Me chame no WhatsApp Agora!

Manoel Regis Lima Verde Leal

Diretor Nacional do Projeto SUCRE Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR/CNPEM)

Op-AA-63

O que falta melhorar?
O setor de cana-de-açúcar no Brasil, considerando sua evolução desde o início do Século XX, encontrou cedo uma forma de diversificação e melhor aproveitamento da matéria-prima: o etanol. Seu uso como combustível automotivo foi reforçado com testes e desenvolvimentos nos anos 1920, levando o Governo Federal a ganhar confiança nesse uso e promulgar uma lei em 1931 tornando obrigatória a mistura de 5% de etanol em toda gasolina importada. Poucos anos depois, a exigência foi estendida a toda gasolina consumida no País. 
 
Como é sabido, esse uso do etanol foi reforçado em 1975 com o lançamento do Programa Nacional do Álcool – Proálcool, que acelerou o crescimento da produção de etanol e de cana-de-açúcar. O setor sucroalcooleiro aproveitou esse crescimento e a disponibilidade de recursos para investimentos em expansão, modernização e criação de centros de pesquisa e desenvolvimento, como o Planalsucar e o Centro de Tecnologia Copersucar (CTC), para apoiar os avanços tecnológicos. Melhorias significativas foram conseguidas na área agrícola, em termos de produtividade e qualidade da cana, e na indústria, traduzidas em eficiência dos processos.
 
 Quando a crise surgiu, causada pela queda brusca dos preços do petróleo em 1985, seguida da retirada paulatina dos subsídios do etanol, o País já se mostrava competitivo no mercado mundial de açúcar. A expansão da produção de cana continuou para acompanhar o aumento da exportação de açúcar, mesmo com a produção de etanol estagnada. 
 
O setor energético das usinas passou por melhorias mais lentas, caminhando na direção da autossuficiência energética, atingida de forma plena apenas em meados dos anos 1990. A desregulamentação do setor na mesma década colocou mais pressão para a busca de melhorias progressivas devido à competição mais aberta entre as usinas e à redução drástica das ajudas governamentais. 
 
No início do século XXI, ao passo que o açúcar mantinha seu papel relevante nas exportações, um novo aumento brusco dos preços do petróleo reacendeu o interesse pelo biocombustível e estimulou o lançamento da moderna frota de veículos flex-fuel, ação que se traduziu em confiança da população, que passou a comprar veículos bicombustíveis. Em 2002, o governo criou o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), e, em 2004, foi lançado o Novo Marco Regulatório de Setor Elétrico Brasileiro, ambos estimulando e facilitando a venda de excedentes de energia elétrica produzidos pelas usinas.  
 
Essa história foi recontada para lembrar algumas lições aprendidas: (1) as políticas públicas corretas foram os grandes indutores de modernização e ganhos de eficiência no setor; (2) a diversificação da produção nas usinas trouxe ganhos de escala e maior resiliência para enfrentar as crises; (3) os preços de commodities internacionais, como o açúcar e o petróleo, são muito voláteis, e é preciso estar preparado para isso, uma vez que o setor já não conta mais com a tutela do governo.

Na última crise de preços do açúcar, na safra 2018/19, o Brasil conseguiu reduzir sua produção de açúcar em mais de 9 milhões de toneladas em relação à safra anterior, transferindo a matéria-prima para a produção de etanol, que cresceu em cerca de 5 bilhões de litros; a relação de cana para açúcar/cana para etanol passou de 46,5%-53,5%, na safra 2017/2018, para 35,2%-64,8%, na safra 2018/2019. 
 
Os ganhos globais de eficiências medidos em litros de etanol por hectare cresceram de 2.000 L/ha, em 1975, até 6.800 L/ha, em 2010, mas caindo e chegando a 5.700 L/ha em 2012. O incremento no rendimento de etanol foi possível devido aos ganhos de produtividade e qualidade da cana na área agrícola, assim como aos aumentos significativos nas eficiências industriais.

Hoje, na área agrícola, temos que, pelo menos, recuperar os valores médios de produtividade e qualidade existentes antes de 2010, quando o ATR/ha oscilava em torno de 12 t/ha e, depois dessa data, passou a oscilar em torno de 10 t/ha. Na área industrial, as eficiências se mantiveram razoavelmente altas, com um nível de conversão dos açúcares da cana em produtos (açúcar, etanol, melaço, etc.) acima de 85%. Na geração de eletricidade excedente para a venda, com as melhorias no Marco Regulatório do setor elétrico a partir de 2004, houve um crescimento de 9,8 TWh, em 2010, para 21,5 TWh, em 2018.
 
Considerando que o setor vai, no mínimo, recuperar os níveis de produtividade e qualidade da cana existentes antes de 2010 e que pequenos ganhos incrementais serão conseguidos na fábrica, com melhoria no monitoramento e controle dos processos, para onde o setor deveria olhar na busca de melhorias? Sugerimos o melhor aproveitamento da energia primária da cana, pois simulações feitas recentemente mostraram que estamos longe de sermos eficientes nesse ponto. A tabela abaixo mostra uma simulação simplificada.
 
É possível observar que, mesmo em uma destilaria autônoma bem eficiente, com 85 L/tc de anidro, 10% de sobra de bagaço e 60 kWh/tc de energia excedente gerada, a eficiência energética global é de cerca de 32%, indicando que 68% da energia primária da cana foi gasta e/ou desperdiçada: 90% do bagaço foi consumido pelo processo industrial (vapor e eletricidade) e a palha, muito pouco aproveitada para energia, assim como a vinhaça e a torta de filtro. 
 
Segundo a Unica, em 2017 (641 Mtc), o potencial técnico de geração de eletricidade excedente nas usinas brasileiras seria de 146 TWh (sendo a participação do biogás, bagaço e palha correspondente a 21, 48 e 78 TWh, respectivamente; em termos unitários, em relação à cana processada, esse total representa 228 kWh/tc) levando à eficiência energética global para 40%. Isso seria conseguido com otimização do balanço energético nas usinas e uso pleno dos resíduos agroindustriais. 
 
Simulações com ganhos de produtividade agrícola para próximo a 90 tc/ha e considerando números da literatura para etanol celulósico indicam eficiências da ordem de 45%, o que poderia ser uma meta a ser perseguida.  Essas melhorias teriam impactos positivos no desempenho ambiental das usinas no RenovaBio, com ganhos significativos nos CBIOs produzidos por tonelada de cana processada, e estariam perfeitamente alinhadas com os conceitos de bioeconomia e economia circular, que pregam o uso pleno da matéria-prima. 
 
O recolhimento e o uso da palha de forma sustentável, adequando sua qualidade na indústria para torná-la compatível com a queima em caldeiras de bagaço, ainda apresentam desafios que foram identificados e abordados no Projeto SUCRE (Sugarcane Renewable Electricity), desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Biorrenováveis do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBR/CNPEM), com suporte financeiro do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e gerido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). 
 
Dados de custos, balanços energéticos e de emissões de gases de efeito estufa (GEE), tecnologias de recolhimento e processamento da palha estão sendo disponibilizados no site do Projeto SUCRE (http://bit.ly/ProjetoSUCRE), para uso pelos interessados em ampliar a geração de eletricidade excedente.