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Luciano Rodrigues

Professor de Economia e Métodos Quantitativos na Esalq/USP

Op-AA-67

Na era da energia de baixo carbono
A adaptação às mudanças, sejam elas tecnológicas, institucionais, comportamentais ou de outra natureza, há muito tempo, tem sido fundamental para garantir o sucesso das empresas nos mais diferentes setores da economia. É possível ressaltar inúmeros exemplos de companhias referências em seus segmentos que deixaram de existir por não se ajustarem a essa dinâmica. 
 
No campo energético, uma nova onda de transformação já começou: trata-se da busca por energias de baixo carbono. A necessidade de mitigar os efeitos das mudanças climáticas e as preocupações com o meio ambiente se intensificaram nos últimos anos e passaram a pautar o debate público, as exigências dos consumidores e as ações empresariais. Não se trata de uma discussão científica circunscrita ao meio acadêmico, mas de uma macrotendência sem volta.

Nesse contexto, cabem algumas reflexões acerca do posicionamento da cadeia sucroenergética diante do novo paradigma da energia limpa. Em primeiro lugar, é impressionante como um setor que esteve associado ao início das atividades econômicas no Brasil ainda apresenta enorme potencial para se estabelecer como uma das soluções no combate ao aquecimento global. A consolidação dessas oportunidades, entretanto, passa pela definição de ações prioritárias e pela manutenção de esforços coordenados em toda a cadeia, diante dos desafios que serão impostos por esse movimento mundial. 

Assim, sem ter qualquer pretensão de esgotar o tema a partir de um texto sucinto e objetivo, cabe explorarmos algumas dessas ações e desafios em três vertentes distintas: na produção, no uso da energia e na relação dessa indústria com o mercado financeiro.
 
No âmbito da produção, os desafios da cadeia sucroenergética remetem à necessidade de esforço árduo e consistente para reduzir a disparidade técnica entre as empresas; restabelecer e ampliar a eficiência do sistema produtivo; desenvolver novos produtos energéticos; consolidar arranjos produtivos diferenciados, que exploram as especificidades e matérias-primas locais; e aumentar a eficiência energético-ambiental dos produtos gerados.

No segmento agrícola, esses elementos envolvem, entre outros, o uso de novas variedades e o emprego de ferramentas associadas à digitalização no campo (agricultura 4.0). A consolidação da cana-de-açúcar transgênica e a possiblidade de ruptura tecnológica diante do desenvolvimento da semente artificial também fazem parte desse processo. Não menos importante será o desenvolvimento de usos alternativos para a vinhaça e a produção do biogás e do biometano. Essas são apenas algumas das mudanças vislumbradas no futuro próximo.
 
Nesse ponto, cabe ainda mencionar o estímulo promovido pelo RenovaBio para a ampliação da eficiência energético-ambiental dos produtores. A partir desse momento, a maior eficiência poderá promover reduções de custo e, adicionalmente, permitirá aumento de receita associada à valorização do benefício ambiental gerado pelo biocombustível. Isso porque a dinâmica do RenovaBio estabelece um mecanismo inédito que relaciona a nota de eficiência energético-ambiental do produtor e o número de créditos de descarbonização (CBIOs) que ele pode emitir.

Em linhas gerais, no mundo que será caracterizado pela diversidade de fontes e tecnologias, terão espaço aquelas com menor custo e maior poder de descarbonização. Quando migramos para os desafios no uso da energia produzida pela cadeia sucroenergética, é evidente a preocupação com as mudanças na mobilidade, especialmente no período pós-pandemia, e as inúmeras tecnologias veiculares em desenvolvimento. 
 
A principal diretriz, nesse caso, refere-se à necessidade de consolidação do conceito de eficiência ambiental e energética, considerando o nível de emissão de GEE por quilômetro rodado a partir da análise de ciclo vida (conceito também conhecido por “emissões do berço ao túmulo”). Se a preocupação reside na necessidade de reduzir as emissões de GEE, é natural que essa análise incorpore a avaliação de todo o sistema produtivo e não apenas os gases que saem do escapamento dos veículos. 

Seguindo essa lógica, será inevitável a tendência de eletrificação da frota no longo prazo, pois os motores elétricos possuem maior eficiência energética. Resta saber, contudo, como será gerada a energia elétrica que irá abastecer esses motores, para, de fato, atestarmos a eficiência ambiental das diferentes tecnologias.

Nesse contexto, o País tem uma oportunidade incrível de unir os produtos da bioenergia às novas tecnologias de eletrificação automotiva na construção do conceito de biomobilidade. O etanol poderá ser incorporado nas diferentes rotas de eletrificação, como é o caso dos veículos flex-fuel híbridos e dos veículos com energia gerada a partir de células de combustível com o biocombustível, por exemplo.

Tem-se, portanto, um desafio de alinhamento entre a indústria da bioenergia, o poder público e os demais atores dessa cadeia para diversificar as tecnologias e criar rotas de eletrificação adequadas ao mercado brasileiro, trazendo variedade de opções e menor custo ao consumidor. 

Por fim, na vertente financeira, também começamos a observar novas modalidades de investimentos baseados em critérios de sustentabilidade. Termos como investimentos socialmente responsáveis, análise ASG (avaliação de aspectos ambientais, sociais e de governança), finanças de baixo carbono, finanças do clima, finanças verdes e investimentos sustentáveis já estão integrados ao vocabulário dos profissionais da área.

Esse ambiente pode trazer novas oportunidades para a cadeia sucroenergética. Em 2020, por exemplo, observamos a primeira emissão de título verde por uma empresa produtora de etanol e bioeletricidade. De maneira objetiva, os green bonds podem ser definidos como títulos de dívidas para projetos com impacto positivo do ponto de vista ambiental e social.

Outro elemento de interação entre a cadeia sucroenergética e o mundo das finanças verdes pode se dar a partir do mercado de CBIOs. Em 2020, a comercialização de créditos de descarbonização movimentou cerca de R$ 600 milhões – um valor nada desprezível para o seu primeiro ano de operação.

Para os próximos anos, a cadeia precisa se consolidar como uma opção viável para financiamentos verdes, e o mercado de CBIOs deve ser constantemente aperfeiçoado para atrair novos players e se fortalecer como uma opção importante de mitigação de emissões por investidores e empresas de outros setores. 

Por fim, a cadeia precisa trabalhar na comunicação das suas vantagens, se posicionando de maneira tecnicamente fundamentada e com linguagem apropriada aos diferentes públicos relacionados aos mercados em que atua. Em síntese, os próximos anos serão de muito trabalho para uma indústria que, ao longo de sua história, mostrou, por diversas vezes, capacidade de se reinventar e avançou para muito além do papel tradicional da agricultura como provedora de alimentos.