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Tarcilo Ricardo Rodrigues

Diretor da Bioagência

OpAA72

Como ajustar a oferta de cana às crescentes demandas de etanol e açúcar
Mais um grande desafio se impõe ao setor sucroalcooleiro para os próximos anos. As demandas pelos nossos principais produtos, que há décadas estavam de alguma forma contidas, começam a dar sinais de extrema vitalidade, em meio a enormes transformações em toda a sociedade, que busca uma forma de vida equilibrada e se preocupa cada vez mais com o meio ambiente.
 
Todo o peso da forte expansão setorial a que assistimos entre 2005 e 2010, impulsionada por uma liquidez de crédito poucas vezes vista em nossa história recente, nos colocou em uma situação bastante difícil, pois houve uma frustração do crescimento da demanda de etanol, principalmente do mercado internacional.
 
O ciclo negativo foi impulsionado pelas intervenções governamentais no mercado interno de combustíveis na década seguinte, que causaram grandes perdas ao setor, algumas das quais irreversíveis.

Esse período, posterior ao crescimento acelerado – quando inauguramos mais de 100 novas unidades produtoras –, foi uma batalha de sobrevivência e uma busca pela reorganização de muitas unidades produtoras, que estagnaram o crescimento da produção de cana até os dias atuais.

Sem o sonhado mercado de etanol, a produção desaguou de forma desordenada para o mercado de açúcar, fazendo com que, por um longo período, os preços ficassem abaixo dos custos de produção.

O lado positivo dessa história é que um dos maiores ativos do setor, a frota de veículos flex, não só foi preservada, como também continuou a sua expansão. Tivemos um período de crescimento da demanda de combustíveis, principalmente de gasolina, alavancada pelo controle artificial de preços realizado pelo governo sobre os derivados de petróleo, como forma de política macroeconômica para contenção da inflação.

Essa intervenção gerou perdas expressivas não só para a Petrobras, mas, de forma indireta, limitou a recuperação dos preços do etanol e grandes perdas foram sentidas em todo o setor sucroalcooleiro.

Em meados da década passada, o Brasil entrou em um período de recessão do crescimento econômico, que impactou o consumo de combustíveis, fato que se arrasta até hoje. Quando havia uma perspectiva de recuperação, fomos atropelados por uma pandemia de escala global, que nos fez recuar de forma drástica o consumo: restrição da mobilidade imposta pela pandemia.

Em nossas usinas, herdamos uma capacidade ociosa bastante relevante nas fábricas de açúcar e etanol, o que, apesar do seu custo, contribuiu para ajustarmos a produção na direção dos mercados mais rentáveis nos últimos anos. Essa capacidade da indústria retardará um pouco os investimentos necessários ao atendimento da demanda, concentrando os esforços na recuperação agronômica. 

É sempre importante revisitarmos esses fatos que nos trazem até os dias de hoje, para que possamos compreender a complexidade que é ajustarmos as expectativas de todos os agentes da cadeia, para atingirmos um crescimento robusto e duradouro.

Hoje, estamos melhor do que há duas décadas, quando iniciamos o 2º ciclo de crescimento setorial, depois da criação do Proálcool, em 1976. Temos uma lei, que norteia e regula a participação dos biocombustíveis na matriz de transporte de veículos leves em nosso país, e isso pode ser o grande diferencial de um crescimento sustentável nas próximas décadas.

Fica latente, pela experiência passada, a importância de um marco legal, regendo a política nacional de biocombustíveis, uma vez que o combustível renovável compete de forma direta, nas bombas, com a gasolina, extraída de uma commodity mineral, sujeita a fatores geopolíticos internacionais, cartéis de produção, políticas distintas de cada País, moedas e demais fatores que contribuem para formar o seu valor de venda, independente de seus custos.

Essa volatilidade do nosso principal produto competidor torna necessária a regulação da participação dos biocombustíveis em nossa matriz energética pela sua característica de ciclos, restrições climáticas, competição com outras culturas, restrições de ambientes de produção, comuns às commodities agrícolas. Estamos no caminho certo. A regulação, que está entrando em seu terceiro ano de implementação, mostra-se robusta e consistente, precisando apenas de pequenos ajustes para que os seus objetivos sejam alcançados e tenham um importante papel na redução de emissões, mitigando as mudanças climáticas que não são mais peças de ficção, mas uma realidade que nos assombra, exigindo soluções imediatas e sem retorno.

O caminho é longo, mas, dessa vez, temos a demanda devidamente direcionada, que nos faz focar no outro lado dessa equação, para atendermos a essas demandas, que exigirão pesados investimentos em todos os processos de produção dos biocombustíveis e do açúcar ao longo das próximas décadas.

Enquanto a demanda de etanol parece estar mais sedimentada, com um horizonte mais previsível em comparação com décadas passadas, o açúcar ainda se mostra inserido em um mercado imperfeito, com todos os elementos que o caracterizam. Possuímos barreiras tarifárias e não tarifárias nos principais mercados consumidores, sendo algumas delas travestidas de certificações ambientais.

Grandes países produtores derramam enormes recursos na forma de subsídios agrícolas, distorcendo a oferta do produto, associado a um mercado em transformação pela busca de uma alimentação saudável e demais mudanças de hábitos alimentares, embora o açúcar ainda seja uma fonte de energia barata e acessível, sustendo os níveis de crescimento da demanda. 

Nesse cenário, o Brasil deverá manter sua participação de mercado, assumindo a função de ser o regulador, uma vez que a capacidade de mover a produção entre etanol e açúcar poderá ser um importante aliado para contrabalancear os excessos advindos de climas favoráveis ou de políticas de subsídios em desalinho com os preços de mercado.

O setor de açúcar, que já cresceu no passado a taxas acima de 1,5% ao ano, agora caminha para crescimentos mais modestos, ao redor de 1% ao ano. Para um mercado de 180 milhões de toneladas, é um volume ainda expressivo a ser ofertado de forma contínua. Nos próximos dez anos, o Brasil conquistará uma demanda adicional próxima de 11 milhões de toneladas de açúcar, equivalentes a 80 milhões de toneladas a mais de cana a serem processadas.
 
As metas do programa RenovaBio visam à redução das emissões de CO2 de nossa matriz de transporte de veículos leves e já está definida para os próximos 10 anos. 
 
Essa redução de emissões está lastreada na necessidade da emissão de 95 milhões de CBIOs, em 2031, que serão gerados pela comercialização do biodiesel e principalmente do etanol combustível. Hoje, a comercialização de todos os tipos de etanol, das diversas fontes de produção, corresponde a 89% das emissões de CBIOs, e, portanto, serão responsáveis pela geração de 84 milhões de CBIOs em 2031.
 
Prevendo um aumento da participação da produção de etanol de milho dos atuais 15% para 20% do total dos biocombustíveis, ainda precisaremos que 69% dos CBIOs a serem gerados sejam provenientes de etanol de cana.

Será necessária a emissão de 65 milhões de CBIOs provenientes da produção de etanol de cana, que correspondem à produção de 50 milhões de m³. Para atingir essa meta, é exigido um acréscimo de 25 milhões de m³ sobre os volumes de produção atual, proveniente da cana-de-açúcar.

Para suprir a produção adicional de etanol, precisaremos processar 305 milhões de toneladas de cana nos próximos 10 anos. Temos um desafio gigantesco pela frente. Somadas as necessidades de suprimento do mercado de açúcar e a demanda de etanol combustível originadas pelo programa RenovaBio, será necessário produzir mais 385 milhões de toneladas de cana à nossa produção atual.
 
Rupturas tecnológicas fazem parte do nosso processo de produção e serão fatores decisivos a contribuir para o crescimento do setor, de forma sustentável. Os desafios para as áreas agronômicas e industrial estão lançados, e a consistente demanda será um grande incentivo para alcançarmos esses objetivos, o que posiciona, mais uma vez, o setor sucroalcooleiro como um dos pilares para o crescimento da nossa economia, tão fundamental à estabilidade social, além de se consolidar como um importante polo gerador de emprego e renda.