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Ana Helena Mandelli

Gerente de Distribuição do IBP - Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás

OpAA72

Venda direta de etanol exige ajuste tributário
A iniciativa de venda direta de etanol hidratado do produtor aos clientes finais foi uma simplificação regulatória discutida profundamente na Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, atendendo à demanda trazida pelo CNPE - Conselho Nacional de Política Energética. Para alteração da regulação, o CNPE definiu diretrizes importantes, considerando a necessidade de manter o mercado organizado. 
 
A nova regulamentação deveria contemplar a isonomia concorrencial no aspecto tributário, a preservação da arrecadação de tributos de alíquota específica (ad rem) em relação à comercialização do etanol hidratado com distribuidores de combustíveis e a isonomia nas obrigações quanto aos padrões de qualidade do produto.

Em janeiro deste ano, antes da finalização do processo regulatório e sem atentar às diretrizes do CNPE, foi sancionada a Lei 14.292/2022, que permite a venda direta de etanol hidratado por produtores e importadores para os postos revendedores e, ainda, no mês seguinte, publicada a Medida Provisória 1.100/2022, que promoveu ajustes na cobrança para contribuição do PIS/Pasep e Cofins incidentes na comercialização desse produto. Como motivadores desses movimentos: o incentivo à competição e a redução de preços ao consumidor final. 

A mudança na estrutura de entrega do produto, eliminando o elo de distribuição, teve como premissa a redução de custos. Estudos demonstram, porém, que somente as revendas próximas às usinas poderão se beneficiar de algum ganho logístico, o que corresponde a uma parcela muito pequena do volume total do etanol hidratado consumido no País – cerca de 11%. A maior parte dos postos revendedores seguirá se beneficiando do arranjo logístico feito pelas distribuidoras de combustíveis que entregam o produto aos postos de maneira otimizada, fracionada e compartilhada com outros combustíveis.

Importante ainda destacar que os preços de comercialização são livres e ditados pelo mercado, não havendo garantia de repasse de eventuais ganhos aos consumidores finais. 

Na visão do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a iniciativa da venda direta é positiva e vai na direção de um mercado mais aberto, com múltiplos agentes competindo entre si e com liberdade para estabelecer diferentes modelos de negócios. É necessário, entretanto, que a abertura de mercado seja feita baseada em regras claras e em transparência.

Nesse sentido, chamamos a atenção para a necessidade de aprimoramento do arcabouço tributário, a fim de evitar possíveis assimetrias concorrenciais, visto que irão coexistir duas modalidades de comercialização do produto no mercado, com formas de recolhimento de tributos distintas. 

No caso do PIS/Cofins, tributo federal, na operação via distribuidor, é recolhido pelo produtor (ou importador) e pelo distribuidor; e, na operação direta, é recolhido pelo produtor (ou importador). Essa dualidade tributária dificulta a fiscalização, estimula a competição desleal no segmento e aumenta o risco de sonegação, com consequente perda de arrecadação. 

No que se refere ao tributo estadual, o ICMS, o problema é ainda mais complexo. Existe a possibilidade de se ter legislações diferentes por estado, sendo fundamental a convergência para uma legislação nacional via Confaz – Conselho Nacional de Política Fazendária, que reúne os 27 entes federativos.

O caminho ideal é a simplificação tributária, com a incidência monofásica dos tributos federal e estaduais no produtor (ou importador) em ambos os modelos de comercialização. Vale ressaltar ainda que a monofasia do ICMS – com alíquotas fixas em reais por litro e uniformes em todo o território nacional –, substituindo as alíquotas em valores percentuais que vigoram hoje, poderá trazer reais benefícios à sociedade, uma vez que não potencializará a volatilidade dos preços do produto. 

Esta já é prevista na Constituição Federal e regulamentada pela Lei Complementar n° 192/22 aos produtos gasolina, etanol anidro, diesel, biodiesel e gás liquefeito de petróleo. A inclusão do etanol hidratado na lei traria, além do ganho em estabilidade de preços, a redução da sonegação na comercialização do produto.

O segmento de etanol hidratado já sofre com problemas de sonegação de tributos, e o modelo de venda direta sem o instrumento da monofasia pode estimular essa prática, aumentando a atuação dos conhecidos devedores contumazes no mercado. A sonegação nesse segmento é um problema recorrente, reconhecido pelos estados, e, apesar de existirem inciativas para enfrentar o problema, os fraudadores que fazem do não pagamento dos tributos um modelo de negócio seguem atuando. Isso porque a questão transcende os entes federativos e deve ser tratada por força de lei. Tramita no Senado Federal o PLS 284/17, que caracteriza a figura do devedor contumaz e o diferencia do devedor eventual; além disso, endereça uma ação coordenada de combate em nível nacional.

Os dados de comercialização de etanol hidratado pela venda direta de produtores a postos revendedores, publicados pela ANP, comprovam a limitação da vantagem alegada para a introdução desse modelo. A complexidade tributária e os riscos de irregularidades permanecem e são também apontados pelo mercado como entraves ao desenvolvimento da modalidade. Por todo esse contexto, é urgente aperfeiçoar os instrumentos e implementar soluções estruturantes que tornem o mercado de etanol ainda mais competitivo e equilibrado, gerando impacto positivo para o consumidor final, em termos de oferta, preço e qualidade do produto.