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Paulo Adalberto Zanetti

Presidente da Vale do Ivaí - Açúcar & Álcool

Op-AA-14

O meio ambiente sob a ótica do setor sucroalcooleiro

Para expor a minha opinião a respeito da relação do setor sucroalcooleiro com o meio ambiente, sob a ótica das empresas e das pessoas que administram o dia-a-dia da área e gerenciam seu crescimento e desenvolvimento, para ser objetivo, prefiro fazê-lo subdividindo a pauta em alguns segmentos. Começo destacando o relacionamento com os organismos do Estado, com os quais mantemos o contato direto, principalmente os órgãos reguladores e fiscalizadores.

Constatamos que estes técnicos têm uma real falta de conhecimento, não da legislação específica, que determina as regras para o setor, mas de como é, de fato, o processo de produção da cana e da industrialização dessa matéria-prima. Temos poucos profissionais operando nesta área, que sejam especialistas no setor, que conhecem como é este processo.

Agrava-se o assunto, quando nos deparamos com as diferentes interpretações pessoais das leis municipais, estaduais e federais, relacionadas com o meio ambiente. É comum vermos divergências de entendimento, por parte destes técnicos, entre os Estados, a respeito de leis federais, de regiões do Estado, a respeito de leis estaduais, chegando ao limite de presenciarmos diferentes entendimentos, dentro do próprio núcleo de fiscalização.

Existe um alto grau de burocracia e falta de comprometimento com os prazos, gerando seríssimos problemas para o desenvolvimento dos nossos programas, quer envolvendo novos projetos, quer a ampliação dos existentes. Embora tenhamos realizado acordos, envolvendo nossas instituições, negociados e firmados com base em mútuo comprometimento, definindo políticas e procedimentos e ações específicas, estes não chegam até a base operacional.

De fato, o sistema de fiscalização e de gerenciamento do meio ambiente não dá uma seqüência aos entendimentos realizados, não viabilizando o que foi acordado. De nada adianta os presidentes de nossas instituições sentarem-se com os Secretários de Estado, se o acordo não é respeitado em sua base de operação. Sentimos grande dificuldade no relacionamento e trato com estes profissionais, no que se refere ao entendimento e à implantação das políticas definidas em escala macro.

O que impera é um real medo do Ministério Público. Uma dúvida ou pequena insegurança a respeito de algum quesito fora de padrão, por pequeno que seja, é suficiente para não agirem, fazendo os projetos arrastarem-se por longo tempo. Na relação normal de uma sociedade aprendemos que, por princípio, as pessoas e as empresas são boas, honestas e estão imbuídas do melhor, mas quando nos deparamos com o meio ambiente, é preciso, primeiro, provar que se é bom.

Os procedimentos são invertidos. Primeiro você tem que provar que não é bandido. Se alguém peca, tem que pagar pelo seu pecado. Mas, se não pecar, por que ser tratado como um pecador? O assunto meio ambiente suscita diferentes interpretações dentro da própria comunidade. Agentes da sociedade, da mesma região ou cidade, apresentam diferentes e, às vezes, antagônicas opiniões a respeito da mesma questão.

O empresário do setor fica no fio da navalha, por exemplo, no tema queima de cana. Sabemos que a forma de se evitar a queima da cana é a utilização da mecanização da colheita, mas esta opção significa menos utilização de mão-de-obra e, por conseguinte, o desemprego. Neste assunto, temos na mesma comunidade da região na qual as empresas atuam, de um lado, pessoas e lideranças que são contra a queima, como os professores, as ONGs, alguns políticos, a imprensa e, do outro lado, aqueles que são a favor de que se queime, porque desejam a manutenção do emprego naquela localidade, como os prefeitos, os vereadores, os presidentes dos sindicatos. Na mesma comunidade, o empresário pode ser elogiado ou criticado, pela mesma ação.

Constatamos que a opinião a respeito da queima ou da colheita da cana está intimamente ligada à forma como a região foi colonizada. Por exemplo, em algumas regiões dos estados do Paraná e de São Paulo, a colonização foi baseada na cultura do café, que exige intensa aplicação de mão-de-obra. Quando o café foi substituído pela soja ou por uma cultura anual, que utiliza uma mão-de-obra menos intensiva, o homem, anteriormente ali radicado, foi expulso para os grandes centros ou para as margens das rodovias.

Analisando dados de um censo recente que tivemos no Paraná, notamos que o estado passou de 9.564.000, para 10.155.000 habitantes. Isso significa um crescimento populacional na ordem de 6%, de 2000 para 2006. A região do Vale do Rio Ivaí compreende 11 pequenos municípios, em um dos quais se localiza a Usina Vale do Ivaí. No passado, a cultura dominante nesta região era a do café, substituída depois pelo algodão e hoje, em sua maioria, a cultura predominante é a da cana-de-açúcar.

Analisando esta região, observamos que esses municípios tiveram um decréscimo de 11,6% da população. Já, especificamente, na cidade onde está a usina, tivemos um aumento populacional de 1,1%. Avaliando outras regiões, observamos que, de modo geral, as cidades de médio e grande porte incharam.

A região metropolitana de Curitiba, por exemplo, teve um aumento de 28% no tamanho de sua população, em 6 anos. Há aqui uma constatação importante, onde, mais uma vez, se vê que a solução para os grandes problemas do nosso país, como fome, segurança e marginalidade, é a agroindustrialização da matéria-prima da agricultura no interior. Ela é a grande fomentadora para uma melhor qualidade de vida. Atividades de tecnologia intensa e alta mecanização têm o inconveniente de expulsar o homem dessas regiões. Nossa preocupação, no Paraná e em muitas regiões, é como ocupar as pessoas que hoje trabalham na colheita da cana.

O país precisa crescer para absorver essa mão-de-obra ou trazer outras atividades regionais. Eu duvido que algum empresário trabalhe com a expectativa de que, amanhã, o filho do cortador de cana será cortador de cana também. Nós não trabalhamos com esta hipótese, nós lutamos para que seja o contrário, investimos na área social, na educação e acreditamos que o país vai se desenvolver e absorver melhor essa mão-de-obra. O corte da cana não é um trabalho diferente de uma capina, de uma construção civil, de uma picareta, de uma foice. Quem já foi agricultor sabe disso.

Quando a gente pensa em mecanizar a colheita em uma região, como o norte do Paraná, ou onde tenha esse tipo de cenário e população, ficamos assustados. Uma colheitadeira de cana chega a substituir 180 homens e essa decisão é radical, porque não temos, ainda, uma tecnologia de colheita intermediária, ou seja, ou você queima e põe o podão, ou você entra com a máquina e dispensa essas pessoas.

A instalação de uma usina é um empreendimento de longuíssimo prazo. Nós construímos uma empresa desta, para várias gerações. É realmente grande o nosso interesse em relação à comunidade, na preservação do meio ambiente e de todos os recursos naturais. Não dá para conceber o empresário agindo de forma extrativista em um negócio que ele pretende ter para toda a vida, para seus filhos. Não é lúcido pensar em afetar a comunidade e a sociedade na e da qual se vive.

Um outro tema, um pouco polêmico, que precisamos tratar de forma mais frontal, é a questão da vinhaça, que hoje é utilizada, basicamente, como fertirrigação nas lavouras de cana. A primeira dificuldade com a vinhaça é que temos várias correntes, vários pensamentos na linha técnica e precisamos uniformizar esse conhecimento sobre as conseqüências positivas e negativas da utilização da vinhaça como fertirrigação.

O Paraná, através da Alcopar, contratou a universidade e institutos do estado, para que se faça um trabalho mais técnico a respeito desse assunto, para que consigamos harmonizar todas as correntes e, de fato, entendamos o que acontece com a vinhaça, em nossos canaviais. Porém, a tendência é que esse resíduo da fabricação do álcool, nessas regiões de solos mais fracos, de boa topografia, falando basicamente do Centro-oeste, tenha aplicação na fertirrigação.

Há uma necessidade de se melhorar a qualidade destes solos e tornar os campos mais produtivos. Nas regiões onde temos problemas de topografia ou uma distribuição melhor de chuvas, a tendência é utilizarmos a vinhaça para a produção de gás metano e fertilizantes – basicamente o potássio, através da aplicação de tecnologias específicas. Acho que um grande passo que o setor já está dando é no sentido de impermeabilizar as suas lagoas e depósitos.

Esse já é um avanço bastante importante, porque isso nos incomoda dentro do processo. Falando agora sobre a Certificação do Álcool, entendo que ela é muito bem-vinda, entretanto, precisamos fazer, antecipadamente, algum dever de casa. Coloco como primeira sugestão a formação de um corpo técnico de governo, especializado nos assuntos ligados ao nosso setor. Não é possível trabalhar com indivíduos que tenham diferentes formações, conceitos e interpretações.

Penso que se faz necessário estabelecer, em cada estado produtor, um grupo ou um comitê de profissionais que, de fato, entenda o processo de produção do açúcar e do álcool. Como segunda sugestão, destaco a necessidade da realização de um bom trabalho de regionalização para a produção agrícola e industrial da cana. Ganharíamos tempo e evitaríamos perda de trabalho e desperdícios, de modo geral, se soubéssemos já, de antemão, onde poderíamos ampliar as unidades existentes ou construir outras novas.

Acima de tudo, penso que deveríamos criar um programa, em escala nacional, visando essa Certificação. Este programa deve contemplar todos os produtores e respeitar suas condições atuais de operação. Muitos produtores estão em solos de alto declive, com inviabilidade de implantação da colheita mecânica, e ressalte-se que suas empresas estão lá há trinta ou cinqüenta anos.

Outros produtores estão entrando hoje em uma região de boa topografia, com condições perfeitas para o estabelecimento de uma colheita mecânica. Ambos têm condições, cenários e realidades completamente diferentes. Não podemos colocar todos embaixo das mesmas condições e regras. As realidades e recursos são diferentes. Precisamos criar regras que considerem isto, para que cada um tenha condições de, ao longo do tempo, se adaptar e estar apto a produzir e exportar seus produtos e ser tratado de igual forma e condições de competição no mercado.

Destaco ainda que esta certificação deve ser discutida também no âmbito internacional, junto com os demais países produtores de álcool. O Brasil lidera esse processo, mas não precisa ser o herói. Ele pode e deve ajudar muito, mas toda essa Certificação, essa padronização de conceitos na produção de etanol, a partir de cana, de milho, de cereais, deve ser construída, em sintonia com todos os países envolvidos no assunto.