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Jaime Finguerut

Engenheiro Químico do ITC - Instituto de Tecnologia Canavieira

Op-AA-061

à primeira vista, não parece uma indústria moderna
Uma primeira vista na usina atual, em que pese o seu enorme tamanho e impressionante número de equipamentos e conexões, bem como os ruídos e diferentes temperaturas, cheiros e aspectos dos armazenamentos que encontramos, não parece uma indústria moderna.
 
De fato, ao observar os processos principais, tais como a extração do caldo pelas moendas e a conversão do açúcar em etanol, a fermentação, conseguimos ver nos seus fundamentos algo muito antigo. As moendas são descendentes diretas dos moinhos medievais, originalmente movimentados por água, vento, mão de obra humana ou esforço de animais. A fermentação, por sua vez, descende da fabricação de vinho e cerveja em potes, de que a própria fonte do carboidrato, amido ou açúcar trazia o seu agente da conversão em etanol e CO2.

É evidente que a usina atual, embora carregue essa herança muito antiga, quase nada tem a ver com os trapiches, e, embora os fundamentos fossem os mesmos, a operação atual e, em consequência, os seus equipamentos de processo evoluíram muito.

A usina atual tem processamento contínuo, o que significa a interligação e a sintonia de diversas fabricas dentro da usina, significando também um enorme esforço de manutenção preventiva e corretiva para manter essa operação contínua enquanto dure a safra de cana.

A usina atual é também muito robusta, significando que ela é capaz de absorver, sem grandes variações de eficiência, quantidades e qualidades diferentes de cana, bem como uma faixa bem ampla de produtos (mix de produção), características necessárias de um processamento agroindustrial, muito diferente de uma indústria de processo normal, como os engenheiros e técnicos aprendem na escola, que a matéria-prima tem uma especificação rígida e, se a matéria-prima não se enquadra, é simplesmente recusada.

A usina atual não rejeita matéria-prima e ainda envia todos os seus rejeitos de volta à lavoura, reciclando também toda a água de cana e usando o seu próprio combustível, além de exportar excessos energéticos. Trata-se de um enorme feito tecnológico e ainda, hoje em dia, num ambiente totalmente privado e competitivo, com foco na captura de mercados bastante imperfeitos, pois os concorrentes ainda contam com muita proteção governamental, com subsídios e formação de preços totalmente artificiais.
 
Em termos de processamento industrial, as novidades vêm sendo gradualmente implantadas nos últimos 30 anos, tais como limpeza a seco, aumento na capacidade e na eficiência de extração, com preparos e equipamentos (rolos) mais pesados, a eletrificação do acionamento, rolos melhores, inclusive rolos perfurados permitindo aumento de moagem sem prejuízo na umidade do bagaço.

O sistema termodinâmico de aproveitamento da energia do bagaço vem sendo aprimorado, também para permitir a cogeração e a exportação de eletricidade, com caldeiras de maior pressão, ciclos mais eficientes para uso do vapor como fonte de calor e para conversão em eletricidade, que, como já citado, é mais eficiente do que a movimentação de máquinas com vapor diretamente.
 
No outro processo mais importante da usina (por causar metade das perdas), a fermentação, vemos alguns avanços incrementais, com o uso de leveduras mais apropriadas ao ambiente de produção, operação mais efetiva dos sistemas auxiliares, como resfriamento e centrifugação e recuperação de perdas mais óbvias, como as de etanol nos gases da fermentação.

Embora ainda não implantadas em escala, há tecnologias de aumento de rendimento fermentativo, seja pelo uso de leveduras engenheiradas (modificadas geneticamente) para produzir, por exemplo, menos glicerol, sem perda de performance, seja pelo condicionamento metabólico com o uso de equipamentos específicos instalados nas dornas, que afetam a população de leveduras de várias formas aumentando o poder redutor do meio, otimizando o rendimento. 

Há grande interesse em aumentar o teor alcoólico do vinho gerado, para ganhar nos custos de disposição de vinhaça, otimizar a capacidade dos equipamentos mais caros, como destilação e centrifugação, e ainda reduzir o consumo de vapor na destilação, vapor este que pode ter outros usos. O aumento do teor alcoólico evidentemente pressupõe a existência de matéria-prima (caldo, melaço, xarope) suficientemente concentrada, ou se reduz o uso de água de diluição (do mosto e do pé-de-cuba).

O fermento utilizado no processo tem de resistir a esses mais altos teores alcoólicos, sendo crítico que sistemas auxiliares, como os de resfriamento das dornas, sejam mais efetivos. Também há a necessidade de reduzir estresses desnecessários, como contaminação bacteriana e a deficiência nutricional, bem como prevenir e controlar a floculação.
 
Finalmente, há uma tendência ainda incipiente de aumentar a recuperação energética da cana. Pode-se fazer uma biodigestão de todos os resíduos da usina convertendo-se a matéria orgânica biodegradável em biogás, que pode ser eficientemente coletado e usado para gerar mais energia ou pode ser purificado para substituição de parte do diesel usado pela usina.

Como a nova política de descarbonização da mobilidade no Brasil, o RenovaBio, se baseia na substituição dos fósseis pelos renováveis e como os biocombustíveis que emitam menos carbono serão os mais incentivados, é muito provável que as opções de processo que levem a menos emissões ou que fixam mais carbono no solo sejam gradualmente desenvolvidas em escala e adotadas.

Há ainda outras macrotendências que poderão levar as usinas a serem modificadas para atender-lhes. Por exemplo, além da necessidade de mais energia e com menores emissões (etanol + biogás + outros biocombustíveis), a crescente população e o aumento da afluência da classe média também precisarão de mais fontes de proteína. A produção de carne bovina na forma extensiva, como é feita hoje, não atenderá a essas demandas.

A cana-de-açúcar pode também se integrar com a pecuária intensiva, através da produção de rações completas, seja em rodizio com a cana na área de reforma, seja com a produção de proteína microbiana, usando o açúcar como fonte de carbono, inclusive usando os sais e o nitrogênio que a cana já traz e que podem ser aumentados com a fixação microbiana na lavoura e ainda usando a fibra da cana como parte da ração. Os resíduos da produção de proteína animal podem ser compostos com os resíduos da usina e a palha, com a formulação de um condicionador de solo, com aumento substancial da fertilidade, aumentando a quantidade de água e nutrientes à disposição da planta.

Muito embora hoje vejamos mais o antigo do que o moderno, há, conforme mostramos, sinais da transformação radical que pode vir. O RenovaBio e a consolidação já em curso aumentam a capacidade de investimento, bem como a necessidade urgente de redução da exposição à volatilidade dos preços das commodities, com novos negócios e novos parceiros, deverão promover a real usina moderna. Será necessária a identificação de tecnologias prontas para o escalonamento (radar tecnológico), suporte de engenharia e análise de viabilidade técnica e econômica. Pretendemos ser importantes atores nesse processo de transformação.