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Marcelo Paes Fernandes

Sócio da Fourteam Engenheiros Associados

Op-AA-27

Produzir açúcar ou etanol? dilema shakespeariano

Boa notícia: os preços do açúcar, nacional e internacionalmente, vêm mantendo-se em níveis elevados. Mais recentemente, houve elevação nos preços do etanol, embora sua equivalência econômica em relação ao resultado financeiro da produção de açúcar esteja menor.

Má notícia: a produção de etanol não acompanha o consumo interno e pode provocar desabastecimento. E aí, mais uma vez, voltarão a chamar os produtores de “usineiros irresponsáveis e gananciosos”. Até Lula já os chamou de heróis, para pouco depois mudar o adjetivo.

Empresas fabricantes de mais de um produto que tenham por meta o lucro utilizam sistemas ERP para determinar qual item é mais lucrativo para definir o mix de produção. É ilusório achar que usinas não sigam tal regra e utópico crer que produzirão açúcar ou etanol pensando em atender demandas de mercado. Elas devem produzir aquilo que maximiza seu lucro a curto e médio prazos.

Escolhida a fração de caldo para açúcar de forma a atender o mix de produção, deve-se recuperar ao máximo sua sacarose, esgotando o mel de forma técnica e economicamente viável. Ocorre que, desde a implantação do Proálcool, não se esgota o mel alegando-se que seus açúcares são recuperados na conversão em etanol, o que é falso.

Mas, naquela época, andávamos com antolhos, e a estratégia era produzir o máximo de etanol, mesmo com perdas maiores, já que o preço fixado pelo IAA era baseado numa certa “paridade econômica”. Com a desregulamentação, tal paridade desapareceu, e as usinas passaram a enfrentar o mundo real, aquele da oferta e demanda.

Comparemos duas usinas típicas, ambas processando 80% do caldo para açúcar no sistema de duas massas, porém, uma bem convencional (SJM de 72%) e outra otimizada (SJM de 86%). Essas recuperações são frutos da operação com méis com 60 e 45% de pureza, respectivamente. Para cada tonelada de cana, a usina convencional produzirá 74 kg de açúcar VHP e 41 litros de etanol, enquanto a otimizada produzirá 89 kg de açúcar e 32 litros de etanol.

Um expressivo aumento de 20% na produção de açúcar e, em contrapartida, redução significativa de 22% na de etanol. Considerando os recentes preços, não há dúvida de que a planta otimizada lucrará mais que a convencional, apesar dos custos maiores de produção do açúcar. 

Como transformar a fábrica convencional em otimizada? Como reduzir a pureza do mel de 60 para 45%? Fazendo-se o básico de forma correta: simplesmente cozinhando massas A e B com purezas bem distintas e separando adequadamente mel rico e pobre, tarefa fácil para as centrífugas, mesmo as mais antigas. O ponto chave é obter quedas relevantes de pureza entre massas e méis.

Usinas chamam de cristalizador o equipamento embaixo do cozedor, porém poucas podem assim fazê-lo, pois o usam somente como depósito. Cristalizador é um equipamento que permite a continuação da cristalização da sacarose após descarga do cozedor, mantendo-a em estado de supersaturação por meio de resfriamento e retenção, daí seu nome.

São pouquíssimas as usinas que resfriam a massa. Ressalta-se que o resfriamento e a retenção ideais da massa B requerem um apreciável volume em operação, e, às vezes, não é possível devido à limitação de espaço na área de cristalizadores. Nesses casos, o ideal é instalar cristalizadores verticais que ocupam área com diâmetro inferior a 5,0 m. Tal equipamento permite o resfriamento da massa de 70 a 45ºC usando-se água resfriada.

A cristalização da sacarose nos cristalizadores permitirá esgotar ainda mais o mel. Cada ponto de pureza resulta no incremento de quase 1% de açúcar e redução de 0,8% de etanol. Como não existe almoço grátis, o resfriamento da massa eleva sua viscosidade, reduzindo significativamente a capacidade das centrífugas contínuas.

Para contornar esse inconveniente, é necessário aquecê-la até 53ºC, de forma rápida e eficiente, para não anular o trabalho dos cristalizadores. Esse aquecimento é feito em aquecedores tubulares, também verticais e alimentados por gravidade do cristalizador vertical sem uso de bomba. A massa B, assim acondicionada, permitirá que as centrífugas operem com normalidade e desempenho ideais.

É assim em todo o mundo açucareiro, onde se esgota o mel final para alcançar pureza abaixo de 30%. Por fim, sempre que houver necessidade de incremento na área de cozimento, é interessante analisar a opção de elaborar a massa B em cozedor contínuo, com muitas vantagens sobre os de batelada, seja com a utilização de vapor mais frio, uniformidade dos cristais, consumo de vapor sem variações bruscas ou com melhor esgotamento da massa.

No Brasil, instalaram-se mais cozedores contínuos de tubos horizontais do que verticais, apesar de estes serem mais adequados por operarem campanhas mais longas. Essa vantagem decorre da geometria típica dos cozedores, uma vez que nos verticais a massa circula por dentro de tubos de 4” de diâmetro com 1 m de comprimento, enquanto nos horizontais circula por fora de tubos de 1½” de diâmetro com 12 a 15 m de comprimento.

Afinal, há tecnologias de cozedores de tubos verticais que permitem utilizar até três tipos de vapores nos módulos (V1, V2 ou V3) e que permitem adicionar um módulo adicional para crescimento futuro. Shakespeare eternizou Hamlet com seu dilema “ser ou não ser”.

Dependendo do mercado, esse rei impiedoso e sem misericórdia, nosso dilema shakespeariano adaptado é a decisão pela produção de açúcar ou etanol. Decisão que somente pode ser tomada pela administração da usina. Mas, convenhamos, qualquer que seja a parcela de caldo para a fábrica de açúcar, tratemo-la com carinho e exaustão, retirando dela o máximo, adotando procedimentos básicos, bem difundidos, implementados correta e criteriosamente, para obter menores custos e maiores lucros.