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Daniel Pereira Lobo

Gerente de Sustentabilidade da BonSucro Better Sugarcane Ltd.

As-AA-46

A busca do "socialmente justo"
Por conceito, estabelece-se que, para uma atividade ser classificada como sustentável, deve ser economicamente viável, socialmente justa e ecologicamente correta. No que se refere às questões sociais, a caminhada foi contínua, nunca fácil, com muitos percalços, criando, às vezes, uma profunda sensação de desesperança – típica das longas jornadas. Porém, as dificuldades nunca foram motivos para se desistir. Tem sido assim que o setor sucroenergético brasileiro tem vencido suas batalhas para se consolidar como um setor socialmente justo.

Muitas conquistas foram realizadas, contudo, não nos deixemos enganar que novos desafios não surgirão ou que tenhamos conseguido extinguir por completo práticas seculares que, como pesadelos recorrentes, voltam a atormentar o sonho da bioenergia, ambientalmente responsável e socialmente justa. Inegável dizer, entretanto, que o setor de cana-de-açúcar brasileiro evoluiu e, hoje, se tornou referência de boas práticas sociais, servindo de inspiração para outras culturas agrícolas brasileiras.

Dos grandes males que assolam a relação de trabalho na área agrícola, o setor de cana talvez tenha sido um dos poucos a ter enfrentado a maioria deles. No âmbito social, o maior desafio se dá na esfera da transparência nas relações de trabalho, a forma como o setor lida com os seus colaboradores, fornecedores e a comunidade. No início da década de 1990, talvez sem saber, o setor de cana-de-açúcar dava início à sua caminhada rumo à responsabilidade social.

Com a desregulamentação dos preços pelo governo, o setor precisaria encontrar uma maneira de remunerar seus fornecedores, de forma transparente e justa. O Consecana surge em 1999 como resposta a esse desafio e envolve, de modo participativo, representantes dos produtores e da indústria da cana-de-açúcar. O que isso tem a ver com responsabilidade social? Muita coisa. A transparência na relação comercial entre produtores agrícolas e a indústria é a base da responsabilidade social e deve ser entendida com a mesma importância da relação de trabalho entre a empresa e seus colaboradores.

O Consecana pode não ser ainda um mecanismo perfeito, mas representa uma evolução considerável nas relações comerciais entre produtores e indústria. Sete anos depois, em 2007, o setor sucroenergético paulista sinaliza uma drástica mudança nas suas relações de trabalho com a assinatura do Protocolo Agroambiental. Como a atividade de corte manual de cana-de-açúcar é entendida como degradante, o compromisso de mecanização foi colocado nesse Protocolo como um de seus três pilares.

A corrida para a mecanização dá início a um dos maiores programas de requalificação privado de mão de obra, transformando cortadores de cana em operadores de máquinas agrícolas. Em 2009, o Governo Federal, por meio da mesa de diálogo com o setor, propõe a criação do Compromisso Nacional. São dezoito requisitos sociais que excedem as exigências legais, representando um marco social nunca antes visto no setor do agronegócio. Entre as principais condições desse compromisso voluntário, estão a contratação do migrante em sua região de origem – a contratação responsável garante os direitos dos trabalhadores migrantes antes da saída de sua cidade natal.

Além disso, não permite a contratação de “gatos” ou terceiros para atividades manuais – todos devem ter registros em carteira. E, para evitar a exploração, os chefes de turma não podem receber por produção, evitando que ele pressione seus colaboradores para produzirem mais ou os segurem no campo até que metas de produção sejam alcançadas. Uma grande conquista do Compromisso Nacional foi a implantação de métodos transparentes de pagamentos aos cortadores de cana.

Antes do compromisso, eram comuns as reclamações dos empregados, que não compreendiam a forma como eram remunerados e que, muitas vezes, se sentiam enganados ou passados para trás. Pelo Compromisso Nacional, as usinas deveriam adotar métodos claros de pagamento, que permitissem ao empregado calcular o quanto receberiam no final do dia ou do mês. O teste de fogo estaria ainda por vir, em junho de 2011, quando ONGs internacionais desembarcam no Brasil, munidas com que havia de mais moderno para a avaliação corporativa de responsabilidade social e ambiental para o setor de cana-de-açúcar.

Não havia no mundo sequer uma indústria que houvesse, na história dessas entidades, passado nessas inspeções. O Brasil, pela sua expressão mundial na produção de cana, era candidato natural, mas, mais do que isso, o setor se sentia forte e capaz de sobrepor mais esse desafio. E, naquele mesmo mês, o mundo se curva para prestar reverências à primeira usina de cana-de-açúcar certificada com selo de sustentabilidade. Não um selo nacional, nem uma iniciativa local, mas uma certificação de responsabilidade social e ambiental, criada pelas entidades e ONGs mais criteriosas do planeta. Agora, o setor de cana-de-açúcar brasileiro não é mais apenas uma expressão nacional para o agronegócio, mas uma referência internacional de como enfrentar as adversidades impostas pela nova economia globalizada, ambientalmente responsável e socialmente justa.