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Marcos Guimarães de Andrade Landell

Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas/APTA/SAA

Op-AA-36

A volta às origens

No complexo agroindustrial da cana-de-açúcar, 70% dos custos referem-se às operações agrícolas, portanto o seu peso no equilíbrio desse negócio é fundamental para viabilizá-lo. Poucos anos atrás, os brasileiros se orgulhavam de produzir o açúcar mais barato do mundo, decorrente das boas produtividades alcançadas, fruto das novas tecnologias produzidas em três décadas de investimento sistemático em P&D, tanto pelo setor privado como pelo público.

Então, por que chegamos à situação atual de custos elevados e de baixa produtividade? Naturalmente, parte dessa questão é respondida por esses dois fatores citados, ou seja, baixa produtividade leva-nos ao aumento do custo por unidade produzida. Mas o que nos levou às baixas produtividades?

Para tal, temos que considerar os cenários introduzidos na última década, principalmente o processo de mecanização da colheita e, mais recentemente, o de plantio. As interações no mundo biológico são menos previsíveis do que na indústria, por exemplo, e, dessa forma, dimensionar todo o reflexo de mudanças como as citadas é um exercício de grande complexidade.

No caso da colheita mecânica, que trouxe como consequência positiva a eliminação do uso do fogo, produziu o que chamamos de “sistema cana crua”, um ambiente inusitado até então para os técnicos e para a planta “cana-de-açúcar”, que passou a desfrutar de uma condição bastante nova de desenvolvimento. No primeiro momento, o que se observou é que o sistema não funcionava de maneira uniforme para as variedades e as regiões então cultivadas.

Nas regiões mais frias, como o norte do PR, a palha pode constituir-se grande problema para a brotação, ou mesmo amplificar os efeitos de uma geada. Nas regiões mais quentes, como GO, a palha foi um benefício, aumentando o material orgânico devolvido ao solo, redundando em ganhos de produtividade. No entanto pragas como a cigarrinha das raízes (Mahanarva fimbriolata) e o “bicudo da cana” (Sphenophorus levis) ganharam uma importância relevante, gerando perdas de produtividade e aumentando o custo de produção. Sabemos, no entanto, que a elevação do custo de produção também ocorreu por outros fatores, externos ao campo, ligados às questões normativas, ambientais, trabalhistas, etc.

Nesse mesmo período, de introdução desses novos cenários, ocorreu uma grande expansão da cultura, atendendo aos estímulos econômicos. Esse crescimento acelerado não respeitou indicadores biológicos importantes, e muitos, para atender ao nível de crescimento planejado, tiveram que realizar plantios sem maiores cuidados nos aspectos fitossanitários, utilizando-se, por vezes, daquilo que seria matéria-prima, como mudas para estabelecimento de novos plantios. Essa ação acabou produzindo um efeito nefasto para os nossos canaviais, ampliando os problemas fitossanitários, como o carvão (Sporisorium scitamineum) e o raquitismo da soqueira (Leifsonia xyli), principalmente.

O carvão, doença produzida por um fungo, teve o aumento do potencial de inóculo, decorrente do abandono de práticas de formação de viveiros, e passou a ser problema, inclusive para variedades que estavam plantadas há mais de quinze anos e que, até então, não haviam apresentado indicações de suscetibilidade. O raquitismo da soqueira, produzido por uma bactéria, reduziu silenciosamente a produtividade de nossos canaviais, principalmente nos cortes mais avançados e em regiões mais restritivas, como aquelas onde ocorreu a grande expansão da última década.

Por fim, a adoção de novas cultivares como um processo natural de incremento de produtividade, fato que se tornou bastante comum na década de 90 e responsável por grandes ganhos nesse período, acabou não ocorrendo de maneira normal, e, assim, todo o esforço de programas de melhoramento consolidados e eficientes, como os do CTC, Ridesa e IAC, não foram plenamente aproveitados. Das dezenas de variedades lançadas no período 2004 a 2010, desenvolvidas para os diversos nichos de produção do Brasil, poucas efetivamente foram utilizadas. Esse diagnóstico responde, em parte, à pergunta "como produzir mais, melhor e com menores custos". Voltar às antigas boas práticas de formação de viveiros e mudas pautadas em um bom planejamento e execução do manejo varietal, com certeza, proporcionará impactos relevantes na produtividade de nossos canaviais.

Nessa direção, o Programa Cana IAC produziu o sistema MPB (Mudas Pré-Brotadas), que tem como objetivo promover a rápida expansão de novas variedades de cana-de-açúcar a partir de mudas matrizes, comprovadamente livres de doenças, utilizando-se de um método que poderá ser adotado por qualquer produtor, seja ele pequeno ou grande. O sistema MPB tem taxa de multiplicação que permite que uma tonelada de cana seja o suficiente para o plantio de um hectare, sessenta dias após o início da produção de mudas.

Com taxas semelhantes a essa, podemos transformar uma única tonelada de muda no plantio de mais de 300 hectares, 17 meses após o início da produção dessa muda.  Assim, a adoção rápida de novas variedades poderá incorporar, de maneira dinâmica, ganhos relevantes na produtividade. A análise dos dados de aproximadamente 15.000 parcelas do banco de dados Caiana-IAC indica que o grupo varietal lançado nos últimos oito anos pelos programas de melhoramento brasileiros apresenta produtividade 11,2% superior às variedades lançadas no período anterior, no caso, de 1994 a 2002.

A adoção de novas variedades associada aos cuidados fitossanitários, como termoterapia e a prática do roguing, são fundamentais para manter a expressão do potencial biológico desses genótipos, já selecionados e criados no contexto do plantio e da colheita mecânica. Práticas como essas, antigas, poderão ser as responsáveis pelos novos patamares produtivos dos canaviais brasileiros.