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Jesus Aparecido Ferro

Diretor da Alellyx Applied Genomics

Op-AA-05

A cana do futuro: biotecnologia mais melhoramento clássico

O Brasil é hoje o líder mundial no setor sucroalcooleiro, sendo o maior exportador de açúcar e o maior produtor de álcool de cana. Grande parte deste sucesso deve ser creditado aos nossos melhoristas, que conduziram programas bem-sucedidos de melhoramento clássico em cana-de-açúcar. As variedades de cana, introduzidas nos últimos 30 anos, resultaram num aumento de produtividade de 1% ao ano.

Mas este não foi o único nem o maior benefício. As novas variedades permitiram também um grande aumento na recuperação do açúcar na usina, que passou de 80 Kg por tonelada de cana no início da década de 70, para 130 Kg por tonelada, nos dias de hoje. Mas o fato mais extraordinário foi a disponibilização, aos produtores de variedades precoces, que permitiram que o início da safra fosse antecipado de meados de junho para início de abril, ou mesmo final de março, com grandes ganhos para produtores e usineiros.

No melhoramento clássico, obtido por cruzamento entre duas variedades, o que se persegue é a obtenção de uma planta, que tenha as melhores características de cada um dos parentais. Quando se cruza uma variedade que apresenta alto teor de açúcar com outra que tem baixo teor, mas é resistente à seca, objetiva-se obter uma planta que tenha alto teor de açúcar e que seja resistente à seca.

Na prática, isso requer a análise de milhares de descendentes do cruzamento e de 10 a 15 anos de seleção. Tradicionalmente, três programas nacionais atuavam nessa área: a CTC, o IAC e a Ridesa e, mais recentemente, a Canavialis, empresa de capital privado, com um agressivo programa de melhoramento. Com o advento da engenharia genética, uma nova ferramenta está à disposição para a obtenção de novas variedades. Com ela é possível, uma vez identificada a seqüência de DNA (gene) que confere a característica desejada, transferi-la de uma planta à outra, sem a necessidade de cruzamento e sem alterar as demais características da planta receptora.

Com essa tecnologia é possível acelerar o processo de desenvolvimento de novas variedades, as quais são então denominadas de geneticamente modificadas ou transgênicas. Mais extraordinário ainda, o gene a ser inserido na planta pode ser proveniente tanto de uma outra planta da mesma espécie como de plantas de outras espécies ou mesmo de microrganismos ou animais.

O gene de resistência ao herbicida glifosato, introduzido em culturas como soja, milho e algodão, foi isolado de uma bactéria do solo. As possibilidades com essa tecnologia são amplas, sendo que o limite é a nossa criatividade e a capacidade de encontrar os genes, que irão conferir as características desejadas, sem danos ao meio ambiente e à saúde humana.

O que temos visto até o momento é a colocação no mercado de plantas contendo os chamados input traits, tais como resistência a herbicida, resistência a doenças e ao ataque de insetos, que trazem benefícios ao produtor e ao meio ambiente. Uma nova geração de plantas geneticamente modificadas está a caminho, contendo agora características que melhoram sua composição e/ou valor nutricional.

São os chamados output traits, que trazem benefícios também ao consumidor. Com relação à cana-de-açúcar, as possibilidades são amplas e promissoras. A cana é uma planta que apresenta alta eficiência de fixação de carbono (CO2), gerando uma das maiores quantidades de biomassa por hectare, dentre as plantas cultiváveis.

Além de matéria-prima para obtenção de açúcar e álcool, ela pode ser utilizada como biorretor para a produção de proteínas de uso médico (hormônios, anticorpos, enzimas, etc), de uso industrial, de plástico biodegradável e de monômeros e outros insumos para a indústria química. No Brasil, várias dessas possibilidades já são exploradas na Alellyx, CTC, institutos e universidades.

Num futuro próximo deveremos ter também variedades de cana resistentes a herbicida, a pragas, a insetos, a vírus e à seca. Naturalmente, uma das características mais desejadas são variedades de cana com alto teor de sacarose, que possam atender todo o período de safra. Se pudermos dobrar a produtividade de uma variedade, estaremos dobrando a produção de álcool ou açúcar, sem ter que expandir as áreas de cultivo.

Mas estas plantas vão estar à disposição somente após rigorosos testes exigidos pelos processos de regulamentação, cujo rigor é maior que os normalmente requeridos para qualquer produto que consumimos, inclusive os insumos agropecuários largamente utilizados pelos agricultores. E o método tradicional de se produzir novas variedades através de cruzamentos e seleção da progênie?

Ele ainda será fundamental, pois as características introduzidas pela engenharia genética deverão ser adicionadas a variedades elite adaptadas às condições edafoclimáticas das regiões canavieiras, que continuarão a ser produzidas pelos nossos melhoristas. Com isso o produtor tem assegurada a opção de adoção ou não da nova tecnologia. A existência de opção é sempre o motor de avanços tecnológicos. O Brasil, líder mundial na produção das commodities açúcar e álcool, também está investindo em biotecnologia clássica e molecular, para continuar à frente numa das poucas áreas em que ocupa essa privilegiada posição.