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Magda Maria de Regina Chambriard

Diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis

Op-AA-34

Etanol e o desafio presente

Há 100 anos, não havia petróleo no Brasil. Há 20 anos, não se falava em gás natural. Há 10 anos, não conhecíamos a potencialidade do Pré-sal. Mas, por todo esse tempo, mais precisamente desde o século XVI, o Brasil produz cana-de-açúcar. A primeira experiência brasileira de uso de álcool como combustível ocorreu em 1927, mais de uma década antes da descoberta de Lobato (1939), o primeiro campo de petróleo do País.

No entanto foram as crises do petróleo da década de 1970 (1973 e 1979) os elementos decisivos para a criação e a consolidação do Proálcool. Afinal, o petróleo escasso e caro tinha tudo para ser substituído. A iniciativa do Brasil nessa direção, à época, foi única no mundo. O seu sucesso pôde ser constatado, quando chegamos a 1985 produzindo 12 milhões de m3 de etanol e contando com 15% do produto em toda a gasolina vendida em território nacional.

De lá para cá, os altos e baixos do etanol puderam ser correlacionados com as variações de preços do petróleo no mercado internacional. O fundo do poço foi entre 2001 e 2003. Em 2003, as vendas de etanol hidratado para as distribuidoras foram de apenas 3,2 milhões de m3, muito provavelmente devido aos baixos preços do petróleo cru durante a década de 1990 (em 1999, o barril do petróleo do tipo Brent chegou a menos de US$ 15).

Da mesma forma, o auge do etanol foi em 2008, quando foram produzidos 27,1 milhões de m3, decorrentes da demanda crescente devido à inserção dos carros flex. Nessa época, o preço do mesmo petróleo do tipo Brent rumava para US$ 140/barril. Fica, portanto, bastante claro, que esse produto é, no Brasil, o principal substituto da gasolina.

Por isso o que a indústria sucroalcooleira se pergunta, e questiona à ANP, é qual o espaço do etanol combustível na próxima década, quando tudo indica que teremos petróleo em abundância, em função do Pré-sal?

Para auxiliar a esclarecer essa questão, a ANP elaborou a previsão de produção e demanda de combustíveis do ciclo Otto (etanol e gasolina). Isso porque a demanda por etanol e por gasolina, hoje, se relaciona tanto pela adição do etanol à gasolina, quanto pela opção dos proprietários de carros flex por um ou outro combustível.

A premissa utilizada para o estudo foi a de que nenhuma nova refinaria será construída para produzir gasolina, no Brasil, na próxima década. Os resultados obtidos indicam que é possível que a demanda de gasolina C continue nos patamares em que hoje se encontra, se o etanol hidratado produzido no País for competitivo.

Mas, se isso não ocorrer, é possível que cheguemos a 2020 importando cerca de 15 milhões de m3 de gasolina a mais do que hoje. Isso certamente seria bastante difícil de realizar, considerando as possibilidades logísticas. Seria também bastante prejudicial à balança comercial brasileira, além de uma grande vulnerabilidade externa.

O quadro favorável ao etanol competitivo pode ser realçado quando colocamos sua contribuição em números: a produção acumulada de etanol combustível, no Brasil, já é equivalente a 10 anos do consumo atual de gasolina, ou quase a produção acumulada de um campo gigante como o de Marlim, o mais produtivo do País até hoje. Em termos de balança comercial, ao custo médio de dezembro de 2011, a substituição das importações de gasolina pelo etanol combustível equivaleria a uma economia de divisas da ordem de US$ 13 bilhões em 2011.

Em termos ambientais, os derivados de cana-de-açúcar representam 16% da oferta interna de energia brasileira, uma contribuição que nos permitiu dizer ao mundo que temos uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta (46% da nossa matriz energética é renovável). Além disso, a utilização de etanol combustível, em nosso País, já significou evitar a emissão de quase 1 bilhão de toneladas de CO2 para a atmosfera. Não foi à toa que o Governo Federal se mobilizou e promulgou a Lei 12.490/2011, passando a considerar o etanol um produto energético, regulado e fiscalizado pela ANP desde a sua produção, em vez de um subproduto agrícola.

Em prol da previsibilidade da oferta de etanol, a ANP publicou, em 2011, a Resolução nº 67, que garante o compromisso, por meio de contratos, dos produtores de etanol anidro combustível e das distribuidoras com o suprimento interno e estoques do produto. Com essa resolução e com os contratos já assinados para a safra 2012/2013, garantiu-se o suprimento do produto no início de 2012. E tudo indica que também não teremos problemas com o etanol no início de 2013.  

Certamente, ainda restam desafios a vencer, para que possamos garantir o crescimento da produção e da demanda do etanol, para os próximos 10 anos, nos níveis que o Brasil merece. E o principal deles é a inserção de novas tecnologias. Precisamos melhorar não apenas a produtividade dos canaviais como também o aproveitamento do produto colhido e a movimentação do produto final.

Na exploração e na produção de petróleo cru, foram as novas tecnologias que permitiram a identificação e a produção das jazidas no Pré-sal. Precisamos dar esse salto também no etanol combustível e nos perguntar: qual será o “Pré-sal” do etanol? O principal candidato é o etanol de segunda geração. Mas o que quer que ocorra em benefício do produto, tem que ocorrer rápido, para suprir a demanda de combustíveis do País. Afinal, experiência e desenvolvimento tecnológico com a produção de açúcar e etanol não nos faltam. Até porque cultivamos esse produto há cerca de 500 anos e geramos, com ele, cerca de um quinto de toda a alocação de mão de obra do setor agrícola brasileiro.