceiro grande momento inaugurou-se no ano passado com a decisão americana de construir o maior programa que a humanidade já viu de substituição de combustíveis fósseis por renováveis, o RFS - Renewable Fuel Standard, saindo de uma produção de 25 bilhões de litros de etanol, passando, esse ano para 34 bilhões de litros e planejando chegar a 140 bilhões de litros, em 2022.

O Brasil, depois de 30 anos, está produzindo, em 2008, 26 bilhões de litros. Imagine o tamanho desse programa norte-americano. Esperamos que os americanos não vejam o etanol somente como uma solução nacional, mas como uma solução global. Resolveremos dois grandes problemas globais, o da escassez de petróleo e o do aquecimento.

Esses problemas não se resolvem nacionalmente, só com milho, trigo, ou beterraba, mas a partir de uma visão global, onde serão buscadas as melhores tecnologias e matérias-primas, dando ao etanol a mesma oportunidade que foi dada ao petróleo, ao longo de 200 anos da existência de um mercado.

Vemos o programa americano de maneira positiva, na medida em que eles não farão um programa de segurança energética - esse é o mote deles, sem subsídios, mas entendemos que a tarifa terá que ser eliminada em algum momento. O subsídio é importante, porque eles não vão sair da dependência do petróleo para uma dependência de um outro produto importado, portanto, querem fazer etanol de milho até 2014, depois irão fazer etanol de celulose.

O etanol de milho é muito menos eficiente que o de cana. A celulose, ninguém sabe ainda o que será, a despeito da quantidade de dinheiro que está sendo colocado nesse projeto, e isso é mais do que lógico dentro da idéia da segurança energética, mas não é suficiente. Podemos complementar a oferta que os Estados Unidos terão que gerar com um etanol mais eficiente ambientalmente e mais barato, porque eles têm uma demanda definida, mas não têm uma oferta competitiva suficiente até aqui.

Isso ajudaria a derrubar o preço da gasolina nos Estados Unidos. Essa é uma notícia extraordinária. Foi o primeiro país que deu esse grande passo e é o nosso primeiro aliado. Talvez, o único e verdadeiro aliado que o Brasil tem hoje na construção de um volume expressivo de produção e consumo de álcool. Depois dos Estados Unidos, vem a União Européia, administrando uma situação extremamente emocional.

Hoje, existem mais de 50 programas de certificação de biocombustíveis em andamento no mundo, sendo feitos por governos nacionais, ONGs, Round Tables, entre outros. A Unica está participando de 10 debates, hoje, na Suécia, na Holanda, no Reino Unido, na Alemanha, em Bruxelas e no Round Table on Sustainable Biofuels in better sugarcane initiative. Já não escolhemos mais a mesa, vamos a todas e tentamos equilibrá-las.


O que está se exigindo dos biocombustíveis em um ou dois anos de vida – pois apesar dos 30 anos de Brasil, este é o tempo que ele tem no mundo - nunca se exigiu do petróleo em 200 anos. É a necessidade da comprovação de uma sustentabilidade econômica e ambiental inacreditável, conduzida por uma discussão quase insana. Tentamos mostrar que a cana não cresceria na Floresta Amazônica, porque não temos interesse que isso ocorra, pois há espaço de sobra nos pastos e nas áreas agrícolas brasileiras para fazer o etanol.

Quando se convenceram disso, passaram a dizer que a cana empurraria os outros produtos para a Floresta Amazônica, e aí temos que mostrar que não é assim, que existe um imenso espaço para a pecuária de corte brasileira ser mais eficiente, e que a cana, quando chega ao Centro-Oeste, não é um elemento de monocultura, mas sim de diversificação do uso da terra.

O Centro-Oeste, até pouco tempo atrás, era basicamente pastagem e soja e, hoje, tem mais de dez produtos se desenvolvendo como milho, algodão, suínos, aves, café, leite e a cana-de-açúcar, como elemento de diversificação e de melhoria de renda do produtor. O Brasil tem um imenso potencial. Entretanto, temos que provar isso fora do país o tempo todo. Mostrar que o Brasil faz alimentos e energia e não alimentos ou energia, como é o caso do milho americano.

Temos também que mostrar que outros países podem produzir. Existe um potencial imenso na América Central, na Colômbia, no Peru e na África. Não irá se construir um mercado global de biocombustíveis, se não houver programas de produção e consumo sólidos, em vários países do mundo. Hoje, o que existe de forte em produção no mundo é somente no Brasil e nos Estados Unidos.

A consolidação do etanol como uma commodity global passa, em uma primeira fase, pelo esforço do desenvolvimento de programas nacionais, de produção e consumo e, em uma segunda fase, pela abertura desses mercados. Vemos que, por exemplo, se o etanol brasileiro pudesse entrar no mercado norte-americano, ajudaria a derrubar o preço da gasolina e a melhorar o balanço energético e ambiental americano. Temos que trabalhar intensamente nesse ponto.

É isso que o Joel Velasco faz hoje nos Estados Unidos. Passa o dia andando pelo Congresso, pelo Executivo americano e pelos estados mais simpáticos à compra de etanol brasileiro, como Califórnia e Flórida. Recebemos o Governador da Flórida, que disse, claramente, que prefere comprar etanol brasileiro a ter que trazer etanol do Meio-Oeste.


A Califórnia está desenvolvendo um padrão do chamado Low Carbon Fuel Standard, que vai ser decisivo para definir o que o estado vai fazer em termos de redução de emissões. É esse o diálogo com as pessoas que formulam políticas, com os grupos que definem a derrubada da tarifa, seja por razões ambientais ou porque o milho está caro demais. Estamos nos aproximando desses grupos, fazendo a comunicação e, também, consideramos a possibilidade de fazer um contencioso, se acharmos que isso é parte da solução. Já fizemos um contencioso de açúcar que custou caro e levou 6 anos para trazer algum resultado, mas existe essa possibilidade, ainda que não seja a melhor opção.

Nossa principal opção é o diálogo e a aliança. Entendemos que Brasil e Estados Unidos têm que cooperar, assim como o Brasil tem que cooperar com a África, com a Ásia e com a União Européia. A União Européia vai definir a sua diretiva nos próximos 3 meses, decidindo se terá ou não biocombustíveis. Estamos trabalhando a aprovação dos 10% de mistura de combustíveis renováveis em fósseis. Isso abrirá espaço para o biodiesel e para o etanol.

Se a Europa definir os 10% como obrigatórios, começará um longo debate dos países europeus sobre as questões dos critérios de sustentabilidade, o uso da terra, alimentos versus energia, questões sociais no corte de cana, dentre outros. A certificação é um processo inevitável. Não somos contra a certificação, mas queremos que as mesas de discussão sejam balanceadas.

Não dá para passar quatro horas em uma mesa, discutindo o que o produtor brasileiro vai fazer em Goiás com a sua terra, se é soja, cana, ou pasto, porque eles querem definir regras, inclusive, para isso. E quando falamos em discutir sobre as questões econômicas, que geram o problema dos alimentos versus energia, não podemos falar, porque é questão de soberania nacional.

É um absurdo, um contra-senso. Na certificação, precisa haver um balanceamento entre o econômico, o social e o ambiental, considerando as diversas matérias-primas agrícolas. É inaceitável uma certificação européia para álcool de cana brasileiro. O que é possível é uma certificação global, para todo tipo de etanol, vindo de qualquer matéria-prima e comparando, principalmente, biocombustíveis com fósseis.

O mercado tem que crescer aliado a programas públicos, como é o programa norte-americano de mistura e de volumes obrigatórios. É assim que eles chegarão a 140 bilhões de litros. Para chegarmos a esse nível, temos que passar por um esforço de comunicação e tecnologia. Estamos, agora, trabalhando na Unica, a questão do Memorando Brasil–EUA.

Ano passado, os presidentes Lula e Bush encontraram-se duas vezes, em um mês, para falar de um programa conjunto de biocombustíveis. Esse programa tem três áreas: a da cooperação em terceiros mercados - que está avançando com os estudos feitos pela Apex e pela FGV; a do padrão físico-químico do álcool; e a da pesquisa. É fundamental aproximar esse imenso esforço de pesquisa de álcool de 2ª geração, que está acontecendo nos EUA a melhor matéria-prima que se conhece: a cana-de-açúcar.

Estamos pleiteando as possibilidades desses recursos, que existem nos EUA, serem aplicados em pesquisa no Brasil, diretamente sobre a cana e que os produtos resultantes desse esforço tenham maior acesso e possibilidade de venda nesses dois países, que tenham certificação automática e que consigamos construir a 2ª geração, de maneira eficiente.

O Brasil já tem, no caldo da cana, uma 2ª geração de etanol, em termos de eficiência ambiental e energética. O mundo não quer fazer etanol de matéria-prima agrícola clássica, e a melhor coisa a fazer é juntar esforços para fazer etanol de 2ª geração. Mas, não só isso. Temos muita coisa acontecendo na área de gaseificação, na produção de hidrocarbonetos a partir de sacarose de cana e todos esses novos usos de etanol que estão por vir através dessa imensa quantidade de pesquisas.

É fascinante a revolução tecnológica que vai acontecer nos próximos 10 anos. O Brasil tem escala, matéria-prima e condições agronômicas ideais para o desenvolvimento do etanol de 2ª geração, o que é fundamental, mas que não pode ocorrer sozinho. Tem que caminhar junto com o processo de abertura de mercado e de consolidação do etanol como commodity.

Atualmente, fazem parte da Unica 117 usinas, sendo que cerca de 100 delas contribuíram para o Relatório de Sustentabilidade de 2008. Em 2007, as associadas da Unica estiveram à frente de mais de 600 projetos socioambientais, com investimentos de R$ 160 milhões e que beneficiaram 400 mil pessoas na área da saúde, meio ambiente, educação, cultura, esporte, qualidade de vida e capacitação.

Foram treinadas 32 mil pessoas no ano passado, em 150 projetos; 83 mil pessoas atendidas na área da saúde, e 200 mil na área de cultura. Existe um imenso plantio de árvores pelo setor e o ganho ambiental do flex. Esses 6 anos de carros flex equivalem, em termos de redução ambiental, ao plantio de mais de 100 milhões de árvores, o que equivale a 35 milhões de toneladas de carbono evitado. Existe um imenso ganho na qualidade do ar, na redução de emissões e nos programas de retreinamento.

Algo fundamental nesse processo é lidar com a mecanização, porque, se por um lado, reduz as emissões e permite-nos aproveitar toda a biomassa para fazer bioeletricidade, etanol e etc, por outro, gera desemprego. Uma das preocupações centrais tem que ser a requalificação de parte desses trabalhadores para operar as máquinas. Teremos, nesse relatório, todos os esforços que o setor desenvolve nas áreas de responsabilidade socioambiental, do meio ambiente, trabalhista, de regulação, dentre outras.

Lançamos uma cartilha que traz, de forma didática, como e o porquê do etanol combustível melhorar a vida das pessoas e do planeta, em termos de saúde, emprego e energia. Pleiteamos, junto a ANP, a troca do nome álcool comum, por etanol, em todas as bombas de combustível do país, porque o mundo inteiro fala etanol, e este é o nome químico do álcool etílico.

Também não queremos confundir o álcool do motorista com o álcool do carro. A Lei Seca diz que álcool e volante não combinam, mas isto vale apenas para o motorista. No automóvel esperamos que se utilize 100% de etanol. Para concluir, a consolidação do etanol como commodity global é o grande desafio dos próximos 10 anos. Tivemos uma fase de açúcar, que durou 500 anos.

Estamos em uma fase da criação do mercado interno de etanol, nos últimos 30 anos, temos há 5 anos a frota flex, que relançou o nosso consumo, e temos também a bioeletricidade, embora acontecendo mais lentamente do que gostaríamos. Acredito que, 2010 a 2020, será a década do surgimento do mercado mundial de etanol como parte da alternativa para escassez de petróleo e para o aquecimento global. Pensando em nosso hino nacional, sugiro que: “lutemos juntos para que, o gigante pela própria natureza não fique deitado eternamente em berço esplêndido, mas vá conquistar, com braço forte, o futuro agroenergético que espelha essa grandeza”.