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Kátia Regina de Abreu

Senadora e Presidente da CNA - Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil

Op-AA-39

A logística da sustentabilidade

Certos temas despertam em mim uma profunda reflexão sobre o futuro da agropecuária brasileira. Destaco dois: a infraestrutura nacional e o setor sucroenergético, tendo em vista a sustentabilidade. Não me limito, no entanto, a olhar apenas números e perspectivas para os próximos anos. Nesses casos, sempre sigo a máxima de Confúcio: “Se queres prever [e acrescento, construir]  o futuro, estuda o passado”.

Nossa história mostra que a economia brasileira vem se movimentando quase exclusivamente sobre rodas. São dois os agravantes dessa escolha equivocada e pouco sustentável, seja do ponto de vista econômico ou ambiental. O primeiro, e certamente o mais visível, é o aumento expressivo dos custos para transporte de cargas, agrícolas ou não. Estudo divulgado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, revela que a cana-de-açúcar consome com transporte algo equivalente a 12% do custo total de produção. E engana-se quem pensa que só o setor sucroalcooleiro perde. Perdem todos. Perde o Brasil.

O segundo tema é o atraso na decisão de aproveitar os “Mississippis brasileiros” e por eles navegar. Diferentemente dos Estados Unidos, onde o Mississippi é a principal via de escoamento da produção agrícola do país, temos pelos menos três rios de grandeza semelhante no Centro-Norte do Brasil: o Tocantins, o Teles-Pires Tapajós e o Madeira.

Desde que assumi o mandato de senadora, em 2007, tenho focado minha ação parlamentar na questão da logística. Embora infraestrutura não fosse item prioritário na agenda nacional de sete anos atrás, sabia que por ele passam a sustentabilidade e a competitividade do agronegócio brasileiro. Tanta persistência deu resultados. Em 2013, o governo executou ações para garantir a manutenção da navegabilidade em mais de seis mil quilômetros de hidrovias federais, além de investimentos em 800 quilômetros de extensão de hidrovias estaduais.

Há muito a fazer, mas é um bom começo. É verdade que a produção de cana-de-açúcar está concentrada na região Centro-Sul. Foi de lá que saíram 532,9 milhões de toneladas, equivalentes a 90,5% da safra 2012/2013. Mais da metade foi produzida no estado de São Paulo, seguido bem distante por Goiás, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul. Na região Nordeste, o principal produtor é Alagoas.

Se a concentração da cana se dá no Centro-Sul do País, os desavisados poderiam indagar o que um sistema multimodal, aproveitando os Mississippis brasileiros, tem a ver com o combustível do futuro. Tudo, respondo sem medo de errar. Nada menos que 57% da produção brasileira de grãos concentra-se no chamado Arco Norte, situado acima do paralelo 16º Sul (aquele que divide o mapa brasileiro cortando ao meio o estado de Goiás). O problema é que, do total de mais de 193 milhões de toneladas produzidas no ano passado, apenas 14% foram escoados pelos portos do Norte e Nordeste.

Isso significa que 86% da safra de grãos continua descendo quase dois mil quilômetros de caminhão, congestionando rodovias e abarrotando os terminais portuários do Sul e Sudeste. Afinal, a concentração geográfica da produção de açúcar também determina um forte direcionamento dos fluxos de exportação pelos portos de Santos-SP e de Paranaguá-PR, por onde foram escoados quase 90% da produção total no ano passado.

Mas vem aí um complexo intermodal que vai desafogar os portos do Sul e Sudeste e suas vias de acesso, escoando a produção de grãos pelo Arco Norte. Esse complexo inclui estradas federais e três hidrovias (do Madeira, Teles-Pires Tapajós e Tocantins), sem contar a ferrovia Norte-Sul com seus dois braços – o Fiol, que vai até Ilhéus, e o Fico, até Mato Grosso. Além disso, estão previstos investimentos nos terminais de exportação do Arco Norte, que terão sua capacidade nominal de operação ampliada de 10 milhões para 50 milhões de toneladas/ano.

Para o etanol, dois grandes projetos estão em curso: os alcooldutos/polidutos de Paranaguá/Norte do Paraná (Sarandi) e o de Caraguatatuba-São Sebastião/Jataí (GO). No caso do Paraná, os dutos passarão por 23 municípios reduzindo o número de caminhões-tanque nas estradas, além do custo da logística.

O segundo projeto é um Sistema Logístico Multimodal, que percorrerá 1.300 km pelos estados de São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Terá capacidade de transporte de 21 milhões de m³ de etanol/ano e de armazenamento de mais de 800 milhões de litros. O futuro já chegou. Os cronogramas dessas obras preveem a operação a partir de 2018.

Hoje, o Programa de Investimento em Logística (PIL) é, para o setor portuário, uma espécie de continuidade da abertura dos portos às nações amigas. Refiro-me àquela abertura decretada por Dom João VI em 1808. Mas a batalha para abrir os portos brasileiros às forças produtivas do País só foi vencida no ano passado.

Primeiro, foi preciso convencer o governo de que, para ser competitivo no mercado internacional, o País precisava de uma nova Lei dos Portos. Em seguida, vencemos o desafio de aprovar essa nova lei no Congresso, abrindo o setor à iniciativa privada. A iniciativa já começa a render frutos. Só nos seis primeiros meses de vigência da nova lei, foram aprovadas autorizações para nove Terminais de Uso Privado (TUPs), e apresentados outros 54 pedidos para a instalação ou ampliação de TUPs.

Ainda olhando para nossa história, engana-se quem pensa que o ciclo da cana-de-açúcar terminou na época do Brasil colonial. Se, por um lado, os canaviais perderam espaço para outras culturas, os novos conceitos de ocupação do território pelo setor rural passam pela composição de espaço, integrando sistemas de produção.

A cana participa desse modelo sustentável de integração, associando-se a outras culturas e, assim, ajudando a aumentar a riqueza no Brasil rural. Promissor é um bom adjetivo para definir o mercado para o etanol, especialmente num momento em que o tema “sustentabilidade” permeia muitos debates, aqui e no exterior. Classificado pela Agência Ambiental Americana (EPA) como combustível avançado, o etanol brasileiro produzido a partir da cana-de-açúcar ainda tem desafios a vencer no que diz respeito às barreiras tarifárias e não tarifárias do mercado mundial. Problemas internos também precisam ser solucionados.

O fato é que, a despeito das dificuldades, o etanol brasileiro abasteceu, em 2013, os mercados norte-americano, da Coreia e da Jamaica. Vendemos 1,63 bilhão de litros para os Estados Unidos, 363,48 milhões de litros para a Coreia e pouco mais de 143 milhões de litros para a Jamaica e para a Holanda. Os embarques totais somaram 2,9 bilhões de litros e renderam ao Brasil quase US$ 2 bilhões. Com o peso desses números, ocupamos o segundo lugar no ranking de produtores e exportadores de etanol.

Os fatos aqui expostos mostram que é essencial ter um modelo sustentável e eficiente para escoar nossas riquezas, aproveitando melhor a energia limpa do etanol. O passado revela, e o presente confirma que a competitividade do agronegócio brasileiro passa por vantagens comparativas, indispensáveis na disputa de mercado com os demais países do mundo. E o futuro promete. Alegra-me o fato de o Brasil estar cuidando, hoje, do seu amanhã.