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Marcos Sawaya Jank

Presidente da Unica

Op-AA-14

A velha cana-de-açúcar

A cana-de-açúcar foi a primeira atividade econômica do país e hoje, passados 500 anos, é a planta que está na fronteira da energia, da maneira mais avassaladora do mundo. Assim, não tem nada mais antigo e, concomitantemente, nada mais moderno para este país do que a cana.

Quem mexe com a agricultura sabe que ela, em si, sempre foi: alimentos, fibras e bebidas. Nunca imaginaríamos que a agricultura entraria no mundo dos combustíveis e da eletricidade. E quem está fazendo isso, da maneira mais eficiente no mundo, é a velha cana-de-açúcar.

Benefícios ambientais do etanol e da bioeletricidade
Hoje, não tem nada que preocupa mais a Unica do que o tema ambiental. Eu imaginava que iria entrar na Unica para trabalhar, abrir escritórios lá fora, fazer comércio internacional, enfim, as coisas que eu sempre fiz. Nesses dois meses, fiquei a maior parte do meu tempo cuidando de temas ambientais.

Sobre os benefícios ambientais do uso do etanol, precisamos entender que existe uma diferença entre o etanol de cana-de-açúcar e o etanol de beterraba, de milho e de trigo. A expansão do etanol nos EUA está baseada no milho. Na Europa, o modelo baseia-se em beterraba e cereais (trigo, cevada, milho e centeio). Essas culturas têm uma eficiência muito pequena, quando comparadas à cana, tanto em termos de custos de produção, como em termos energéticos e ambientais.

Balanço de energia fóssil: o etanol de cana-de-açúcar disponibiliza 8,3 unidades de energia renovável, para cada unidade de energia fóssil utilizada. No caso do etanol de milho, nos EUA, esse valor é de apenas 1,4, e para a beterraba e trigo, na Europa, a conversão chega a 2,0 unidades de energia renovável, para cada unidade de energia fóssil utilizada na produção.

Produtividade: Em termos de produtividade por área plantada, a cana é a melhor, pois produz 6.800 litros de etanol/ha, enquanto o milho e a beterraba produzem 3.100 e 5.500 litros de etanol/ha, respectivamente.

Redução da emissão de gases de efeito estufa: a utilização do etanol de cana, substituindo a gasolina, reduz, em mais de 80% a emissão de gases EE. No caso do etanol de milho e de beterraba, esse valor é de 31% e 46%.

Milho, colza, beterraba, etc, são commodities nobres, que têm importância estratégica nas cadeias de produção de carne, lácteos e óleos vegetais e não deveriam ser utilizadas para a produção de biocombustíveis, podendo provocar distorções nos mercados de commodities agrícolas. Precisamos entender que sustentabilidade e aquecimento global são temas sistêmicos, que exigem um tratamento global.

Infelizmente, muitos países estão tratando o tema de forma isolada, centrados na autoprodução, a partir de matérias-primas pouco eficientes.

A utilização do etanol, como combustível nos carros ou em mistura com a gasolina, já é um fato concreto no Brasil. Agora, estamos iniciando testes para a utilização do etanol como combustível em ônibus urbanos.



Só para termos idéia dos benefícios ambientais que esta opção poderá gerar, a substituição do diesel por álcool, em 1.000 ônibus, evita uma emissão de CO2 equivalente a 20.000 automóveis utilizando gasolina. Além da redução dos gases de efeito estufa, a utilização do etanol reduz a poluição atmosférica, na medida em que diminui a emissão de compostos como hidrocarbonetos, monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio.

Essa simulação mostra a emissão desses compostos, caso todos os veículos da região metropolitana de São Paulo utilizassem gasolina A, gasolina C e etanol. Podemos verificar o enorme benefício da utilização do etanol em áreas urbanas, onde o nível de poluição é crítico.

Bioeletricidade: A energia elétrica é, talvez, uma das fronteiras mais magníficas e menos faladas da cana-de-açúcar. O gráfico Demanda Brasileira por Energia Elétrica expõe o famoso déficit que o Brasil tem, destacando a necessidade de contratação de energia, entre 2011 e 2013. Embora já tenha contratado energia de hidrelétrica, temos ainda um déficit de 1400 megawatts em 2011, 1900 megawatts em 2012 e 2500 megawatts em 2013. Todo mundo está falando do risco de apagão lá na frente.



Como é que resolveremos esta questão? Ou faz eletricidade de bagaço de cana, de palha de cana, ou faz eletricidade suja, que tem custos ambientais para sociedade, não negligenciáveis. O potencial da biomassa e da hidrelétrica é suficiente para cobrir toda a demanda, sem utilizar nenhuma “fonte suja”. Parece que o Brasil está optando, erradamente, por sujar a sua matriz elétrica, ao fazer termoelétricas a carvão, a óleo combustível, a gás, etc., desprezando seu enorme potencial para fazer eletricidade renovável de cana, no estado de São Paulo.

Quais são as alternativas que temos hoje? Madeira e Angra 3 não são alternativas para 2011, restando o carvão nacional, carvão importado, gás natural e óleo combustível. Todas elas são energias sujas, algumas, inclusive, com problemas de oferta e preço de matéria-prima. O mais interessante é que a bioeletricidade encontra-se disponível no centro da região de maior consumo do país, o estado de São Paulo. Melhor ainda, esta produção ocorre durante a safra da cana-de-açúcar, de maio a novembro, que corresponde ao período seco, momento de dificuldade para as hidrelétricas.


Outra vantagem é que se trata de energia 100% renovável, de baixo impacto ambiental, fartamente disponível no pátio das usinas, o que possibilita mitigar a emissão de gases de efeito estufa. O gráfico Estimativa do Potencial da Bioeletricidade no Brasil mostra a projeção de produção de cana-de-açúcar no país até 2012/13 e a quantidade de energia que seria gerada, caso as empresas utilizassem 75% do bagaço e 50% da palha disponíveis.

Se todas as usinas estivessem operando com caldeiras de alta pressão, esse ano já poderíamos gerar uma quantidade de energia elétrica igual a do projeto do Rio Madeira, e em 2012 seria possível gerar energia elétrica correspondente a uma Itaipu. O potencial do setor, em duas situações:

a. se utilizássemos apenas 75% do bagaço;
b. se utilizássemos 50% da palha. Como podemos observar, temos condições de gerar a energia elétrica limpa e sustentável, para atender às necessidades do país nos próximos anos.

Para podermos utilizar esse potencial de bioeletricidade, é necessário o ajuste de alguns pontos, que ainda atuam como fatores restritivos. São eles:

1. A definição de critérios econômicos, para uma valoração adequada dessa nova forma de energia;
2. As dificuldades de acesso e conexão das centrais às redes elétricas;
3. A outorga difícil e morosa do licenciamento ambiental dos projetos.


A expansão da produção de cana e seus impactos
Fizemos uma projeção da evolução da produção do setor sucroalcooleiro. Só para se ter uma idéia, para a safra de 2020/21, espera-se que a área com cana-de-açúcar no país seja de 13,9 milhões de hectares, metade da atual área de soja. Com relação à bioeletricidade, temos condições de atender 15% das necessidades do país, já em 2015. A produção de etanol poderá chegar a mais de 65 bilhões de litros, com crescente importância do mercado internacional.

Emprego e requalificação: Com a expansão do setor sucroalcooleiro, também veremos um aumento da colheita de cana crua. Porém, precisamos entender que esse fenômeno deve ocorrer de forma gradual, pois existe um grande contingente de cortadores de cana que ficarão sem emprego. Uma parte pode receber requalificação e trabalhar no setor, mas uma outra parcela terá que ser alocada para outros setores da economia brasileira - algo em torno de 114 mil empregados, até 2020. Precisamos entender que a sustentabilidade deve envolver três aspectos: social, ambiental e econômico.

Investimentos no setor: Nos próximos 6 anos, o setor deve investir algo em torno de US$ 17 bilhões, dos quais US$ 3 bilhões na melhoria das usinas existentes e US$ 14 bilhões em novos empreendimentos.


O controle da produção deve continuar sendo, predominante-mente, de capital nacional. Consi-derando os projetos anunciados até o momento, podemos verificar que o número de empresas sobre controle de capital externo deve passar das atuais 22 unidades, que representam 7% da produção, para cerca de 31 unidades em 2012, representando 12% da produção do país.

Localização das Plantas: Precisamos combater mitos sobre o avanço da cana-de-açúcar. Talvez o principal deles seja a afirmação de que a cana deve invadir a Amazônia.

A expansão da cana-de-açúcar está ocorrendo na região centro-sul do país. A cana é uma planta que precisa de um período seco para concentrar açúcar e ser colhida. Na Amazônia, esse período não existe, não sendo econômico o cultivo da cana naquela região. O cerrado brasileiro era uma área, na qual nada se produzia, depois virou uma monocultura de pasto, com um pouco de soja. E hoje, nesta mesma região, na mesma área, há produção de soja, cana, algodão, milho, bovinos, aves e suínos.

Portanto, existe uma diversificação crescente, muito mais eficiente no uso da terra nessa região, sem necessidade de expansão de áreas, apenas com ganhos de produtividade. Comparando as áreas dedicadas à agricultura e às pastagens, atualmente, o país tem quase 240 milhões de hectares agricultáveis, com uma grande quantidade de pastagens naturais e cultivadas. A cana tem 2% da área agrícola, já considerando a área dedicada ao etanol e ao açúcar, ou seja, muito menor que a área plantada com a soja e o milho, e imensamente menor que aquela dedicada às pastagens.


Produtividade como ganho ambiental: Com relação à produtividade, passamos de 50 toneladas por hectare, em 1975, para mais de 80 toneladas por hectare, no ano de 2006, o que representa sair de 3 mil litros, para 7 mil litros de etanol por hectare.

Se não tivéssemos alcançado esta escala de produtividade, teríamos saído de 2 milhões, em 1975, para 10 milhões de hectares de cana, em 2006. Mas, como tivemos um fantástico ganho de produtividade, estamos em 6 milhões de hectares de cana. Assim, preservamos 4 milhões de hectares, considerando o aumento de produtividade.

Projeção de produção: Se fizermos etanol de bagaço, com a utilização de variedades de alta performance, que estão sendo melhoradas, poderemos aumentar, em muito ainda, nossa produção, através da produtividade, sem a necessidade de aumentar a área plantada.

Recentemente, fizemos uma projeção, onde é mostrada que a situação da nossa produção, com a tecnologia atual, é de 18 bilhões de litros de álcool.

Até 2015, passaremos para 40 bilhões de litros, em 2020, atingiremos 70 bilhões de litros, até chegarmos em 2025, a quase 90 bilhões de litros de álcool. Se agregarmos hidrólise e embrionamento genético,  acreditamos que, de 2020 para frente, não seja mais necessário aumentar a área de cana.


Poderemos parar em 14 milhões de hectares, o que corresponde a 60% da atual área da soja. Isso porque a cana tem uma fronteira para ser explorada de grande produtividade, que o milho e a soja não têm mais, porque os seus processos de melhora já têm 100 anos. Já o melhoramento da cana é coisa recente, feita por nós e poderemos desenvolver uma cana muito mais apta, priorizando a produção de etanol.

Durante 500 anos, só se pensou em cana para fazer açúcar, mas hoje, já podemos fazer uma cana específica para se produzir etanol ou eletricidade. Com essas novas tecnologias, consegue-se economizar mais de 3 milhões de hectares de cana no país, e se deixarmos o melhoramento genético acontecer, podemos chegar ainda mais longe.

Otimização da pecuária: A produtividade média brasileira na pecuária é de 1 cabeça por hectare. A média do estado de São Paulo está em 1,4. Se o Brasil alcançar a produtividade de São Paulo, poderemos disponibilizar de 50 a 70 milhões de hectares de pastagem para a agricultura. Esta área é suficiente para fazer todo o álcool que os Estados Unidos e a Europa precisarão, até 2020.

Se for adotada a mistura de 15%, os Estados Unidos necessitarão de 136 bilhões de litros e a União Européia de 14 bilhões de litros, totalizando 150 bilhões de litros de álcool. Supondo que todo este volume fosse feito a partir da cana-de-açúcar, possibilidade que eles não consideram, precisaríamos de 22 milhões de hectares de cana. Portanto, poderíamos abastecer os Estados Unidos e a Europa, com menos da metade da área liberada pela intensificação da pecuária.

A intensificação da pecuária é a última reserva de ineficiência que existe na agricultura brasileira e nós veremos esse movimento acontecer. Não é um movimento “alimento versus energia”. O movimento correto é “alimento mais energia, com tecnologia”. Essa é a verdadeira equação de hoje, à qual se acresce mais ração e mais fibra. Com a tecnologia, dá para fazer tudo, desde que a gente a deixe funcionar.

Cana: sustentabilidade da produção
No que se refere aos consumos de fertilizantes e de defensivos, a cana é uma das culturas de menores exigências. Ela é uma gramínea, uma planta fácil de ser produzida, em relação a outras atividades. O consumo de fertilizantes da cana está abaixo da batata, tomate, algodão, café e laranja e pouco acima da soja, banana e milho, com pouco menos de 0,5 tonelada, por hectare.

Em relação aos defensivos, com exceção do milho, está abaixo de todas as demais culturas citadas, com aproximadamente 3 quilos de ingrediente ativo, por hectare.

Com relação a Perdas de Solo, é baixíssima a relação da cana com outras culturas, porque é uma cultura semipermanente, que mantém a terra coberta. Com relação à Captação de Água pelas usinas, houve uma melhoria acentuada, em função do aperfeiçoamento de controles internos e reutilização da água em circuitos fechados, saindo de, aproximadamente, 5,5 em 1990, para aproximadamente 1,8 metros cúbicos de água, para o processamento de uma tonelada de cana-de-açúcar.

Na fertirrigação da cana com vinhaça, esta, além de fornecer água e nutrientes, atua como recuperadora da fertilidade do solo, elevando o pH, aumentando a capacidade de troca catiônica, melhorando a estrutura do solo, etc. Estamos fazendo, na Unica, um estudo caríssimo, nesse momento, para avaliar os impactos de acúmulo do potássio. Enfim, estamos investindo nisso, porque entendemos que é uma das coisas mais importantes a serem analisadas no meio ambiente, atualmente.

O Protocolo Agroambiental
Assinado no dia 4 de junho passado, pelo Governo do Estado de São Paulo, através da Secretaria do Meio Ambiente e da Secretaria da Agricultura, e a Unica. As diretivas são:


Antecipação dos prazos para eliminação da queima da cana-de-açúcar;
Proteção de matas ciliares e recuperação daquelas ao redor de nascentes;
Planos técnicos de conservação do solo e dos recursos hídricos; e
Medidas de redução de emissões atmosféricas.

Do lado da indústria, prevê-se como diretivas a obtenção do Certificado de Conformidade Agroambiental. Como compromissos do Estado, prevê-se o fomento à pesquisa, para o aproveitamento da palha, e o apoio à instalação da infra-estrutura logística no Estado de São Paulo. Hoje, estamos com o percentual de 40% da cana colhida sem queima. Pela lei, deveríamos chegar, em 2011, a 50%, em 2016, com 80%, e em 2021, a 100% das áreas mecanizáveis, com corte mecânico.

Pelo acordo, antecipamos essa meta para 70%, em 2010, e de 100%, em 2014. Para áreas não-mecanizáveis, seria no ano de 2031, mas antecedemos para 2017. Isso é o que é possível ser feito com a frota de máquinas que temos. Não dá para antecipar mais, porque não se tem condições, nem máquinas para fazer essa mecanização rapidamente. Temos que dar atenção aos custos sociais e a todos os problemas que teríamos.

Perda de tempo: Ao invés de investir tempo em uma negociação produtiva com governos, tentando resolver, de maneira mais equilibrada, as questões da bioeletricidade, com estudos e licenciamentos ambientais, autorizações ambientais, reserva legal, queimadas, vinhaça, balanço de carbono, emissões de CO2, uso de água e etc., temos que gastar tempo com ADINs, Ações Diretas de Inconstitucionalidade de municípios, que entram com leis proibindo a queima de cana.

Eu proponho inaugurarmos, neste Fórum Internacional sobre o Futuro do Álcool, um processo de diálogo, para tentar chegar a uma solução não jurídica, uma solução negociada destas mudanças. Nós todos estamos olhando para a mesma direção, mas temos que entender que isso tem que ser feito paulatinamente.

Você tem que incorporar o usineiro, reunir os fornecedores de cana, olhar a questão social, a disponibilidade de máquinas, enfim, equilibrar uma série coisas, para não haver um conflito permanente da legislação federal, estadual, municipal e toda essa confusão jurídica, que tanta energia nos rouba.