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Francisco Antonio Barba Linero

Consultor da FL Consultoria e Engenharia

Op-AA-061

Aproveitamento da biomassa
A capacidade da cana-de-açúcar de produzir e acumular altos níveis de biomassa e de sacarose ao longo de seu desenvolvimento possibilita-lhe ser um destaque como fonte de energia renovável. Atualmente, o Brasil ocupa posição de vanguarda no uso de energias renováveis. De acordo com o relatório síntese do Balanço Energético Nacional (BEN), o País utilizou fontes renováveis para produzir aproximadamente 45% de toda a energia ofertada em 2018, com uma participação significativa da cana-de-açúcar, dentro das renováveis, superior a 38%.

Em comparação, considerando todos os países do planeta, as fontes renováveis respondem por cerca de 14% da oferta total de energia. Somente na geração de eletricidade, a cana-de-açúcar participou com 8,2% da energia elétrica fornecida no Brasil em 2018.
 
Fazendo uma breve avaliação da disponibilidade de biomassa na cana, observa-se que, para cada tonelada de colmo colhido em plantas convencionais adultas, se obtém, em média, 125 kg de fibra seca (componente do bagaço) e 140 kg de folhas e pontas em base seca (denominadas de palha). Até o final do século XX, aproximadamente 50% de todo esse material era eliminado pela prática da queima da cana antes da colheita, sem qualquer aproveitamento energético, agronômico ou econômico. Com as restrições às queimadas, introduzidas por legislações e acordos ambientais, somadas à crescente mecanização da colheita, a quantidade de biomassa disponível aumentou significativamente, gerando oportunidades econômicas em várias frentes.
 
Atualmente, a colheita mecânica da cana crua (sem queima) leva para dentro das indústrias cerca de 25% da palha disponível, o que corresponde a aproximadamente 6% de impurezas vegetais (IV) na carga de cana. Isso se deve às eficiências dos sistemas de limpeza instalados nas colhedoras. 
 
Na indústria, esse material segue para o processo com impactos negativos na capacidade de moagem, na extração de sacarose, na qualidade do caldo e até mesmo na umidade final do bagaço do último terno. Números auferidos por diferentes institutos de pesquisa ao redor do mundo indicam redução da capacidade de moagem entre 2% a 3% e 0,1 ponto percentual de redução na extração para cada 1% de palha como impureza vegetal na carga de cana. 
 
Daí vem a questão: como levar ainda mais biomassa para a indústria, de forma econômica e sustentável, sem impactar negativamente o processo de fabricação, e conseguir gerar excedentes de eletricidade? Atualmente, as duas principais rotas de recolhimento de palha adotadas pelo setor são:
a) Palha solta: material incorporado e transportado junto à carga de cana colhida, e 
b) Enfardamento: enleiramento e compactação da palha “seca” no campo e transporte dos fardos à usina.
 
Para a rota (a), pode-se adotar ou não a implantação de um sistema de limpeza a seco, mas a incorporação de fibra adicional dificulta o processamento de colmos nos equipamentos de extração, conforme já mencionado. Na rota (b), o processamento e o uso da palha, de forma geral, são totalmente independentes do processo de extração de caldo.
 
Alguns estudos feitos no CTC indicam que, mesmo na condição de baixos índices de palha, como impureza vegetal na cana, é conveniente e aconselhável o uso dos sistemas de limpeza a seco (SLS) nas usinas. Esses equipamentos podem proporcionar ganhos na extração de sacarose, na qualidade dos produtos e no aumento da capacidade de processamento em função da eliminação de parte da fibra e demais impurezas indesejáveis logo na recepção da cana, antes dos equipamentos de extração. A palha separada por esse processo, após tratamento adequado, segue para as caldeiras. 
 
O gráfico abaixo representa uma simulação nos ganhos de capacidade de processamento de cana, com a instalação de um sistema de limpeza a seco para uma unidade de 3 milhões de toneladas cana/ano. Considerou-se eficiência de 50% na limpeza, para três diferentes teores de impurezas vegetais (IV) na carga de cana (6%, 8% e 10%), sempre tomando como baseline de comparação a condição de 6% de IV. 
 
Nota-se que o maior ganho de capacidade situa-se na condição de 6% de IV na carga, mas, nesse caso, ainda restariam 75% do total da palha, disponibilizada no campo. Como, então, utilizar os 75% restantes da palha de cana e obter ganhos econômicos com isso? 
 
Segundo estudos agronômicos, para algumas regiões canavieiras, deixar a palha no solo pode trazer ganhos de produtividade agrícola, mantendo umidade e atuando como proteção contra erosão e lixiviação. Em outras regiões, a retirada total da palha é benéfica, evitando proliferação de pragas e facilitando brotação. 
 
Nas áreas onde a retirada total ou parcial da palha não prejudique a produtividade, o sistema de enfardamento da palha (rota b) pode trazer ganhos de rentabilidade para as usinas na geração de excedentes de energia elétrica. A palha é enleirada e enfardada após um período se secagem ao tempo, resultando um material com umidade média de 15% e poder calorífico 70% superior ao bagaço. Essa densidade energética confere ganhos econômicos no transporte, no processamento industrial da palha e na queima nas caldeiras. 
 
Na indústria, é importante o tratamento da palha enfardada visando à granulometria e a índices de impurezas minerais próximas às do bagaço, além de um mix adequado entre bagaço e palha na alimentação das caldeiras. Assim como a determinação das quantidades de palha retiradas do campo, essa mistura não pode ser generalizada.
 
 Outra grande vantagem do enfardamento é que o processo de utilização dos fardos na indústria não interfere no processo de fabricação, garantindo capacidade de processamento de cana e qualidade dos produtos finais. A sinergia entre as áreas agrícola, de transporte e indústria também é muito importante no processo de enfardamento para um bom desempenho econômico.
 
A utilização de 50% da palha atualmente deixada no solo (sempre considerando baseline de 6% de IV na carga) proporcionaria ao setor sucroenergético gerar um adicional superior a 25 TWh/ano de energia elétrica, suficientes para elevar, em 50%, a sua participação na geração de energia elétrica do País (de 8,2% para 12,3%).
 
Espera-se que o RenovaBio, premiando o uso da palha como combustível adicional,  juntamente com a introdução de políticas públicas e privadas (leilões específicos, leilões regionais, financiamento de equipamentos e outras) alavanquem o desenvolvimento e o uso sustentável da palha de cana para que o setor e o País se solidifiquem e avancem ainda mais na oferta de energias renováveis.