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Humberto César Carrara Neto

Diretor Executivo da Usina São João

Op-AA-51

O berço do negócio sucroenergético
O berço do negócio sucroenergético é fundamentalmente agrícola. Os empreendedores precursores dessa cadeia de produção eram, antes de tudo, agricultores que cultivavam cana, e seus descendentes sucessores expandiram e modernizaram seus engenhos. Obviamente, modernizaram-se as relações, novas tecnologias foram descobertas, desenvolvidas e implementadas, os velhos tachos e alambiques se transformaram em modernas e automatizadas indústrias de extração e transformação, mas, essencialmente, “somos agrícola”. A sobrevivência e a perpetuação de uma empresa no setor sucroenergético passa intrinsicamente pela capacidade de gerar matéria-prima, de forma sustentável, em volume e em custos, que suporte e alimente o seu parque industrial.
 
Respaldo-me nos resultados pífios, se não desastrosos, de empresas não tradicionais que “surfaram” no setor trazendo em seus currículos uma sólida visão empresarial, com apuradas técnicas de gestão, acreditando que produzir açúcar, etanol e energia seria implementar um parque industrial no estado da arte e instalar um outdoor na rodovia com os dizeres: “compra-se cana”.

Para entender um pouco dessa gramínea da classe C4, nossa gloriosa cana-de-açúcar, exímia e imbatível transformadora de energia em sacarose, é necessário observar que ela é uma planta perene, ou semiperene, que, plantada no verão, será processada no inverno, 18 meses após o plantio, podendo depois produzir mais 5 ou 6 vezes consecutivas a cada 12 meses.
 
Sua implantação é onerosa – entre R$ 8 e 9 mil por hectare – e,  uma vez implantada, dificilmente é eliminada antes de sua exaustão física e econômica, fidelizando o agricultor que a cultiva. 
 
Sua parte econômica, o colmo, é impossível de ser armazenado e deteriora-se logo após a colheita, o que obriga um processamento just in time de algo com grande volume, já que produz em torno de 100 toneladas de colmo por hectare/ano e uma usina de médio porte, que processa algo de 15 a 20 mil toneladas de cana por dia, durante 6, 7 meses por ano. A forma de multiplicação desse material se reproduz economicamente a partir do plantio do próprio colmo, portanto precisa-se “ter cana para plantar cana”. Assim, deduz-se facilmente que: “não se tem usina se não produzir/gerar a sua matéria-prima”.
 
Por gerar entenda-se criar uma cadeia de suprimentos sólida e sustentável, que assegure o fornecimento “eterno” de matéria-prima para sua planta. E não se consegue uma produção/suprimento assim, sem o largo e sólido domínio da maneira de produzir, sem fomento e sem sustento dessa produção/suprimento. Há ainda que se considerar que essa cadeia de produção nunca foi geradora de grandes margens econômicas. Ela não deixa espaços para erros ou desvios, o que explica os muitos casos de insucessos em terceirizações do segmento agrícola, pois, com margens apertadas, fica impossível repassar partes delas.
 
Um setor muito parecido com o sucroenergético em termos de exploração agroindustrial, mas cuja característica agrícola o coloca em outro nível de estrutura e infraestrutura, é o de papel e celulose. Igualmente ao sucroalcooleiro, ele precisa produzir/gerar sua matéria-prima, explorando grandes extensões de áreas, já que sua taxa de produção é da ordem de 50 toneladas por hectare/ano.

Porém uma industria de médio porte processa de 8 a 10 mil toneladas de madeira por dia, durante 12 meses, podendo estocar  matéria-prima para até 30 dias de produção, com um detalhe: sua matéria-prima tem concentração de 30% a 35% de ingrediente econômico (celulose), enquanto a cana-de-açúcar tem 13% a 15% de ingrediente (sacarose).
 
Percebam o diferente nível e tamanho de estrutura que os setores demandam e suportam? Na área agrícola do setor sucroenergético, devido às particularidades e especificidades discorridas acima, via de regra, é muito horizontalizada, ou seja, quem processa/produz precisa dominar, executar e deter conhecimento sobre, senão todos, a maioria dos processos de produção.

Melhor exemplificando, operar em dezenas de milhares de hectares com volumes de também de dezenas de milhares de toneladas a cada 24 horas, exige prover uma estrutura operacional parruda, que, por sua vez, precisa de um suporte razoável de manutenção e assistência. Processos agrícolas distintos, que ocorrem em tempos distintos, por exemplo, colheita e plantio, exigem equipes multidisciplinares e multifuncionais. Essas particularidades, e com produtos gerando margens apertadas, inviabilizam a terceirização e forçam a horizontalidade dos meios de produção.
 


Apesar de o setor contar com cadeias de suprimento de cana solidamente estruturadas, através dos fornecedores de cana, a unidade processadora não pode abandonar suas origens agrícolas e não conhecer e dominar os processos de produção de matéria-prima, pois pode facilmente perder e/ou desgastar terrivelmente sua fonte de suprimento. A estrutura agrícola de uma empresa do setor sucroenergético deve preservar duas premissas básicas e por elas fundamentar sua gestão: a visão agronômica e a visão mecânica.
 
A visão agronômica: Temos, no setor, uma diversidade de processos (rebaixamento de entrelinhas, aplicação de herbicidas, colheita, etc.) realizados em épocas distintas, que devem obedecer a um cronograma agronômico, ou seja, não adianta plantar em abril, como não se rebaixa entrelinha em cana alta. Temos que considerar, para o sucesso da produção e dos custos, que operações agrícolas são dependentes de mais fatores do que os meramente operacionais e que ocorrem “janelas de tempo” nas quais os sistemas solo-planta-clima são ideais para realização da operação, e realizá-las fora destas compromete ou inviabiliza a mesma e reflete diretamente nos custos.

Portanto realizar um dimensionamento dessa estrutura como se faz com betoneiras numa obra de construção civil, que podem operar 365 dias por ano, é um erro comum no setor, especialmente quando se está pressionado pela capacidade de investimento. Sob a mesma ótica, exigir de um prestador de serviços uma estrutura física que suporte a operação na “janela agronômica” implicará assumir custos de ociosidade operacional. 
 
A tarefa de aproveitar “janelas agronômicas” reflete também na área de estrutura de Recursos Humanos, pois uma forma de mitigar o efeito super-estrutura = custos altos é a capacitação da mão de obra multifuncional, pois, uma vez que há um certo sincronismo de operações, uma mesma equipe pode, se bem capacitada, operar em dois processos.
 
A visão mecânica: é muito comum, nessa área, recorrer-se a conceitos e a parâmetros de dimensionamento da indústria automotiva e da sua rede de concessionárias. Eis aí outra armadilha, pois os objetivos são distintos. Precisamos, aqui, ter uma abordagem econômica, sem turvar a visão agronômica, focando em objetivos claros de disponibilidade da frota quando se abre a “janela agronômica”, e isso pode significar, em algum momento, o mecânico parado, a oficina vazia, mas a frota operando com alta disponibilidade e eficiência, cena temida pela concessionária, que, certamente, gostaria de uma fila de agendamento para atendimento, sua oficina repleta e o mecânico com 100% de ocupação. Certamente, para um mecânico comissionado, o que interessa é substituir e vender a maior quantidade de peças possíveis.
 
Uma estrutura de apoio e de suporte logístico do setor deve preconizar o equipamento em operação, e o profissional de manutenção, alinhado com os resultados, deve ser, além de um exímio “trocador de peças”, um eficaz investigador de causas de falhas, pois, uma vez eliminando-a, a frota opera, ele fica parado, a oficina fica vazia e a empresa gera resultado. A prioridade deve ser a prevenção, e não a correção; a “vacinação”, e não o “tratamento”.
 
Visão mecânica e visão agronômica na estruturação da área agrícola de forma alguma deve definir áreas estanques, compartimentadas e feudais, defendendo cada uma seus interesses individuais, que podem ser conflitantes. Interação, conhecimento recíproco, comunicação, trabalho em equipe, visão de resultado global, se não aplicados na plenitude, levarão a fracassos e falhas no dimensionamento de estruturas.
 
Entendo, então, que o modus operandi, a extensão de áreas, a necessidade de se garantir uma produção agrícola sazonal, influenciados por uma cadeia de geração de margens reduzidas, levam incondicionalmente a uma horizontalização de processos e de conhecimento, com estruturas de altos valores em ativos.
 
A maneira de se operar essa estrutura, a maximização de produção e de produtividade e a multifuncionalidade do quadro de mão de obra serão os pontos determinantes de quem sobreviverá e de quem sucumbirá no segmento.