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Marcos Silveira Bernardes

Professor de Produção Vegetal da Esalq-USP

Op-AA-05

Álcool brasileiro evaporado pelo clima ignorado

São bastante propaladas as vantagens do setor sucroalcooleiro do Brasil. O nosso açúcar é quase imbatível no comércio internacional. Isso também vale para o álcool, que detêm a maior parte das expectativas de expansão de mercado externo. Fala-se muito no potencial de crescimento do consumo mundial, comparando-o, em termos de preço equivalente, ao barril de petróleo, que se situado acima de US$30, viabiliza o álcool brasileiro como sucedâneo dos combustíveis fósseis e fonte de cadeias carbônicas.

No cenário mundial, a indústria de petróleo e químicos apresenta dimensão diferente daquela dos produtos alimentícios. São dois oligopólios intrincados. Uma única ação: a Guerra no Iraque, que foi deflagrada basicamente para garantir o acesso não gratuito dos Estados Unidos da América a uma parcela do suprimento de petróleo do mundo; tem um custo anual equivalente à metade do valor da produção de açúcar no mundo.

Isso nos dá uma idéia do tamanho das barreiras que serão enfrentadas para emplacar o álcool brasileiro. A oferta de petróleo é mais previsível e controlável que a de cana-de-açúcar. Afora as medidas para aprimorar a comercialização, podemos olhar para as possíveis ações de manejo na lavoura para melhorar a penetração do álcool brasileiro nessa disputa acirrada. Quais os pontos fracos da cadeia produtiva de cana-de-açúcar brasileira perante os novos concorrentes, que não são só produtores agrícolas?

Destacam-se a dependência da oferta às variáveis climáticas e o longo tempo de resposta, em produção, à decisão de ampliar a oferta. Para a maioria das atividades de manejo do canavial há estoque de conhecimento compatível com as possibilidades operacionais atuais. As alternativas disponíveis são levadas em consideração na tomada de decisão pelos técnicos da área agrícola. Contudo, uma ferramenta crucial para estabilização da produção tem sido utilizada de forma incipiente e aquém do seu potencial.

A estiagem de fevereiro passado nos fez lembrar a importância do suprimento de água para a planta. A dificuldade é que a estrutura de irrigação não pode ser instalada de maneira emergencial para atender ocorrências esporádicas. A sucessão de ocorrências dos fenômenos El Niño e La Niña, caracterizados por uma maior ou menor precipitação pluviométrica em relação a média do local, podem ser previstos com antecedência de até meio ano, mas ainda não utilizamos as ferramentas de previsão e tomada de decisão corretiva. Na Austrália, os produtores estão muito melhor amparados.

Em março de 1997, ao convidar um climatologista agrícola do CSIRO de Queensland, para proferir palestra em junho daquele ano, ele, aceitando o convite, disse: “Vou levar guarda-chuva.” Eu respondi que junho em, Piracicaba, era seco, com precipitação média histórica de 42 mm. Chovia na hora da palestra, num mês de junho que somou 125 mm, só igualado por outros 6 junhos passados, nos quase noventa anos de coleta de dados da Esalq.

No começo da safra do centro-sul brasileiro, da Austrália, ele já sabia que choveria muito acima da média no nosso suposto pico de safra. Assim, o primeiro ponto é criar-se um sistema de alerta climático de extrema precisão e grande antecedência de previsão. Os benefícios gerados com a adoção da irrigação começam com a previsibilidade das operações. Pode-se melhor programar os tratos culturais, adubações, aplicações de herbicida e plantio, e realizá-los nos momentos de menor demanda.

O pivot rebocável tem apresentado elevada eficiência da aplicação da água e o menor custo, estimado entre R$ 0,70 e 1,40, por mm aplicado. É facilmente adaptado para a fertiirrigação e ainda permite alguma aplicação de defensivos. Entretanto, o benefício mais apregoado de aumento da produtividade, nem sempre é alcançado, pois todas as demais operações devem ser ajustadas.

Ademais, a cana é uma planta que possui diversos mecanismos, que lhe garante tolerar falta de água periodicamente, sem prejuízo do crescimento e produção. O que se sabe é que para cada tonelada de colmo produzida, a cana-de-açúcar necessita de entre 8 a 10 mm de água evapotranspirada. Contudo, o cálculo desse índice ainda é motivo de controvérsia e ele depende muito da fase em que se encontra a lavoura. De qualquer maneira, há perspectiva de lucro.

Feitas as contas, uma tonelada de cana a mais pode ser obtida com incremento de custo devido à irrigação, da ordem de R$14. Por essa razão, há necessidade de pesquisas, visando elucidar os processos fisiológicos da cana-de-açúcar e criar procedimentos de cálculo mais confiáveis e compatíveis com o produtor. Entretanto, mais uma vez, a Austrália está na frente. Dos 5.129 trabalhos científicos feitos no mundo com cana-de-açúcar nos últimos cinqüenta anos, somente 18 versam sobre fisiologia.

Deste, 10 são da Austrália, que enfatizam a fisiologia aplicada ao manejo da cultura. Os 4 do Brasil tratam de biologia molecular e genética. Estamos com tapa-olhos, focados no DNA e nas células, enquanto há 6 milhões de hectares de lavoura submetidos a uma enorme diversidade e variação climática. A pesquisa básica é papel do governo. Esperar que a iniciativa privada, por si só, vá criar sistemas de pesquisa que lidem com as questões de fisiologia da cana-de-açúcar, suas relações com o clima e sua previsão é o mesmo que esperar que a associação brasileira de corretores de imóveis invista no programa espacial brasileiro, pensando nos lucros auferidos com a venda de terrenos em Marte.