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José Guilherme Perticarrari

Diretor da Perti Agri Consultoria

Op-AA-44

Gestão de assuntos agrícolas

No tema proposto para a elaboração deste artigo, muito pertinente por sinal, o balizamento foi o de superarmos a crise do setor de dentro para fora, ou seja, usarmos como armas a criatividade, o talento e a disciplina para retomarmos o crescimento através, principalmente, do aumento da produtividade e da redução dos custos de produção, além de destacarmos, na gestão dos processos agrícolas sucroalcooleiros, aquelas receitas que foram e são sucesso dentro do setor e que possam servir de rumo para os que não as conhecem.

Mas o grande desafio é: como fugir da crise com uma boa gestão? A resposta não é tão simples, mas vamos por etapas. Uma forma prática para mostrar como uma boa gestão pode influenciar no futuro de uma empresa – no nosso caso, áreas agrícolas sucroalcooleiras – é mapear o desenvolvimento e a implantação de novas tecnologias no mercado, acompanhar de que forma elas foram adotadas e valorizadas por essas empresas e avaliar qual foi o fator de sucesso.

Isso durante muitos anos, independentemente das crises externas ao campo agrícola. Para não estender muito, vou me ater apenas a dois sistemas agrícolas mais importantes, em termos de custo de produção da cana-de-açúcar, que são o plantio e o CTT (colheita, transbordo e transporte), responsáveis pela maior parcela desses custos.

Uma das vantagens de ter trabalhado durante 35 anos como engenheiro de projeto, depois gestor de tecnologia e, posteriormente, gerente de projetos especiais no CTC, é que sempre houve contato direto com os produtores agrícolas, fabricantes de máquinas e equipamentos, instituições de pesquisa e usinas associadas (depois acionistas), sendo que, quanto a essas últimas, o número variava, inicialmente, de 40 a 50 unidades produtoras, chegando a mais de 170 unidades em 2014.

Durante esse período, os principais desenvolvimentos focaram sempre o aumento da produtividade agrícola, a redução dos custos de produção, além da melhoria da qualidade da matéria-prima, da viabilidade técnica e econômica do aproveitamento de subprodutos, a adequação dos processos/máquinas e equipamentos à legislação governamental e, finalizando, a evolução tecnológica do setor.

Já a partir do início da década de 1980, tive a oportunidade de participar e liderar o desenvolvimento de um sistema completo de produção e aplicação de produtos orgânicos através da compostagem da torta de filtro com a adição de outros subprodutos, como cama de frango, vinhaça e complementos minerais, para a obtenção de um adubo completo, barato, rico em matéria orgânica e nutrientes, que, além de adubar, melhorava muito as características físicas e químicas do solo, aumentando até 40% a produtividade, principalmente dos ambientes de produção da classe C, D e E.

Além do aumento da produtividade das áreas, esse sistema permitiu uma redução de custos de adubação da ordem de 30%. As usinas que adotaram esse sistema colhem os benefícios da tecnologia até hoje. As demais, que não quiseram adotar o sistema porque tornava a operação de plantio mais complicado e necessitavam de investimentos – irrisórios por sinal, se pagavam em um ano –, continuam até hoje produzindo menos e gastando muito em adubação mineral.

No sistema de plantio mecanizado, também fui um dos pioneiros no desenvolvimento. No Brasil, a busca por essa tecnologia começou a ser expressiva a partir do ano 2000, porém, desde o final da década de 1980, já atuava fortemente nessa linha de pesquisa, iniciando os trabalhos com a primeira viagem à Austrália, em 1989, e, posteriormente, em 1992. Como a Austrália era pioneira nesse sistema de plantio, o objetivo principal era não partir da estaca zero nesse projeto, visando ao desenvolvimento do sistema como um todo, ou seja, compreendendo operações de colheita da muda, transporte e plantio.

Além do desenvolvimento das plantadoras, fizemos o primeiro projeto de adequação das colhedoras comerciais para a colheita da muda. Também algumas técnicas tiveram que ser desenvolvidas, como a metodologia para avaliar aptidão varietal ao plantio mecanizado e a metodologia para avaliar a qualidade do plantio. Destacam-se também a elaboração e a condução de ensaios de campo utilizando dessas metodologias e no desenvolvimento de uma lógica computacional em um ambiente virtual, possibilitando a otimização de recursos e de processos e a redução de custos de plantio.

Traduzindo para nossos dias atuais: ferramentas de gestão da qualidade com gestão logística agrícola. Na área de transporte, coordenei e trabalhei no projeto do primeiro rodotrem otimizado para cana-de- açúcar. O CTC desenvolveu, em 1996, parceria com a Randon e com a Usina São Martinho, esse rodotrem para cana-de-açúcar, projetado e otimizado para levar 60% a mais de cana do que os treminhões que existiam na época com tara 30% inferior aos rodotrens existentes no mercado.

Isso porque os custos de transporte (e colheita) da cana crua eram significativamente maiores que os da cana queimada. Todos os rodotrens otimizados produzidos hoje no mercado são oriundos desse projeto. Praticamente, todas as usinas e fornecedores de cana do País se beneficiaram desse projeto. Posteriormente, também foi desenvolvido, em parceria com a Alcoa, dos EUA, e com a Randon, um rodotrem em alumínio, com tara 30% inferior aos equipamentos em aço, mas, apesar de o projeto ter sido um sucesso técnico/operacional e terem sido construídas muitas unidades, o custo do alumínio inviabilizou o projeto.

Também trazendo para os dias atuais, estamos falando de gestão logística ou gestão de riscos, no caso da lei da balança. Já entrando na questão da gestão de pessoas e processos, quando bem executada, é o segredo do sucesso de qualquer empresa, ainda muito mais no setor sucroenergético, onde se lida com processos dinâmicos em que os sistemas são constantemente alterados, com inferências imprevisíveis, na maioria das vezes, tais como mudanças de legislação, estiagem prolongada, chuvas em excesso concentradas, pragas, doenças, entre outras.

O que se pode constatar, até agora, desde o início da aceleração do crescimento do setor, é que as empresas que estavam abertas ao novo e que priorizaram a introdução de  novas tecnologias adequaram a sua forma de gestão à dinâmica das mudanças conjunturais do setor, entre elas a legislação ambiental, trabalhista e de transporte, e focaram na gestão dos recursos humanos, na capacitação dos seus profissionais internos e na contratação de consultores competentes e conhecedores do setor – não aqueles indicados por padrinhos –, são aquelas que, hoje, estão “sobrevivendo” de uma forma mais estável e menos sofrível à grave crise pela qual o setor está passando.

Essa constatação ficava muito clara já bem lá atrás, nos intervalos entre as diversas crises pelas quais passou o setor: quando a situação ficava mais estável e favorável (preços, mercado externo, câmbio, etc.), as vantagens técnicas, de produtividade e econômicas dessas empresas, e, diga-se de passagem, sem gastar mais com isso, sempre foram muito grandes.

Um exemplo para ilustrar: uma dessas usinas, em particular, fazia a reforma da área de colheita quando a produtividade de uma área de quinto corte “caía” para 90 toneladas de cana por hectare. Motivo? A produtividade média de cinco cortes era acima de 100 t/ha, e, como na sua estrutura técnica/financeira de gestão dos processos, ela tinha todos os custos na mão, era muito mais vantajosa a renovação da área do que mantê-la. Normalmente, os custos do plantio da nova área eram bancados, em 100%, pela receita do plantio de amendoim, no caso da cana de 18 meses. Nesse caso a gestão financeira vinculada à gestão operacional trazia ótimos resultados.

Falando, agora, “do outro lado”, ou seja, empresas que fazem diferente do exposto e ainda um pouco mais: Não cabe a mim dizer o que é ou não correto na forma de gestão de cada empresa, mesmo porque, na prática,  cada uma tem uma estrutura diferente, bem como características específicas –e não existe uma regra geral –,  mas o que se veem, na prática, são erros e mais erros que ocorrem na gestão do setor agrícola canavieiro e que não são corrigidos, porque são, geralmente, camuflados por inúmeros outros fatores como a “maior seca dos últimos 80 anos”, excesso de chuva no plantio, frio que causou a podridão do abacaxi no plantio,  pragas, como cigarrinha, bicudo da cana-de-açúcar (Sphenophurus levis), as doenças, as ferrugens marrom e laranja, entre outros.

Esses problemas ocorrem em grande parte das usinas, mas são um pouco mais acentuados em alguns grandes grupos (logicamente não em todos), onde a estrutura corporativa e a funcional são conflitantes, e os balizamentos estratégicos, geralmente, vêm de cima para baixo, com o apoio técnico externo de pessoas sem conhecimento específico de cada usina.

Isso faz com que erros sejam implementados nos processos produtivos, sem que haja sequer um estudo básico, uma área de testes e comprovação por pelo menos um ciclo da cultura, para que esses novos processos possam ser avaliados técnica e economicamente. O “presidente” comprou a ideia e nós temos que fazer funcionar. Não se podem investir milhões na mudança de uma estrutura agrícola de plantio, tratos, colheita e transporte com a simples alegação de que esse sistema vai ser melhor para o grupo. Melhor em quê?