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Antônio Delfim Netto

Ex-Ministro da Agricultura, da Fazenda e do Planejamento

Op-AA-19

Vencendo preconceitos

Neste momento, em que a sombra de uma recessão ameaça o mundo, é necessário:

1. objetividade e serenidade na análise da situação brasileira e
2. disposição de agir prontamente, mas sem precipitação, para a manutenção do equilíbrio econômico interno e externo, duramente conseguido ao longo dos últimos 14 anos.

Mesmo reconhecendo que hoje estamos numa situação consideravelmente mais cômoda do que estivemos no passado, é grave ilusão, e envolve grande risco, supor que estamos definitivamente “blindados”. Por outro lado, é preciso resistir à visão pessimista que alimenta a torcida cruel para que a crise externa destrua o que foi construído, largamente sustentada por enorme preconceito ideológico e social contra a figura do presidente Lula.

É hora de reconhecer que no Brasil o cidadão está aprendendo a usar o sufrágio universal, inserido numa sociedade democrática pluripartidária e livre, para revelar suas preferências. Não o comovem mais os velhos sinais de trânsito (direita ou esquerda) ou a utopia revolucionária que o transformaria no “homem novo”.

Ele quer um regime de plena liberdade individual, onde possa apropriar-se dos benefícios produzidos por sua atividade, mas moderado por uma redução das desigualdades, geradas pelo eficiente mecanismo produtivo, organizado em torno dos mercados. O resto é o resto. Foi essa organização social e econômica, com seus defeitos e virtudes que, nos últimos 150 anos, trouxe o homem da Idade da Pedra à Idade da Informática. Eles não a inventaram.

Ela é produto de uma espécie de seleção natural, produzida pelo próprio desenrolar histórico. Foi sendo “descoberta” pelo homem, desde que saiu da África, há 200 mil anos, e foi pensada criticamente pelos gregos há, pelo menos, 2.500 anos. Todas as formas alternativas, gestadas até agora por cérebros peregrinos, e executadas por fanáticos psicopatas, aos quais a sociedade descontente entregou em desespero e descuidadamente o poder, terminaram em tragédia.

E as que estão por aí infestando a infeliz América Latina, onde a psicopatia é acentuada pela ignorância, não serão exceção à regra: são apenas pontos fora da curva do processo civilizatório. A história brasileira com a eleição de Lula, apoiado num partido de trabalhadores, com um programa “aggiornato” (na Carta aos Brasileiros), deu um salto à frente. Tornou ridícula a proposta “radical” da necessidade de mudança de regime para produzir a felicidade geral.

Basta ver o fracasso dessa proposta na última campanha municipal, onde seus autores fizeram a parte cômica do horário eleitoral. Não deixa, entretanto, de ser preocupante a identificação da organização da economia, através dos “mercados” ou do que se chama imprecisamente de “neoliberalismo”, como a causa da crise que se iniciou no sistema financeiro.

Primeiro, porque o bom funcionamento dos “mercados” exige a moralidade dos agentes, que pode ser autoimposta por um imperativo categórico ou pela regulação do Estado. Os “desvios de conduta” não condenam a instituição “mercado”, mas seus agentes. Segundo, porque não existe nenhum mecanismo alternativo aos “mercados”, com a mesma eficiência para permitir a realização do processo civilizatório. E, terceiro, porque as “crises” são ínsitas no funcionamento dos “mercados”.

De cada uma delas, eles saem melhores, mais eficientes e mais ajustados. A causa da crise não é, portanto, o “neoliberalismo” (conceito que ninguém sabe bem o que é!), mas a falta de moralidade dos agentes e dos perversos mecanismos de estímulos que construíram. É inegável, por outro lado, que foi a falta de regulação (ou, o pior, a desregulação descuidada e ideologicamente alimentada dos últimos 20 anos) que estimulou o atual desenvolvimento financeiro, cujo lado bom foi a aceleração do crescimento econômico do mundo.

Esse é um resultado não desprezível, que sugere que não devemos “jogar fora o bebê com a água do banho”... Na longa construção de uma sociedade razoável, esta crise é apenas um episódio. Terá custos formidáveis, mas não mudará o curso da história: continuará a aperfeiçoar os mecanismos de mercado, cuja flexibilidade (um grau importante de liberdade de imaginação) é fundamental para a ampliação da produtividade do trabalho que liberta o homem.

A ênfase na desregulamentação radical revelou-se concretamente perniciosa. Em compensação, ela criou novos instrumentos financeiros, cuja eficiência deve continuar a ser explorada. Vamos corrigir os exageros, sem eliminar a criatividade dos “agentes”. E esperar a próxima “crise” que, certamente, não terá as mesmas causas da atual...