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Silvana Creste Dias de Souza e José Antonio Bressiani

Pesquisadora do Centro de Cana IAC e Diretor de Tecnologia Agrícola da GranBio, respectivamente

OpAA69

Cana-energia transgênica: rusticidade e produtividade com alta tecnologia
O melhoramento genético convencional buscando a seleção de variedades de cana-energia dos tipos 1 e 2, iniciado no Brasil no início da última década, teve as primeiras cultivares comerciais disponíveis aos produtores a partir de 2015. A primeira demanda surgiu no setor sucroenergético atual para as cultivares de cana-energia do tipo 1 (teor de açúcares redutores totais - ART acima de 100 kg/t; produtividade acima de 50% da produtividade do padrão cana convencional na média do ciclo produtivo; e  teor de fibras inferior a 20% sobre a biomassa in natura), para plantio nos ambientes restritivos e colheita do meio para o final da safra e/ou nos extremos da safra, buscando ampliar o período da safra, visto que a cana-energia resiste ao pisoteio durante a colheita no período úmido. 
 
A demanda por cultivares de cana-energia do tipo 2 (teor de açúcares redutores totais - ART abaixo de 100 kg/t; produtividade acima de 100% da produtividade do padrão cana convencional na média do ciclo produtivo; e  teor de fibras acima de 25% sobre a biomassa in natura) ainda é incipiente.  
 
Ela depende do crescimento de projetos de etanol e/ou bioquímicos de segunda geração, de energia elétrica ou outros projetos que demandem grande quantidade de biomassa para outros fins para se estabelecer, embora esse tipo de biomassa seja a alternativa mais barata dentre todas as demais fontes de biomassa disponíveis no mercado entre os paralelos 30º Norte e 30º Sul.

Já comentamos, na edição nº 66 da Revista Opiniões, de Nov/20-Jan/21, sobre a aptidão e a sustentabilidade da cana-energia como fornecedora de biomassa para a indústria de segunda geração e afins que busquem reduzir as emissões de gases de efeito estufa no planeta. 
 
A GranBio, que iniciou, em 2012, o seu programa de melhoramento genético através da BioVertis, registrou e protegeu 11 cultivares, das quais duas estão registradas na Tabela em destaque. A empresa, que tem sua estação experimental em Alagoas, além do melhoramento convencional, iniciou os trabalhos com pesquisa em biotecnologia em 2016 e espera ter a primeira cultivar transgênica até 2024. Comparativamente ao melhoramento convencional, o desenvolvimento de novas cultivares geneticamente modificadas busca agregar valor por meio da  inclusão de novas características ou modificando a expressão de genes da própria cana, de forma a tornar a cultivar mais produtiva, competitiva e sustentável.  

De forma resumida, essas características são introduzidas nas cultivares via uma construção gênica engenheirada para cana (contendo o gene de interesse controlado por um promotor, terminador e marcador de seleção na planta), capaz de ser reconhecida e processada pela maquinaria celular da planta, constituindo um organismo geneticamente modificado (OGM). Dezenas de plantas transgênicas são obtidas no processo de transformação, e cada planta regenerada é considerada um evento geneticamente modificado (GM) independente. 
 
Embora a transgenia tenha como principal objetivo a correção de um defeito ou agregação de valor em variedades comerciais, a seleção de um evento elite exige que centenas de plantas sejam avaliadas em experimentação a campo, de forma a se selecionar um evento elite capaz de reproduzir fielmente o genótipo original acrescido do transgene, com expressão estável ao longo de gerações e ciclos de cultivo. 

A foto da página seguinte mostra um campo de pesquisa com eventos OGM de cana, aprovado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBIO), com canas transgênicas expressando, num mesmo evento, dois genes de resistência às lepidópteras (broca comum e broca gigante) (Bt) e um gene de resistência ao herbicida glifosato (RR). Na foto em questão, podem-se evidenciar parcelas de plantas transgênicas  resistentes ao glifosato, onde se aplicou dose de herbicida duas  vezes superior à comercial (as plantas continuaram verdes) e parcelas controles completamente secas pelo efeito do herbicida.
 
Na imagem seguinte, a confirmação dos dois genes Bt (Bacillus thuringiensis), que conferem resistência à broca, é visualizada pelos  testes rápidos. Embora Bt e RR representem a totalidade das plantas transgênicas comercializadas no Brasil, incluindo soja, milho, algodão e, recentemente, cana-de-açúcar, uma nova geração de plantas geneticamente engenheiradas promete alicerçar a canavicultura nacional. 
 
Essas tecnologias estão em desenvolvimento e são resultados de financiamentos em programas de pesquisa financiados por agências de fomento do Brasil e do exterior. Dessa forma, num futuro próximo, são esperadas cultivares de canas apresentando resistência a estresses bióticos e abióticos, aumento de biomassa, controle de florescimento, melhoria do processo de sacarificação para produção de etanol 2G, produção de compostos secundários, uso eficiente de água, fertilizantes e produção de biopolímeros, dentre outros.  
 
Além dessas, a recente tecnologia de edição de genoma (CRISPR/Cas) tem potencial para revolucionar canavicultura, ao permitir a manipulação pontual e precisa do genoma das plantas, contornando questões regulatórias dos transgênicos relacionadas à saúde humana, animal e segurança ambiental, reduzindo o tempo e o custo para a liberação de cultivares comerciais. A tecnologia, hoje aplicada a várias espécies de plantas, tem o potencial para avaliar a função dos genes e melhorar caracteres de importância econômica. Na GranBio, além de Bt e RR, o foco também tem sido na obtenção de cana transgênica com aumento da biomassa, tolerância à seca e melhoria na sacarificação das fibras durante o pré-tratamento industrial. Para tanto, desde 2016, trabalhamos em parcerias com empresas públicas e privadas.

Recentemente, a GranBio estabeleceu um novo convênio com o Instituto Agronômico de Campinas, dentro de um projeto NPOP (Núcleo de Pesquisa Orientada a Problemas:   uma rede de pesquisa criada no âmbito do programa Ciência para o Desenvolvimento, lançado pela FAPESP em 2019, para resolver problemas concretos com impacto na economia do estado de São Paulo), que objetiva gerar produtos biotecnológicos, com foco em transgenia, a partir de resultados de uma década de pesquisa desenvolvida pelo Centro de Cana e sua rede de colaboração com universidades.

A proposta é desenvolver variedades de cana-de-açúcar e cana-energia transgênicas, apresentando aumento de produtividade, tolerância à seca, modificação de parede celular para produção de etanol de segunda geração e, ainda, plantas resistentes ao fungo do carvão.  Adicionalmente aos projetos de transgenia, a GranBio, juntamente com o IAC, pretende, nos próximos cinco anos, dominar a tecnologia de edição gênica em cana. O objetivo é incorporar conhecimento sobre o CRISPR/Cas a um conjunto de pesquisas que buscam variedades geneticamente modificadas tolerantes à seca, resistentes a pragas e a doenças, mais produtivas e tolerantes a herbicidas. Os desafios não são desprezíveis, dada a complexidade do genoma da espécie, mas seu potencial de impacto na cana é enorme. 


 

Área de pesquisa com cana transgênica na Estação Experimental da BioVertis, em Alagoas:
A: Parcelas experimentais com plantas controles e eventos transgênicos RR, onde se aplicou, duas vezes, a dose do herbicida Round-up. 
B: Testes rápidos realizados nos eventos transgênicos RR contendo também os genes Cry2A e Cry1Ac para confirmação da expressão da proteína Bt.