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Marcelo José Alves

Gerente de Energia da CSN - Cia Siderúrgica Nacional

Op-AA-35

Cogeração: instrumento de mitigação de déficit

A predominância hidráulica na matriz elétrica brasileira faz com que o País esteja sempre vulnerável em relação à disponibilidade de oferta de energia. Ainda que a presença de outras fontes na matriz venha crescendo de forma gradual nos últimos anos, mantém-se o risco de oferta menor que a demanda na medida em que o consumo aumenta acompanhando o crescimento econômico.

O risco de eventuais reduções pontuais na oferta de energia elétrica reside, por exemplo, na dependência da regularidade dos períodos de chuva nos locais necessários ao seu armazenamento na forma de energia potencial. Em determinados momentos, é possível compensar essas reduções pontuais na oferta da energia de hidrelétricas pela geração por outras fontes, como as usinas térmicas a gás natural, carvão, dentre outras. Mas nem sempre isso ocorre na medida necessária.

Tomemos, como exemplo, o episódio de racionamento entre os anos de 2001 e 2002, quando a redução da oferta de geração por usinas hidrelétricas, sobretudo na região Sudeste e Centro-Oeste, não pôde ser compensada na totalidade da demanda por outras fontes de geração, devido a problemas estruturais identificados naquela ocasião.  Diante desse histórico, o mercado de energia elétrica iniciou o ano de 2013 com certo grau de preocupação.

O atraso do início das chuvas somado a uma não confirmação do volume de água necessário para manutenção do nível dos reservatórios, nas primeiras semanas do período chuvoso, fez com que boa parte do parque térmico para geração de energia fosse acionada. 

Ocorre que, mesmo estando diante de um quadro estrutural mais robusto em relação àquele verificado no biênio 2001-2002, é de conhecimento dos técnicos do setor elétrico que a capacidade instalada dos parques térmicos não faz frente a uma redução muito acentuada da oferta proveniente das usinas hidrelétricas.

Nessas circunstâncias, a decretação, pelo governo, da redução de cotas de consumo a toda a sociedade torna-se mais possível. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em torno de 1%, verificado em 2012, também pode ser considerado um importante atenuador de um potencial aumento de risco de racionamento entre os anos de 2013 e 2014.

Com a diminuição desse risco já observada na primeira semana de fevereiro de 2013, a partir do aumento dos níveis dos reservatórios das usinas, o que fica é a conta a ser paga por todos os consumidores de energia elétrica, devido ao acionamento das usinas térmicas, de forma emergencial, nos últimos meses.

Mesmo o Brasil possuindo um sistema com capacidade instalada suficiente para atender, com certa folga, à demanda de energia do mercado brasileiro, há de se observar que "capacidade instalada" não é sinônimo de "energia assegurada", ainda mais quando a maior parte dessa energia depende de fatores exógenos, como a disponibilidade de água, principalmente nos reservatórios das grandes usinas, além da comprovação do regime dos ventos que giram as pás das turbinas eólicas.

Não se trata, portanto, de questionar o modelo de planejamento do setor elétrico, uma vez que a geração de energia por meio de recursos renováveis, como hidrelétricas e parques eólicos, coloca o Brasil em posição de destaque no cenário internacional. O País ainda possui um potencial exploratório representativo e a custos bastante competitivos dessas fontes.

No entanto priorizar a diversificação da matriz elétrica torna-se necessário, ainda mais quando observamos episódios como o ocorrido no início do ano. Se, por um lado, o consumidor de energia elétrica foi obrigado a pagar por uma energia não consumida, no racionamento de 2001 e 2002, de forma a assegurar o equilíbrio econômico e financeiro das empresas de distribuição e geração, por outro, o mesmo consumidor agora tem a responsabilidade pelo pagamento de encargos vinculados a geração de energia que visam assegurar, até certo ponto, o atendimento da demanda do sistema, em substituição à energia não gerada pelas hidrelétricas.

O Ministério de Minas e Energia (MME) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) poderiam repensar o modelo de contratação de energia, a partir da introdução de leilões específicos, por fonte, de forma a reduzir a relação entre capacidade instalada dessas fontes e sua energia firme, considerando que o termo “modicidade tarifária” deveria também observar um custo pela garantia do fornecimento.

Os novos projetos de usinas hidrelétricas com capacidade de acumulação reduzida em seus reservatórios bem como o aumento expressivo da participação dos parques eólicos podem contribuir para o aumento do risco do déficit futuro. Basta observarmos a relação entre a capacidade instalada de algumas usinas hidrelétricas e sua energia assegurada, além da energia efetivamente entregue pelas usinas eólicas, desde o advento do Programa de Incentivos a Fontes Alternativas de Energia (Proinfa).

Nesse sentido, sistemas de geração de energia provenientes da queima de combustíveis fósseis ou renováveis, como carvão, gás natural e biomassa, além de sistema de cogeração, voltam a fazer parte das discussões de cenários no mercado de energia e grandes indústrias, como sendo uma alternativa para a redução de riscos, pela falta de oferta proveniente das fontes convencionais e também para minimizar potenciais impactos na conta de energia, quando se trata de previsibilidade de custos.

Estratégias bem-sucedidas, que visam à redução de custos e da dependência da rede externa de energia, podem ser verificadas em diversos segmentos da indústria, como na indústria de celulose e papel, siderurgia e cimentos, onde os gases residuais e o calor de processo antes não aproveitados, estão se transformando em verdadeiras fontes de recursos.

A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é um exemplo típico de empresa com essa estratégia de aproveitamento. Em 2000, implantou sua Central Termelétrica de Energia, que tem como combustível os gases residuais do processo de produção do aço. O vapor e a energia elétrica gerada pela central garantem à CSN maior estabilidade para a operação da Usina Presidente Vargas (UPV), além de uma maior flexibilidade para recompor sua matriz de energia elétrica nos episódios de falta de oferta de energia no mercado.

Se, por um lado, temos a indústria eletrointensiva em consumo de energia, com uma diversificada oferta de tecnologia capaz de transformar o que antes era resíduo em energia, por outro, temos a indústria sucroalcooleira com potencial para aumentar sua disponibilidade de geração de energia, por meio de modernização do seu processo produtivo e desenvolvimento de novas tecnologias de plantio que elevem a produtividade da biomassa.

Uma eventual reavaliação, pelo governo, do atual modelo de leilões, a partir da contratação por fontes específicas, como biomassa, pode representar melhores oportunidades de ganho ao investidor e a toda a cadeia produtiva de máquinas e equipamentos voltados à termoeletricidade. Por sua vez, o investidor desse tipo de fonte de geração deverá promover melhorias em seus processos, de forma a garantir uma melhor distribuição da geração de energia, ao longo de todo o ano, contribuindo, dessa forma, para uma estabilidade maior para todo o sistema elétrico brasileiro.