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Ricardo José Pires de Aquino Pereira

Diretor Comercial da Renuka do Brasil

Op-AA-35

Bioeletricidade

Já se passaram quase quarenta anos desde o tempo em que se podia chamar a cana apenas “de-açúcar”.  A crise do petróleo nos anos 1970 marcou o início da diversificação, convertendo a sacarose da planta no etanol que iria garantir e baratear o abastecimento dos veículos, reduzindo ainda a poluição. Em seguida, na abertura do novo milênio, um apagão de energia veio recolher o bagaço que sobrava das moendas, para energizar as redes de transmissão com a bioeletricidade.

Os anos seguintes iriam mostrar a confiabilidade e o potencial da nova fonte renovável, até que o governo se convencesse e começasse a valorizá-la adequadamente, com o  Proinfa, em 2004, e o Primeiro Leilão de Energia Nova, no ano seguinte. Desde então, a bioeletricidade marchou com passos firmes, até se estabelecer com 7% da capacidade instalada de geração de energia elétrica no Brasil. Qual a razão de tamanho sucesso?

A maior área de cultivo da cana no País coincide com a região de maior consumo de energia, abrangendo os estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso de Sul e Goiás. Assim, a conexão de um novo empreendimento de biomassa, na maioria das vezes, exige apenas reforço das instalações existentes, reduzindo os impactos ambientais e os vultosos investimentos em transmissão requerido pelas hidrelétricas e eólicas, colocadas pela natureza normalmente a centenas de quilômetros dos centros urbanos e industriais.

Outra vantagem da bioeletricidade ocorre pela disponibilidade do seu combustível, bastante previsível e oportuna, pois a colheita e o processamento da cana são feitos sempre no período de estiagem, de abril a novembro, quando os recursos hídricos mais precisam ser poupados. E, ainda, com relação ao meio ambiente, a cogeração a partir de bagaço não aumenta a concentração de gás carbônico na atmosfera como fazem as termelétricas, nem agride vastas regiões de áreas nativas verdes, impacto comum dos grandes reservatórios.  

Entretanto observa-se que a oferta de empreendimentos bioelétricos se reduziu muito nos anos recentes. Em 2008, as usinas venderam quase 550 MW médios em leilão organizado pelo governo, mas a soma das vendas, até hoje, em todos os certames oficiais seguintes, mal ultrapassam a metade desse valor. O que aconteceu?

O setor sucroalcooleiro sofreu três grandes choques entre 2008 e 2011: súbita retração de recursos, em momento de plena expansão, por causa da crise financeira mundial,  queda de produtividade sem precedentes causada pela aceleração da mecanização da colheita e problemas operacionais causados por um clima errático, que alternava seca prolongada, excesso de chuva e até geadas. As empresas se descapitalizaram e ainda se viram diante do desafio de reformar e ampliar seus canaviais, para recuperar a produtividade e reduzir a ociosidade do parque industrial.

O foco de investimento voltou-se à atividade agrícola, não sobrando muito para a cogeração. Paralelamente, aquela mesma crise financeira trouxe equipamentos eólicos a preços muito competitivos, graças à forte redução da atividade econômica nos países desenvolvidos. Impulsionado ainda por benesses governamentais e boas previsões de aproveitamento do vento, a eletricidade eólica ocupou momentaneamente o espaço da bioeletricidade na matriz energética. Mas isso parece estar prestes a mudar.

O ano de 2013 certamente representará um momento de inflexão no setor elétrico e também no setor sucroalcooleiro. Logo de início, o governo está lançando mão de medidas drásticas para reduzir o custo da eletricidade, depois de ter atravessado o ano de 2012 queimando óleo nas termelétricas.

O maior PLD médio anual da história evidenciou a alta sensibilidade do custo da matriz energética em relação à escassez de chuvas. Seguramente, o projeto de crescimento da oferta de energia elétrica deverá se basear em empreendimentos de custo variável menor.

A cana, por sua vez, acabou oferecendo uma safra, em 2012, significativamente maior que a anterior, quase 8%, e a previsão da safra de 2013 promete um incremento ainda mais alto, de quase 10%. Preservadas condições razoáveis no clima e na economia, as usinas devem começar a reduzir o endividamento, aumentar a rentabilidade e voltar a buscar oportunidades de crescimento. Observa-se aí, então, um casamento óbvio de necessidades e oportunidades.

A bioeletricidade tem um potencial enorme a oferecer. Projeções indicam uma geração equivalente a três usinas Belo Monte por meio da modernização do parque instalado e da colheita mecanizada recolhendo a palha. Trata-se da folhagem da cana, que, anteriormente, era queimada ou deixada no solo das fazendas, mas que vem sendo trazida do campo por um número crescente de usinas. E, além dessa,
muitas outras ideias podem aumentar ainda mais a oferta de energia, se forem bem nutridas como, por exemplo, o consumo de cavaco de madeira e outras biomassas para geração adicional na entressafra.

As usinas estão fortalecendo sua estrutura, não apenas na área técnica, mas também no campo regulatório e comercial. Isso vem sendo feito através do treinamento de profissionais próprios, recrutamento de novos colaboradores e contratação de consultorias. As botinas já estão levando um pouco de barro para as salas de espera da ANEEL, CCEE, ONS, EPE, MME e outras tantas siglas que eram desconhecidas há poucos anos.

A retomada depende agora de um ambiente institucional favorável, com linhas de crédito acessíveis e leilões que valorizem as vantagens dessa fonte em termos ambientais, geográficos e sociais. Sim, o aspecto social precisa ser levado em conta, principalmente em um ambiente de desaceleração econômica: o bagaço da cana gera cinco vezes mais empregos diretos e indiretos que o óleo combustível e de forma muito mais pulverizada pelo interior do País. Finalmente, é imprescindível uma política de longo prazo para incentivar o etanol, com a qual o crescimento da bioeletricidade será potencializado, mantendo o Brasil na dianteira das energias renováveis.