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Paulo Olivi

Professor de Eletroquímica da Faculdade de Química da USP-RP

Op-AA-49

Uma nova forma de produção de energia: células a biocombistível
O aumento da população mundial e o advento de novas tecnologias têm causado um aumento substancial no consumo de energia com uma tendência forte de crescimento de demanda. Basta olharmos ao nosso redor que encontraremos diversos exemplos de dispositivos que estão utilizando alguma forma de energia para funcionar: o carro, o telefone celular, a luz, o computador, o aquecedor solar e muitos outros. Cada um desses dispositivos utiliza energia a partir de fontes diferentes, ou seja, a partir de combustíveis fósseis, de fontes renováveis ou, ainda, da energia nuclear. 
 
Outra fonte de energia são as reações químicas que, embora pouco comentadas, estão presentes no nosso dia a dia, nas pilhas ou baterias. Esses dispositivos utilizam reações químicas que ocorrem espontaneamente para gerar corrente elétrica, ou seja, transformam energia química em energia elétrica. 
 
Há ainda um outro tipo de dispositivo que utiliza energia química para gerar energia elétrica e que vem crescendo de importância nos últimos anos, além de aparecer como uma forma promissora de geração e de armazenamento de energia. Esses dispositivos são chamados de “células a combustível”, ou Fuel Cells, em inglês,  e a principal diferença entre eles e as baterias é o fato de as substâncias que sofrem reações químicas não se encontrarem inicialmente no interior delas, mas serem introduzidas continuamente a partir do exterior.

Embora o nome sugira a existência de uma combustão, o que ocorre, na verdade, é uma 
reação química que leva à oxidação completa de uma substância, que é conhecida como reação de combustão. A reação de oxidação desse combustível ocorre em um eletrodo, chamado ânodo, enquanto uma reação de redução de outra substância, geralmente o oxigênio, ocorre no cátodo. 
 
Dessa forma, as células a combustível não se descarregam como as baterias, mas funcionam continuamente enquanto forem fornecidas as substâncias que sofrem as reações químicas no seu interior. Assim, pode-se ter um reservatório externo que pode ser reabastecido rapidamente (como em um automóvel), não necessitando grandes tempos para serem recarregadas, como no caso das baterias. As grandes vantagens das células a combustível, além de poderem operar por longos períodos de tempo, é que são limpas, silenciosas, eficientes e podem operar a partir de substâncias renováveis. 
 
As aplicações das células a combustíveis podem ser divididas em aplicações estacionárias, em que são utilizadas para fornecer energia para um edifício, um hospital, uma indústria, etc., aplicações móveis, como ônibus, automóveis, submarinos, naves espaciais, etc., e aplicações portáteis, como smartphones, tablets, notebooks, entre outros. 
 
Quando comparadas aos motores de combustão interna, utilizados nos automóveis e geradores, as células a combustíveis apresentam uma enorme vantagem em relação à eficiência. A eficiência está relacionada com a quantidade de energia efetivamente gerada comparada com a que poderia ser teoricamente gerada pela quantidade de combustível gasta. A eficiência dos motores a combustão interna é fortemente afetada por perdas de calor e pela fricção de suas partes internas e, geralmente, não ultrapassa os 15%.  

As células a
combustível podem atingir, na prática, valores de eficiência da ordem de 40% a 50%. Essa eficiência pode ser da ordem de 80%, caso seja aproveitado o calor gerado pelas reações químicas. Existem diferentes tipos de células a combustível, e elas são conhecidas de acordo com o eletrólito que utilizam, e as abreviaturas geralmente utilizadas para designá-las são derivadas dos nomes em inglês. Os principais tipos de células a combustível são:
• Células a combustível de ácido fosfórico (PAFC): utilizam uma solução de H3PO4 e operam a 200 °C. O combustível utilizado é o H2, e, no cátodo, usa-se o O2.
• Células a combustível de carbonato fundido (MCFC): operam a aproximadamente 650 °C e usam H2, ou monóxido de carbono como combustível no ânodo, e O2 no cátodo.
• Células a combustível de óxido sólido (SOFC): o eletrólito é um material cerâmico e opera a temperaturas da ordem de 900 °C para obter condutividade suficiente do eletrólito.
• Células a combustível de membrana trocadora de prótons (PEMFC): podem operar a temperaturas da ordem de 100 °C e utilizam  principalmente H2 como combustível e O2 no cátodo. 
 
As substâncias mais utilizadas nas células a combustíveis são os gases oxigênio e o hidrogênio. O oxigênio, que está presente no ar em abundância, é reduzido no cátodo, enquanto o hidrogênio é oxidado no ânodo. Como subproduto dessas reações, é gerado apenas água, por isso se diz que se trata de um sistema limpo para geração de energia. O hidrogênio pode ser produzido a partir de hidrocarbonetos, a partir da eletrólise da água e, no futuro, espera-se poder produzi-lo em quantidade a partir da energia solar, dos ventos e de outras fontes renováveis de energia.
 
A tecnologia que utiliza hidrogênio como combustível em PEMFC, que operam a temperaturas mais baixas, está bem desenvolvida, e já se encontram diversos protótipos em operação em ônibus, por exemplo, e mesmo comercialmente em veículos elétricos, como o recente carro lançado pela Toyota, o  Mirai. Um dos entraves, entretanto, para a ampliação do uso do hidrogênio é a dificuldade para armazenar esse gás que necessita de altas pressões. Além disso, tem que ser levado em consideração o fato de esse gás ser potencialmente explosivo, e o seu uso, em alguns tipos de aplicação, pode ser restrito. 
 
Como alternativa ao hidrogênio, tem sido proposto o uso de combustíveis líquidos que seriam mais facilmente armazenados e não apresentariam riscos. Dentre essas substâncias, os álcoois apresentam-se como alternativas interessantes. O primeiro álcool a ser investigado para essa finalidade foi o metanol, e, mais recentemente, o etanol tem recebido atenção de pesquisadores de todo o mundo. Embora apresente um valor de energia específica menor que a do hidrogênio, o etanol apresenta uma densidade de energia de 24,7 kWh/gal, enquanto, para o hidrogênio, esse valor é de 2,5 kWh/gal. Para o metanol, esse valor é de 17,5 kWh/gal. 
 
No caso específico do etanol, o desenvolvimento de células a combustível que utilizam esse álcool como combustível seria muito importante para o Brasil, uma vez que temos uma capacidade de produção importante e uma rede de distribuição estabelecida em todo o País. Uma das grandes vantagens do etanol é o fato de poder ser produzido a partir da biomassa, podendo ser considerado um biocombustível. Dessa forma, teríamos uma fonte de energia renovável com baixo grau de agressão ao meio ambeinte e do qual temos domínio da tecnologia de produção.
 
Um dos pontos importantes para que as células a combustível funcionem de forma otimizada, é a definição de catalisadores eficientes para as reações químicas envolvidas no processo. O papel desses catalisadores é promover um aumento na velocidade das reações e, consequentemente, no valor de corrente elétrica gerada. Reações mais rápidas implicam maiores valores de corrente e, portanto, de maior potência da célula. 
 
Os melhores catalisadores para as reações de oxidação dos combustíveis são baseados principalmente no emprego da platina, que é o metal que apresenta as melhores características para essa finalidade. Porém a platina sozinha não é capaz de fornecer as propriedades necessárias para que as reações ocorram com eficiência máxima. 
 
Nesse sentido, grande parte das pesquisas realizadas na área de células a combustíveis se referem à busca de catalisadores eficientes para as reações de oxidação dos combustíveis e também para a reação de redução do oxigênio. A grande dificuldade no caso da reação de oxidação do etanol está em conseguir controlar as condições que levem à quebra da ligação entre os dois átomos de carbono que compõem essa molécula. Idealmente, deveria ser produzido apenas dióxido de carbono, o CO2, mas, na prática, o que se obtém é uma quantidade considerável de ácido acético e acetaldeido, subprodutos da reação incompleta de oxidação do etanol. 

A tendência para que sistemas mais eficientes sejam obtidos está na utilização de soluções em pH alcalino, o que está sendo possível devido ao desenvolvimento recente de membranas que permitem a utilização nessas condições. Outra possibilidade seria a utilização de temperaturas maiores, que favorecem a velocidade das reações, mas, para isso, é necessário membranas que operem nessa faixa de temperatura.

Embora o conhecimento gerado nessa área tenha avançado consideravelmente, ainda há um grande caminho a ser percorrido. As agências de fomento brasileiras, como a Finep, o CNPq e a Fapesp, têm investido no financiamento de pesquisas nesse sentido, e um número considerável de pesquisadores brasileiros têm se dedicado ao desenvolvimento desses dispositivos. 
O desenvolvimento de células a biocombustível empregando etanol tem, portanto, um caráter de interesse nacional e que, devido também ao seu potencial, merece ser investigado como uma forma alternativa na produção de energia.