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Álvaro Fernando de Almeida

Diretor Técnico da Biométrica e Professor de Gestão de Impactos Ambientais da Esalq-USP

Op-AA-13

A sustentabilidade ambiental da agroindústria da cana-de-açúcar

O século XXI trará, entre seus grandes desafios, os declínios das grandes reservas petrolíferas, de fosfato, da oferta de água potável, ao lado das preocupantes mudanças climáticas globais, em um mundo onde as populações humanas continuam crescentes e demandando, a cada dia, mais recursos naturais, muitos transformados em poluição, a qual gera o aquecimento global.

A produção de álcool em países como o Brasil, com amplo espaço territorial, muitos solos de boa qualidade, pluviosidade bem distribuída na maioria dos estados, domínio tecnológico nas áreas agrícolas e na indústria sucroalcooleira, tem despertado o interesse internacional, como possível saída para a crise de combustíveis, que perigosamente se aproxima, além de auxiliar na redução do efeito estufa.

A energia verde, derivada do álcool de cana, de madeiras, bem como de óleos vegetais, do dendê, da mamona e da soja, entre outros, é considerada, em princípio, como renovável e sustentável, na visão ambiental e de desenvolvimento. A análise da produção destes biocombustíveis no Brasil tem demonstrado que é grande a preocupação e muito ainda tem de ser feito para que a indústria sucroalcooleira aproxime-se da sustentabilidade socioambiental.

No estado de São Paulo, que é o principal produtor nacional (64%), já existem cerca de 3,6 milhões de hectares de canaviais, fornecendo matéria-prima para 150 Usinas. Até 2.010, deverão ser acrescidos mais 1,2 milhão de hectares, com uma produtividade que atinge 86 toneladas por hectare, visando abastecer 50 novas Usinas no estado, entre as 150 que serão instaladas no Brasil. Atualmente, o país produz 16,9 milhões de litros de álcool, enquanto que o estado de São Paulo produz 10,7 milhões.

Os dados aqui apresentados são da dissertação “Subsídios para a Gestão de Impactos Ambientais da Agroindústria da Cana-de-Açúcar”, ainda inédita, dos experientes profissionais da Cetesb, José Mário Ferreira de Andrade e Kátia Maria Dinis, meus orientados e alunos de Pós-Graduação do Curso de Especialização em Gerenciamento Ambiental da Esalq-USP, em Piracicaba.

A questão principal é lógica e evidente: seria realmente possível a sustentabilidade da produção nestas condições de imensas monoculturas? As fantásticas riquezas que serão geradas serão duradouras? Os biocombustíveis produzidos em escalas gigantescas serão realmente renováveis?

Este grande desafio para a ciência da Gestão Ambiental, na agroindústria sucroalcooleira, somente poderá ser vencido com o auxílio do efetivo planejamento ambiental e da biotecnologia, estabelecendo-se com seriedade e prudência os novos paradigmas para uma atividade antrópica, que não tem sido exatamente exemplar em seus diversos aspectos socioambientais no Brasil, desde os seus primórdios no século XIV.

É importante observar que na oferta interna de energia no Brasil, em 2.006, a energia não renovável de combustíveis fósseis foi de 55%, ou 124,4 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep), enquanto a estratégica energia renovável foi de 45%, ou 101,6 tep. Em relação a 2.005, o crescimento da energia não renovável foi de apenas 2,6%, enquanto a oferta de energia renovável cresceu 4,4%; a energia dos produtos da cana-de-açúcar cresceu mais que o dobro da energia hidráulica e da eletricidade.

Com as reais possibilidades do álcool tornar-se uma commodity, o Brasil desperta as atenções de todo o mundo. Entretanto, destacam-se as preocupações dos países desenvolvidos em relação aos impactos ambientais negativos, tais como as queimadas, os trabalhos desumanos dos cortadores de cana, dos desmatamentos e redução da biodiversidade, das contaminações e poluições ambientais, impactos preocupantes, que certamente não serão mais tolerados pela sociedade.

A correção do passivo ambiental nas Usinas em operação poderá ser feita com investimentos anuais de aproximadamente R$3,00 por tonelada de cana moída. As ações corretivas de substituição das antigas caldeiras, restaurações das Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais, proteção da biodiversidade, controle de zoonoses, principalmente o hantavírus transmitido por roedores silvestres, adequações dos sistemas de fertirrigações, controle de poluentes e contaminantes ambientais, devem ser prioritárias e urgentes na Agroindústria da cana-de-açúcar, pois serão necessários cerca de 30 anos para que se tornem efetivas.

O gerenciamento dos resíduos industriais das Usinas, da poluição atmosférica e dos efluentes líquidos necessita de muitas pesquisas para serem eficientemente mitigados. Não se pode negligenciar o potencial poluidor de 143 bilhões de litros de vinhaça, cuja disposição ambientalmente correta no estado de São Paulo exige, no mínimo, 2 milhões de hectares de canaviais.

Os Licenciamentos Ambientais precisam se tornar mais eficientes e menos morosos, pois este setor cresce 6% ao ano e os canaviais surgem 3 anos antes das novas Usinas. Os EIA/RIMA, que já começam a ser elaborados “em série” por empresas consultoras, deixam de ser estudos prévios e podem levar este importante setor ao descrédito internacional.  

O setor sucroalcooleiro necessita, agora, demonstrar que adquiriu seriedade e competência na proteção ambiental, na renovação dos recursos naturais e na sustentabilidade agroindustrial. Neste importante e estratégico setor, debitar impactos ambientais negativos tem que se tornar menos freqüente do que o reconhecimento dos impactos ambientais positivos.