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José Geraldo Eugênio de França

Diretor Executivo da Embrapa

Op-AA-18

Acreditamos que a produção de bioenergia na África será viabilizada

Alan Graham MacDiarmid, Prêmio Nobel de Química em 2002, em uma palestra que apresentou no Brasil, ressaltou que, dentre os grandes problemas que a humanidade enfrentará, nos próximos anos, está, em um primeiro bloco, a água, a energia, a pobreza, o alimento e o meio ambiente, temas que podem ser associados, de forma direta ou indireta, a soluções e recursos da agricultura; e em um outro bloco, igualmente importante, as questões de doenças, da educação, do gigantismo da população mundial e da administração efetiva da democracia e dos conflitos armados.

Se hoje, com uma população mundial ao redor de 6,5 bilhões, estes problemas já são de difícil administração, imaginemos então o cenário que teremos em 2050, quando seremos 10 bilhões de habitantes. Temos na Embrapa, como agenda permanente e contínua, ênfase para as questões da água - inclusive a utilizada na produção agrícola, a produção de alimentos, o meio ambiente e, como pauta recente, a energia.

Os principais questionamentos dirigidos à agricultura atual classificam, como força avassaladora da destruição ambiental, a produção do etanol, do biodiesel e as grandes culturas de alimentos. Óbvio que a geração do interesse de um negócio é o lucro, mas há espaço para que ele seja realizado sem abdicar da sustentabilidade ambiental e da redução dos desequilíbrios sociais. Acreditamos que isso seja possível e esteja sendo assim realizado.

Temos que pensar em competitividade, afinal, o Brasil é um país que pretende ser rico. Temos também que buscar volume e escala de produção, envolvendo, nessa operação, milhões de brasileiros, a partir de nossa excelente capacidade de produzir e, às vezes, isso pode esbarrar nas demais questões da sustentabilidade.

Mas, certamente, há condições de administrar todas essas vertentes de maneira racional. Saúde e qualidade de vida estarão, sempre, nitidamente ligadas à questão da produção agrícola. No que se refere, especificamente, à cana-de-açúcar, o Brasil já dispõe de excelentes instituições trabalhando nesse assunto, como a Ridesa - Rede Interuniversitária de Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro, e sua rede de 10 universidades federais, o Centro de Tecnologia Canavieira - CTC, e o Instituto Agronômico - IAC; e a esses se junta o esforço da Embrapa.

Mas, devemos considerar que, ainda assim, somos poucos para os 8,5 milhões de quilômetros quadrados de nosso país. Hoje, a Embrapa tem cerca de 8.600 servidores, nada mais que um servidor para cada 100.000 km². Ou seja, somos muito pequenos para o tamanho de nossa agricultura. Os desafios para a expansão da cana-de-açúcar são muito grandes e trabalha-se com complexas questões sobre cultivares, ordenamento territorial, condições edafoclimáticas, zoneamento agroecológico, atração de novas empresas, definição de políticas públicas, processos industriais e sistemas de produção.


É uma equação complexa que não se resolve com 100 pesquisadores. Provavelmente, precisamos alocar 1.000 pesquisadores, somente no setor sucroalcooleiro, e mais outro tanto trabalhando na pesquisa com oleaginosas, se quisermos realmente ter, daqui a 15 ou 20 anos, um biodiesel tão competitivo quanto é o etanol.

A Embrapa é formada por uma rede nacional com 38 centros de pesquisa, 17 escritórios de transferência de tecnologia e unidades na América Latina, nos Estados Unidos, na Europa e na África.

Estamos instalando novas unidades no Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. O eixo formado pelos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Goiás, Oeste da Bahia e Mato Grosso será, em 20 anos, o grande pólo da produção agrícola, pecuária e da agroenergia do país. E para termos as áreas de cerrado dessa região competitivas, precisamos de densidade científica.

Temos que ter gente qualificada e instituições de pesquisa atuantes, senão, vamos falhar. Fundamos, recentemente, a Embrapa Agroenergia, um centro dedicado aos assuntos específicos de energia, para concentrar os esforços de pesquisa, desenvolvimento e inovação, PD&I, assim como transferência de tecnologia. Lá, concentramos os programas de etanol, biodiesel, biogás e florestas energéticas.

Seus quatro laboratórios temáticos de PD&I dedicam-se a estudos nas áreas de:

1. biologia energética;
2. processamento de matérias-primas energéticas;
3. aproveitamento de co-produtos e resíduos, e
4. gestão do conhecimento em agroenergia, focando no desenvolvimento de tecnologia agronômica (com ênfase nos sistemas de produção sustentáveis), na tecnologia industrial (com foco nos programas de eficiência de conversão) e em estudos sociológicos, econômicos, de mercado, gestão e políticas públicas.

Os grandes focos da Embrapa Agroenergia são as rotas tecnológicas, as cultivares modificadas – pois não podemos abdicar de trabalhar a modificação genética no caso da cana-de-açúcar, as competências técnico-científicas, o fortalecimento das redes de competência de PD&I, a redução de custos de produção e a duplicação da produção de etanol.

Hoje, somos importantes e competitivos no etanol de primeira geração. Mas, alicerçados nos programas de melhoramento genético tradicional e nos novos sistemas de produção agrícola e industrial, temos condições de crescer, ainda nesta fase, algo entre 20% e 30% da produção atual. Trabalhamos intensamente no desenvolvimento do etanol de segunda geração, através de melhoramento e de biologia avançada, e acreditamos que, com esta nova tecnologia possamos, talvez, duplicar a produção total de etanol.

No que se refere à expansão da área agroindustrial, a Embrapa tem trabalhado no zoneamento agroclimático, no desenvolvimento de cultivares, nos sistemas de produção e no balanço de energia. Com relação ao zoneamento agroclimático, o Brasil está investindo R$ 78 bilhões no Pronaf e em outros segmentos, organizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como um braço da Embrapa.

No desenvolvimento de cultivares, a Embrapa tem um forte trabalho associado a Ridesa, ao CTC e a outros centros. Quanto ao balanço de energia, temos duas situações que gostaria de destacar. Um forte trabalho sobre a economia da água na irrigação da produção agrícola e sobre a fixação biológica do nitrogênio - FBN. O Brasil é líder nesse campo, com um excepcional sistema de produção, que envolve 22 milhões de hectares de soja sem a utilização do nitrogênio mineral.

Queremos expandir o sistema também para as gramíneas, e reduzir em 20% o nitrogênio aplicado na cana, no arroz, no milho e no sorgo. Parcerias estratégicas: Devemos tratar com destaque a organização do nosso Banco Ativo de Germoplasma de cana-de-açúcar - BAG - Cana-de-açúcar. O germoplasma é de todos e não é de ninguém.


Temos, hoje, uma riqueza de conhecimento muito grande aplicada nessa área, que precisa ter ordenamento, associando informações e esforços dos vários bancos, para um bem comum.

As parcerias estratégicas devem, também, investir nos arranjos e sistemas produtivos sustentáveis para eficiência agrícola e industrial, no melhoramento genético e desenvolvimento de Organismos Geneticamente Modificados - OGMs, na Fixação Biológica do Nitrogênio, na eficiência de inoculação, nas rotas tecnológicas e gargalos/inovação para processos de produção de etanol celulósico (EtOH-LC) e na biologia energética. Zoneamento Agroecológico: As questões ambientais envolvem, costumeiramente, grandes embates internacionais, notadamente sobre alguns biomas, como a Amazônia e o Pantanal.

O Brasil precisa ter uma posição mais dura em relação ao zoneamento agroecológico - que tem ou precisa ter, e não pode se deixar intimidar sobre o que podem pensar de nós.
Tenho uma posição bastante clara em relação à questão do álcool americano. Muita gente critica os Estados Unidos pelo fato de produzirem álcool a partir do milho. Mas, o milho é deles e cabe a eles decidirem o que devem ou não fazer com o seu produto. Se quiserem fazer pipoca, farinha ou etanol, isso diz respeito apenas aos Estados Unidos. Quem deve administrar seus potenciais, seus problemas e seus assuntos internos são eles.

Seguindo o mesmo princípio, cabe apenas a nós decidirmos o que fazer com a nossa mandioca, com a nossa cana, com a nossa soja e com as nossas terras; e não o que alguém imagina que devamos fazer. Fundamentalmente, administrando suas questões internas de solo, planta e clima é que o Brasil conseguiu sair da produção de 78 milhões de toneladas de grãos, em 1997/98, para colher, atualmente, 143 milhões de toneladas.

A Embrapa contribuiu com isso - principalmente no Cerrado, e hoje se candidata a continuar esse processo em parceria com instituições de pesquisa, ensino e extensão, agora, dentro do sistema cana. A internacionalização do conhecimento e da pesquisa: Há 10 anos, a Embrapa instalou o primeiro Laboratório Virtual da Embrapa no Exterior - Labex, nos Estados Unidos, visando estabelecer oportunidades de cooperação internacional em pesquisas agropecuá-rias, acompanhando os avanços, tendências e atividades científicas de interesse do agronegócio.

Abrimos também um escritório na França, para tratar do relacionamento com a Europa. Hoje, já ampliamos nossas bases para a Holanda e para o Reino Unido. Em 2006, instalamo-nos na África, visando diretamente a transferência de tecnologia. Com relação à América Latina, recentemente instalamos uma equipe na Venezuela.

Aprendemos e realmente construímos bases. Pensamos que agora está na hora de compartilhar, de dividir e de fortalecer parcerias. É assim que estamos entrando nesta questão do álcool. No caso do etanol combustível, a produção, de fato, está nos Estados Unidos, com o milho, e no Brasil, com a cana-de-açúcar. Nós temos produção na Índia, na China, e em vários lugares do mundo, mas a grande produção de álcool como combustível ocorre apenas nos dois primeiros países.

A pretensão do Brasil é ampliar, significativamente, a produção de álcool, disponibilizando ao mundo um volume que lhe ofereça plena segurança. Para fazer isso de uma forma racional, chegou a hora de envolver novos países. Se olharmos para o mapa do mundo, procurando detectar as grandes extensões de terra, na faixa propícia para o desenvolvimento da agricultura de base canavieira, o continente africano, sem dúvida, destaca-se.

São 52 países que dispõem de um imenso ambiente tropical, em grande parte do continente, propício para a produção de etanol. A Embrapa vai participar diretamente desse projeto. Certamente vão criticar essa posição. Os países, principalmente na África, estão precisando plantar alimentos. Como alguém pode desejar produzir biocombustível em suas terras?

Vejo aí um grande equívoco das políticas de ajuda e distribuição de alimentos para a África, quando deveriam tê-la ajudado a estabelecer e consolidar o desenvolvimento, ao invés de mandar milho, arroz e trigo para lá. O alimento, se come e se acaba. O desenvolvimento perpetua-se e multiplica-se. Este é o mapa de visão futura sobre a contribuição do Brasil, não apenas para a produção de etanol, mas também de alimentos.


A África já produz cana-de-açúcar. Em 1997, plantava, em todo continente, pouco mais de 1,2 milhão de hectares. Em 2007, várias regiões, principalmente na África Oriental, apresentaram significativo crescimento, passando para 1,6 milhão de hectares. Esses números são ainda pequenos para o potencial do continente, mas significam uma aptidão e, certamente, uma tendência.

Podemos e temos condições de ajudá-la a produzir muito mais cana-de-açúcar, a instalar usinas, a viabilizar a estrutura de negócios associados ao complexo, envolvendo diversos países do continente africano.

Será que existem condições propícias à produção de cana-de-açúcar e etanol na África? Há, porque lá existem regiões caracterizadas como por seu potencial para desenvolvimento de uma agricultura sustentável, de altíssima produtividade, identificadas no mapa em verde-escuro; as de alta potencialidade, identificadas com verde-claro e, as de médio potencial, com amarelo.

Temos ali milhões e milhões de hectares para produzir alimento e biocombustíveis. No caso da região leste da África, há condições de fazer uma agricultura sustentável desde o Egito, passando pelo Sudão, Quênia, Tanzânia, Uganda e Malawi, chegando à África do Sul. Temos áreas com excelentes condições de tornarem-se produtoras de cana-de-açúcar: do Rio Nilo ao Rio Zambeze, ao Rio Orange, ao Rio Congo, ao Rio Níger e as áreas centrais da África.

É dessa África que, facilmente, pode sair etanol para a Europa, para os Estados Unidos e para toda a Ásia. A África está no centro do mundo. Por todas essas razões, a produção expressiva do álcool combustível não pode ficar centrada em apenas dois países - Estados Unidos e Brasil. O etanol é irreversível na matriz energética do Brasil e dos Estados Unidos, independente de quem seja escolhido como seu próximo Presidente - agora ou daqui a quatro, oito ou doze anos, porque eles não irão acabar com uma infra-estrutura com a dimensão da que foi montada.

Os agricultores americanos jamais deixarão que os Estados Unidos parem a produção de álcool. O uso, como combustível automobilístico, tampouco pode ficar concentrado apenas nesses dois países. Temos que tentar incentivar muito mais países a se envolver com o consumo e a produção de álcool. A conquista de novos países é fundamental para a consolidação desse negócio.

No caso da África, vários países podem ser produtores, e envolver-se em uma operação como esta. É bom lembrar que, dos 52 países africanos, nem todos têm o petróleo da Angola, da Nigéria, ou do Sudão. Existem países que compram quase todos os grãos que consomem. A produção de etanol pode atender às demandas econômicas, ambientais e sociais desses países, conta com um mercado em expansão e pode ser a base de exportação para a Europa e a Ásia, preferencialmente.

Não podemos dizer aos nossos amigos africanos que estamos tratando disso porque somos “muito bonzinhos”. Nós somos amigos, sim; o Brasil é um país fraterno. Mas, pensamos que nossa economia possa se associar a dos países africanos, no fornecimento de tecnologia e bens de capital, e façamos um bom e grande negócio para ambos os lados.

A economia brasileira deve abrir os olhos para ser sócia deste empreendimento global, antes que seja tarde. O papel da Embrapa é disseminar tecnologias tropicais de produção de alimentos, fibras, oleaginosas e da cana-de-açúcar. Porque nós acreditamos, fundamentalmente, que a produção de bioenergia na África vai se viabilizar. Mais do que isto: a produção da energia viabilizará o desenvolvimento e a produção, em larga escala, dos tão necessários alimentos.