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Tomaz Caetano Cannazam Rípoli

Professor de Engenharia Rural da Esalq-USP

Op-AA-28

A China e o talhão

No final de 2010, a China lançou um programa nacional visando tornar-se, em 2025, o maior produtor de citrus do mundo. Alguém tem dúvidas do sucesso e do reflexo para o Brasil e EUA? É de se esperar que, para o setor sucroenergético, os orientais estão preparando algo semelhante para breve, além do já significativo incremento anual nas áreas canavieiras em anos recentes.

Não deve haver dúvidas do que significará ao Brasil, cujo setor continua embevecido, hipnotizado e rindo a larga com nossa capacidade de produção. Nunca se ganhou tanto! Todavia, por de trás dessa euforia, escondem-se questões elementares, do ponto de vista gerencial, agronômico, tecnológico e logístico que, se, ainda hoje, afetam pouco a competitividade brasileira no mercado internacional, não demorarão muito para fazer o “bicho pegar”, e, daí, nem financiamento de BNDES vai resolver.

A crise estará instalada, e não como uma bolha, mas como um tsunami. São cinco grupos de fatores que continuam carecendo de maior atenção, de menos “tentativa e erro” e de mais racionalidade, mas que estão sendo mascarados pelo bom momento do setor:

1. Enfoque distorcido dos objetivos das empresas (há maior preocupação com aumento de produção do que com aumento de rentabilidade econômica);
2. Pouco investimento em qualificação profissional (do operador de máquinas ao profissional de ensino superior que atua no campo);
3. Os controles de qualidade das operações de campo são obsoletos, imperfeitos e não atendem ao necessário, não passando de “quebra-galhos”;
4. Os controles de desempenho também padecem do mesmo mal. Esses dois últimos criam milhares de dados... e poucas usinas extraem deles informações que permitem tomadas de decisão com bases confiáveis. Consequência: a “achologia” predomina, baseado em “médias”. Imagine-se duas pessoas almoçando. Uma, um glutão, come tudo, e a outra fica apenas olhando. Na média, os dois estão bem alimentados... Esquecem-se de utilizar ferramentas científicas elementares (correlações, regressões, coeficiente de variação, desvio padrão, estatística básica) por acharem que se trata de academismo...
5. E implantam-se muito as tecnologias inadaptadas ou sofisticadas, quando o correto seria implantarem-se tecnologias adaptadas.                  

Limitando-se a apenas esse último tópico, um exemplo: é basilar, mas grande parte das usinas não atentou, ainda, ao fato de que uma boa colheita depende de bom plantio... este, por sua vez, depende de um bom preparo de solo, e a melhoria do desempenho de sistemas de colheita mecanizada depende também de uma adequada sistematização dos talhões. Sistematização ampla e não a predominante “meia boca”.

Sistematização de talhões para colheita mecânica, na qual as máquinas mais recentes apresentam motores com mais de 300 cv, com órgãos ativos de maior capacidade de recebimento e manipulação de matéria-prima por unidade de tempo, com eletrônica embarcada etc, inicia-se com uma correta formatação de talhões e sistema viário correspondente.

Relevos de até 3 a 4% (dependendo do tipo de solo), o palhiço remanescente da colheita é suficiente para ajudar a controlar a erosão, portanto, são desnecessárias as curvas de nível. Os talhões devem ter, no mínimo, 600 m de comprimento (a Austrália já apresenta talhões de 1 a 1,2 km). Chega de “colcha de retalhos”! Em áreas mais declivosas, os talhões devem acompanhar as curvas de nível, buscando eliminar ruas mortas, dentro do viável.

Obtêm-se, assim, maiores eficiências de campo. Por melhores que sejam os mecanismos de corte de base das colhedoras para acompanhar as imperfeições do microrrelevo, estes não são suficientes para diminuir a terra “colhida”, o abalo e a destruição de soqueiras, caso não ocorra, durante o preparo do solo, um nivelamento adequado desse microrrelevo (o nivelamento a laser está disponível há décadas).

E, conjuntamente com a formatação de talhões e nivelamento do microrrelevo, não deixar de atentar ao nivelamento entre o talhão e o carreador (sua ausência acarreta significativas perdas de tempo em manobras de cabeceiras da colhedora e do transbordo, interferindo, mais uma vez, na eficiência de campo). Espaçamento: se for simples, no mínimo tem que ser de 1,5 m. Muitos, ainda, utilizam 1,4 m, com a ilusão de que 10 cm levarão a uma maior produtividade agrícola.

Bobagem! O que são 10 cm quando as variáveis abaixo citadas interagem e levam a uma variabilidade espacial de produtividade agrícola (PA) em um talhão que chega ao absurdo de mais de 50%, quando se considera essa PA por fileiras de plantio? Como: características varietais; número de colmos industrializáveis/m; seus portes, comprimentos e pesos unitários; as falhas de plantio e de brotação; a variabilidade espacial das características físico-químicas do solo; a qualidade do preparo do solo e da sulcação (falta de paralelismo); a variabilidade no número de gemas viáveis plantadas/m; a desuniformidade na cobrição; a irregular distribuição de fertilizantes e as deficiências na aplicação de defensivos (os dois por falta de regulagens, bicos e dosagens adequadas) e o tráfego dentro do sulco e pisoteio de soqueira.

Tais condicionantes já foram explicitados por mim e Sérgio Paranhos, desde 1972, quando estudamos e defendemos os plantios alternados (0,90x1,60 m), hoje coqueluche, mas nenhuma novidade. Às novas gerações de técnicos de nível superior fazem falta leituras e informações embasadas na ciência e menos tentar, apenas, descobrir a quadratura do círculo.

Por fim, a “ameaça” chinesa está chegando. Caso não se adotem práticas agronômicas necessárias para aumento de rentabilidade econômica, não iremos importar apenas etanol dos EUA, mas açúcar da China. E mais, chega de contar com São Pedro para nossas produções agrícolas. A cana no Brasil continua tendo fome e tendo sede! Irrigação é um encurtamento de caminho para maior competitividade mundial.