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Plinio Mário Nastari

Presidente da Datagro

Op-AA-42

Correções para não perder oportunidades

A cana-de-açúcar é a segunda maior cultura em Valor da Produção Agrícola, respondendo por uma geração de valor, estimada pelo IBGE, em R$ 40,5 bilhões em 2013, atrás somente da soja, com R$ 50,5 bilhões, e bem acima do valor gerado pelo milho, de R$ 26,8 bilhões. Considerando a transformação da cana-de-açúcar em produtos finais – açúcar, etanol e bioeletricidade –, esse valor supera R$ 68 bilhões e movimenta uma extensa cadeia a jusante e a montante, com impactos significativos em setores relacionados ao suprimento de insumos diversos, máquinas e implementos e no comércio e indústria dos inúmeros polos de desenvolvimento localizados em vários estados.

Nos últimos quarenta anos, a expansão observada no setor de cana esteve relacionada à decisão estratégica de promover um intenso processo de diversificação na direção do etanol, que mais recentemente tem sido complementado com a bioeletricidade. Essa diversificação trouxe a vantagem da flexibilidade industrial, a possibilidade de arbitrar preços em mercados não exatamente conectados –açúcar e energia – e cumpriu, com grande sucesso, o objetivo nacional a que se propôs, quando foi constituído o Proálcool em 1975: promover o desenvolvimento econômico descentralizado, diminuindo as disparidades regionais de renda.

No decorrer dessa trajetória, houve boas surpresas, como a descoberta da grande vantagem ambiental do uso do etanol em relação à gasolina e da vinhaça, antes um vilão ambiental, na verdade um valioso subproduto, capaz de devolver os nutrientes retirados do solo e promover o aumento da carga de matéria orgânica no solo, operando como um verdadeiro ralo de carbono.

Hoje, esse setor passa pela pior crise de sua história, e, sem um plano de recuperação, continuará havendo fechamento irreparável de empresas e perda relevante de emprego. Serão afetados negativamente o comércio e a indústria de pequeno e médio porte em vários polos regionais no interior. O crescimento da economia e o ambiente externo a esse setor fazem com que as circunstâncias que levaram à decisão estratégica de utilizá-lo como instrumento para ajudar a amenizar a dependência externa por energia, ao mesmo tempo em que se procurava promover o desenvolvimento, se repitam.

Em 1975, a importação de petróleo e derivados era de US$ 3,5 bilhões. Em 2013, esse dispêndio foi de US$ 13 bilhões. A crise do setor advém da redução da rentabilidade causada por fatores controláveis e incontroláveis. Não se controla o clima adverso, nem os impactos e desafios advindos da mecanização da colheita e do plantio. Mas está sob o controle da sociedade, nesse caso através do governo, a decisão de subsidiar a gasolina, de reduzir a zero o tributo sobre ela incidente (CIDE) e de não se aproveitar o enorme potencial representado pela cogeração, que complementa a geração hidroelétrica com enormes vantagens.

A mecanização da colheita trouxe como vantagem a possibilidade de aproveitar um volume enorme de energia que, antes, era desperdiçado. A bioeletricidade é gerada no período de seca e, por esse motivo, permite a elevação da base do sistema hidroelétrico sem novos investimentos. A bioeletricidade economiza água que poderia ser retida nos reservatórios no período de seca, além de requerer menores investimentos e trazer menores perdas de transmissão do que outras opções, como a geração na região Norte para abastecer o Sudeste.

Nos meses em que é gerada, e são os mais críticos em termos de oferta, é considerada quase energia firme. Quando o País gasta divisas geradas com o esforço de exportação de produtos que embutem um alto contingente de bens naturais (água contida nas exportações de produtos primários) para a importação de derivados de petróleo que não circulam mais no sistema econômico, ou sofre o risco de racionamento de energia por falta de água nos reservatórios das hidroelétricas, vemos como uma enorme perda de oportunidade para o País o não reconhecimento do papel que o setor pode ter no desenvolvimento e no meio ambiente.

Ao contrário, medidas têm sido adotadas para desestimulá-lo e desestruturá-lo. Algumas medidas urgentes que poderiam controlar essa crise seriam:

1. A recuperação do valor da CIDE sobre a gasolina para o nível anterior, de R$ 0,28 por litro, e utilizar os recursos prioritariamente para o transporte coletivo (ônibus e metrô), a recuperação da malha rodoviária e o passe livre estudantil. Há ambiente político para essa medida hoje.
2. Criar um mecanismo de reajuste no preço da gasolina que seja previsível e transparente, para que o preço reflita o seu valor no mercado internacional, com atualização, no mínimo, trimestral. Vai ajudar também a resolver a desvalorização da Petrobras, contribuindo para a sua geração de caixa e cumprimento do seu Plano de Investimentos.
3. Autorizar, o quanto antes, o aumento da mistura de etanol anidro à gasolina para 27,5%, reduzindo a importação de gasolina em mais de 1,2 bilhão de litros por ano.
4. No programa Inovar-Auto, priorizar a melhora da eficiência do uso de etanol em veículos flex e híbridos e o desenvolvimento de veículos movidos a células a combustível com reforma catalítica, aproveitando o elevado conteúdo de hidrogênio do etanol.
5. Criar um amplo programa de expansão da geração térmica a partir de bagaço e da palha de cana, reconhecendo no valor da tarifa paga, as suas vantagens pelo menor investimento e perdas em transmissão e sua sazonalidade complementar à geração hídrica.
6. Criar condições que viabilizem o alongamento das dívidas acumuladas pelo setor nos últimos cinco anos.
7. Promover acordos bilaterais para expandir os mercados para o etanol combustível, aproveitando o fato de que a mistura de 10% de anidro na gasolina é tecnicamente possível em todas as frotas existentes no mundo. A título de exemplo, em países altamente dependentes de importação de energia e petróleo, como a China e a Índia, a mistura de 10% de anidro (E10) pode abrir mercados de 15 e 3 bilhões de litros de etanol por ano, respectivamente.
8. Promover a integração comercial do açúcar no Mercosul (único setor ainda não integrado), para que sejam viabilizados acordos comerciais com outros blocos econômicos nesse setor.

Essas são medidas relativamente ao alcance da sociedade e que respondem a anseios, como a necessidade de ampliar investimentos em transporte coletivo de qualidade. Atende também à agenda ambiental, contrapondo-se à tendência de sujar a matriz energética com geração térmica, baseada em energia de origem fóssil.

Posicionará o País positivamente do ponto de vista energético e industrial ao implementar uma estratégia alinhada com as preocupações globais de controle e mitigação dos efeitos do aquecimento global. São medidas que podem fazer uma grande diferença para o futuro desse setor e do papel que pode representar no desenvolvimento de uma economia mais livre, autóctone e sustentável.