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Adriano Santhiago de Oliveira

Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do MMA

Op-AA-14

O etanol no contexto da mudança climática mundial

Ao falarmos sobre a relação do setor sucroalcooleiro com o meio ambiente, tenho como proposta de reflexão, uma discussão sobre o etanol, no contexto da mudança global do clima, os eventuais impactos positivos do uso de biocombustíveis e a contribuição que o Brasil pode dar ao mundo, em termos de redução de emissões.

Os biocombustíveis apresentam uma grande competitividade no mundo atual, por questões de segurança energética e razões econômicas. Cito, como exemplo, a alta dos preços do petróleo, em função do aumento do consumo, a instabilidade política nas regiões produtoras e escassez progressiva dos combustíveis fósseis. A outra razão de competitividade para os biocombustíveis é a ambiental, principalmente no que se refere à mitigação das mudanças climáticas, na redução de gases de efeito estufa. No entanto, ainda hoje, são contados alguns gargalos. A redução de custos, por exemplo, ainda é necessária, para que os biocombustíveis sejam competitivos com o petróleo e com os combustíveis fósseis e, no que se refere à redução de gases de efeito estufa, ela depende muito do modo de produção. O Brasil apresenta uma vantagem competitiva enorme. No quadro Custo de Produção por Matéria-Prima, podemos fazer uma comparação bastante ilustrativa, sobre os custos de produção do etanol e do biodiesel, a partir de várias matérias-primas. Destaca-se que o Brasil apresenta-se como o único país com a possibilidade de ter os custos do etanol competitivo, com preços do barril de petróleo abaixo de 40 ou 50 dólares.

Há uma grande tendência de redução de custos para todos esses recursos usados na produção de etanol. Na última coluna, destaco a utilização da via celulósica, os biocombustíveis de segunda geração e, tomando como base o ano de 2005, os custos ainda são muito altos, com uma possível redução, próxima do ano de 2030, porém, ainda assim, o etanol da cana-de-açúcar continua sendo competitivo.

O quadro Custo de Produção por Região, faz uma comparação dos custos de produção de etanol, obtidos nas principais regiões produtoras. O Brasil apresenta um custo de US$ 0,30, por Litro Equivalente de Gasolina, LEG, em comparação com produções dos Estados Unidos e da Europa. Destaco que estes custos estão distorcidos por subsídios aos setores agrícola e de etanol, tanto na Europa como nos Estados Unidos.


O quadro traz também o exemplo de custos para o etanol de segunda geração, via celulósica, por hidrólise enzimática ou por gaseificação, e um exemplo de uma planta em escala comercial, em construção nos Estados Unidos e outras planejadas na Europa, onde observamos que os custos ainda são muito altos, na casa de US$ 1,00 por LEG.

Hoje, vemos uma grande discussão, em termos ambientais, sobre a via tecnológica, aproveitando o etanol de celulose. Porém, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, IPCC, aponta para a necessidade de muita pesquisa. O IPCC menciona que os custos para este tipo de tecnologia devem ser reduzidos de forma significativa, mas dentro de uma ou duas décadas.

Já o etanol de lignocelulose, tem sido pesquisado por mais de 3 décadas, mas apresenta um pequeno sucesso comercial e há ainda pouca certeza sobre o tempo que essa tecnologia apresentará viabilidade técnica e econômica. O IPCC também aponta que poucas Unidades experimentais de conversão celulósica estão em construção nos Estados Unidos, mas ainda são necessários consideráveis investimentos em P&D, para tornar o processo comercial.

Em 2030, haverá uma possibilidade de redução de emissões da ordem de 500 milhões, até 1,2 bilhão de toneladas de CO2, com a possibilidade dessa redução contar, entre 100 e 300 milhões de toneladas, com a via lignocelulósica, ou seja, 400 milhões de toneladas. Novecentos milhões de toneladas viriam das reduções dos biocombustíveis tradicionais. As emissões brasileiras de dióxido de carbono, em 1994, são da ordem de 1 bilhão de toneladas de CO2, ou seja, o potencial de mitigação do etanol no mundo, em 2030, equivaleria a uma redução de emissões de um Brasil inteiro, em 94. No Quadro sobre Emissões de GEE, apresentamos dados de redução de emissões de gases de efeito estufa.

No primeiro grupo, é considerado o etanol proveniente dos grãos, nos Estados Unidos e na Europa, onde as reduções seriam da ordem de 25%. No segundo, a redução de etanol, proveniente de beterraba, com algo em torno de 50%. No terceiro, temos o Brasil com a cultura de cana-de-açúcar, destacando-se, mais uma vez, com uma possibilidade de redução de emissões de gases de efeito estufa de cerca de 90%.


Saliento que, no uso dos biocombustíveis, o balanço é considerado zero, porque o CO2 emitido na queima é reabsorvido no processo de fotossíntese, analisando a cadeia produtiva como um todo. A redução depende muito da energia consumida no próprio processo de conversão, na energia para fabricação de fertilizantes, nas emissões dos próprios fertilizantes, na energia gasta na água, enfim, todas as considerações possíveis para se calcular a redução de emissões da utilização do processo produtivo do etanol.

O IPCC destaca também, ainda na linha de potencial de mitigação, que há uma possibilidade dos biocombustíveis, sendo utilizados como substitutos dos aditivos da gasolina, representarem cerca de 3% da demanda energética do setor de transporte, em 2030. Atualmente, essa participação é de 1% e com grande espaço para uma participação entre 5 e 10%, dependendo das variáveis apontadas, como preços futuros do petróleo, preço do carbono, melhoria da eficiência de veículos e o sucesso das tecnologias utilizadoras de celulose.


Qual é o papel do Brasil neste cenário? Sempre ouvimos que as emissões brasileiras, em termos de dióxido de carbono, são de 75%, provenientes do uso da terra e, cerca de 25%, do setor industrial e energético. Fizemos alguns exercícios no Ministério de Meio Ambiente, para vermos essas contribuições em termos de CO2 equivalente, ou seja, considerando todos os gases de efeito estufa, conforme ilustra o quadro sobre Emissões de CO2 no Brasil, baseado no Primeiro Inventário Brasileiro de Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa, não controladas pelo Protocolo de Montreal.

O setor de mudança no uso do solo continua com a participação principal, mas cai para 55%. Em segundo lugar, o setor agropecuário, onde a cultura da cana-de-açúcar está inserida, tem participação de 25% nas emissões, e só em terceiro lugar aparece o setor de energia, com 16%. Outro potente gás de efeito estufa é o dióxido nitroso, N2O.
O poder de aquecimento global dele é de 310, o que significa que uma molécula de dióxido nitroso equivale à emissão de 310 moléculas de dióxido de carbono.

A grande contribuição desse gás é de animais em pastagem, mas outros usos também são destacados. Por exemplo, utilização de fertilizante sintético, fixação biológica de nitrogênio, resíduos agrícolas, contribuindo com uma quantidade de emissões consideráveis e o setor de cana-de-açúcar entra com grande importância nessas emissões.

Outra fonte de emissões seria a queima de resíduos agrícolas onde, mais uma vez, o setor de cana-de-açúcar tem importância considerável. Devemos destacar que no processo de queima também há uma redução do CO2, pelo processo de fotossíntese, mas ainda restam outros gases em processo de queima, que devem ser considerados.

Em termos de CO2, o balanço é zero, mas nós temos emissões, tanto de metano, como de dióxido nitroso, proveniente da queima de resíduos agrícolas. Temos dois setores que se destacam nessas emissões, o da cana-de-açúcar, de forma significativa, e do algodão herbáceo. Nós temos esses gargalos, mas existe um grande potencial de mitigação das mudanças climáticas, por meio do etanol.

Por exemplo, de cada 1 milhão de hectares a mais de área plantada pela cultura de cana-de-açúcar, significariam emissões de N2O, dióxido nitroso, e CH4, metano, da ordem de 2,50 Tg (teragrama) de CO2. Em comparação com a colheita crua, essas emissões são 5 vezes menores, ou seja, 0,53 Tg. Temos um grande espaço para reduzir, ainda mais, as nossas emissões no setor, no que diz respeito à queima.


O setor sucroalcooleiro merece uma abordagem especial de como a cultura vai reagir às mudanças climáticas, pensando como uma via de mão dupla, tanto nas emissões, como nos impactos. O rendimento médio de cana-de-açúcar no Sudeste é de 84 toneladas por hectare, no Nordeste de 54 toneladas por hectare, com uma média nacional de 74 toneladas por hectare.

Na região de São Paulo, temos usinas mais eficientes e já poderíamos falar de rendimento na ordem de 100 a 110 toneladas por hectare. Nesse momento, chegamos ao ponto importante do zoneamento das condições climáticas e das condições de solo, tanto na área de mitigação, para termos a possibilidade de reduzir mais os gases de efeito estufa, como também na área de adaptação.

Com relação ao potencial de mitigação do etanol no Brasil, o CO2 reduzido, quando substituído na gasolina, tem uma redução da ordem de 2,71 toneladas de CO2, por m³ de etanol, mas considerando as emissões do setor produtivo, devemos trabalhar com um total líquido de, aproximadamente, 2,5 toneladas de CO2, emitidas por m³ de etanol. Outra oportunidade de mitigação nas emissões do setor são os projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, MDL.

Destaco que, dentro dos 50 projetos aprovados na CIMGC - Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, responsável pela aprovação nacional dos projetos, 27 são da área de cogeração, com bagaço de cana, que tem um potencial enorme para o mecanismo de desenvolvimento limpo. Isso representa cerca de 54% dos projetos de biomassa e 17% do total dos projetos aprovados na Comissão.


O IPCC mostra que o impacto da mudança climática na utilização de culturas de biocombustíveis ainda não está muito bem estabelecido. Atualmente, sabemos que a agricultura representa 10% no PIB da América Latina e que estudos envolvendo o Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e México, apontam decréscimo na produção de várias culturas, como milho, trigo e cevada, mesmo quando são considerados os efeitos diretos da fertilização com CO2 e medidas moderadas de adaptação.

De toda forma, para uma avaliação mais apurada, é necessário estimular estudos de impacto de mudança do clima sobre o setor sucroalcooleiro. Outro impacto é a demanda por água para irrigação, que vai aumentar a densidade de clima mais quente, ocasionando uma competição com o uso agrícola, doméstico e industrial. Já no setor de cana, não temos este problema, porque não há necessidade de irrigação. O IPCC traz, ainda, como impacto de mudança do clima na cultura de cana-de-açúcar, que, no Sudeste brasileiro, o suprimento de água futuro para a agricultura, provavelmente, será pleno.

Há também, como projeção, um aumento considerável de chuvas no Sudeste. No que se refere à mudança do clima, os setores devem pensar nos impactos negativos, que, já se sabe, serão muito maiores do que os impactos positivos, mas não se pode deixar de lado, pelo conhecimento antecipado, as possibilidades de um maior aproveitamento dos impactos positivos.