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Julio Maria M. Borges

Professor do Dpto de Economia da FEA-USP e SÓcio-Diretor da Job Economia

Op-AA-54

Viabilidade ambiental, social e econômica
Um pouco de história:
O Proálcool I – 1975/1980: A criação do Programa Nacional do Álcool – Proálcool, 1975, ocorreu por razões estratégicas, depois do primeiro choque do petróleo. Nessa ocasião foi iniciada a mistura de 10% de etanol anidro na gasolina. Atualmente a mistura é de 27%. Esse tipo de programa tem sido praticado também por alguns países, dos quais destacam-se os EUA, com etanol de milho e mistura de 10%, podendo ir a 15%.

Atualmente, representam cerca de 60% da produção mundial. O Brasil, com etanol de cana, mistura de 27% e ainda com o carro flex, representa cerca de 25% da produção mundial e, a União Europeia, 5%. O etanol carburante, quarenta e quatro anos depois do primeiro choque do petróleo, ainda não é uma commodity global, conforme demonstra nossa pauta de exportações do produto. 
 
O Proálcool II – 1980/1999: O segundo movimento estratégico, como reforço à produção e uso do etanol combustível, ocorreu no início dos anos 1980, depois do segundo choque do petróleo, movimento este que teve um final no início da década de 1990, quando faltou produção de etanol para abastecer a frota existente de carros a álcool. O petróleo WTI estava com preço em torno de US$ 3/barril até 1973. 
 
Depois do primeiro choque do petróleo, teve seu preço médio anual aumentado para a faixa de 10-15 US$/barril durante o restante da década de 1970. Já no segundo choque do petróleo, no início dos anos 1980, o preço do produto foi para a faixa de US$ 40/barril. 
O Brasil deparou-se então com uma situação de stress econômico e energético, pois nossa dependência de petróleo importado era da ordem de 80% e o Balanço de Pagamentos e dívida externa deterioraram muito desde o primeiro choque do petróleo.       
 
O boom das commodities – 2000/2008: O terceiro movimento ocorreu na década passada quando o petróleo atingiu US$ 140/barril e as commodities, de forma geral, estavam com preços muito altos, gerando inclusive uma polêmica entre competição de alimentos com energia. Naquela ocasião o uso da terra para a produção de etanol tornou-se um vilão global. 
 
Os resultados obtidos e o learning by doing: 
Além da ajuda relevante no abastecimento de combustíveis líquidos e na poupança de divisas de importação de petróleo e derivados, o Proálcool gerou uma expressiva redução de custos reais de produção – corrigidos da inflação – da ordem de 57% no período de 1973-1999. Isso ocorreu graças ao esforço do Centro de Tecnologia da Copersucar que investiu no desenvolvimento de tecnologia para aumentar a eficiência técnica e econômica da lavoura e da indústria.

Vale citar, nesse período, a ação complementar de órgãos de P&D dos Governos Federal e Estadual, como Planalsucar e Instituto Agronômico de Campinas. Essa redução de custos, se não foi suficiente para compensar a redução dos preços de petróleo de US$ 40/barril para US$ 11/barril (73% de queda), permitiu promover o açúcar brasileiro como o mais competitivo do mundo, com consequências positivas e duradouras para o negócio. 
    
Foram criadas na década de 1980 as destilarias autônomas, que só produziam etanol. É dessa época também a criação do carro a álcool. Tudo isso visando criar um mercado cativo para o etanol combustível. E esse mercado foi criado com controle de preços da gasolina e etanol pelo Governo Federal e com investimentos incentivados para o produtor. A produção de etanol partiu de 0,6 bilhão em 1975, para 15 bilhões de litros na década de 1990. O terceiro movimento favorável ao etanol combustível, que ocorreu durante o boom das commodities da década passada, permitiu que a produção brasileira de etanol passasse, então, dos 15 bilhões de litros para 30 bilhões de litros em 2015/16.
 
A introdução do carro flex nesse período foi um avanço importante, pois criou flexibilidade à produção e evitou o desabastecimento verificado no início dos anos 1990. Deve-se destacar também que a cogeração de energia elétrica nas usinas foi um destaque dessa fase, condição que veio para ficar. Tal como ocorreu na década de 1980, os preços do petróleo sofreram queda forte depois do pico de preços de 2008. Em Junho/2008 o preço do petróleo WTI alcançou US$ 140/barril . Em Janeiro/2016 o seu preço foi de US$ 33/barril. Atualmente está pouco acima de US$ 50/barril.
 
Quanto aos custos de produção do etanol, aconteceu o inverso do que observamos na fase do Proálcool, quando os custos, em moeda constante, reduziram 57%. Nesse terceiro movimento, os custos reais aumentaram cerca de 27% no período 2000-2016, prejudicando nossa competitividade no açúcar e etanol. 
 
Entre outros motivos, os custos aumentaram porque foram utilizadas áreas mais distantes dos centros consumidores – nas chamadas fronteiras agrícolas  –, com piores condições edafoclimáticas para a lavoura de cana e o preço pago pelo uso da terra foi além do permitido pelo negócio. A mecanização da lavoura trouxe desafios novos para a lavoura de cana, mas não necessariamente elevou custos. Além disso, os investimentos na indústria não respeitaram a regra de eficiência econômica. A má qualidade da gestão foi observada com frequência. Ou seja, o efeito escala de produção não necessariamente ocorre em benefício de custos menores.
 
E por que faltou etanol no início dos anos 1990? Porque o preço do petróleo reduziu-se de US$ 40/barril para US$ 11/barril a partir da segunda metade da década de 1980. O etanol ficou caro comparado aos preços internacionais do petróleo e gasolina e o Programa ficou politicamente inviabilizado. A opinião pública e os especialistas em energia e políticas públicas criticavam o Programa e o Governo. Este ficou sem condições políticas de praticar preços adequados ao etanol, que remunerassem adequadamente os custos de produção e estimulassem o plantio de cana. 
 
Por outro lado, a liberação dos preços do açúcar, que passaram a ser sem controle do Governo no início dos anos 1990, criou um forte atrativo econômico para a produção de açúcar em detrimento da produção de etanol. As destilarias autônomas transformaram-se em usinas mistas: produtores de açúcar e etanol. A produção de etanol deixou de crescer conforme a necessidade da demanda. Não existiu garantia de abastecimento com flexibilidade na produção e rigidez no consumo. 
 
A situação atual:  
A produção e uso do etanol combustível no Brasil não tem sido um negócio sustentável. Na segunda metade da década passada, foram instaladas cerca de 100 novas destilarias no País. Por outro lado, cerca de 3/5 desse total estão em recuperação judicial ou falidas. Hoje em dia, as razões estratégicas e econômicas que justificaram investimentos no setor perderam a importância.

A dependência do Brasil do petróleo importado é relativamente baixa, a oferta global de petróleo é abundante e nosso Balanço de Pagamentos está numa situação muito confortável. Cabe lembrar ainda que a tecnologia tem-se encarregado de tornar elástico o conceito de recurso finito, argumento que se usou com frequência após o segundo choque do petróleo. Atualmente o etanol combustível não é um negócio viável no longo prazo com preço de petróleo abaixo de US$ 85/barril.
 
Como fica então, o RenovaBio? 
A proposta do RenovaBio justifica-se sob os aspectos ambiental e social. Trata-se do quarto movimento a ocorrer no setor para promover a produção e uso do etanol combustível. A competição é um desafio a ser enfrentado. Os compromissos da COP 21 poderão ser cumpridos com o uso de diversas fontes de energia, todas com grande potencial de crescimento: gás natural, energia eólica, solar, biocombustíveis de diversas matérias-primas.

Além disso, a eficiência energética terá papel relevante no atendimento dos compromissos da COP 21, seja na indústria automobilística, na geração e distribuição de energia elétrica ou no transporte compartilhado, por exemplo. Os custos de produção das alternativas de fontes de energia vêm caindo sistematicamente. A cana-de-açúcar no Brasil precisa seguir na mesma direção.

Tudo indica que a escolha do portfólio para atendimento dos compromissos da COP 21 será aquele de menor custo para a sociedade, até porque ainda não existe, atualmente, boa vontade global para pagar qualquer prêmio pela externalidade positiva gerada pelo uso de alternativas energéticas de maior custo e menos poluentes. Como aumentar a chance de o RenovaBio ser um programa vitorioso e sair da condição tão brasileira de “voo de galinha”? 

Como mostra a história recente do etanol combustível no Brasil, uma salvaguarda disponível contra as incertezas do que pode acontecer no futuro é um Programa de Redução de Custos, que seja um compromisso do setor com a sociedade, visando dar sustentabilidade ao RenovaBio. 
 
Esse programa seria bancado pelo Governo e players do setor, com recursos adequados à P&D e transferência de tecnologia. Se a gestão desse programa for profissional e voltada efetivamente para resultados, a chance de sucesso do RenovaBio será expressiva.