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José Eduardo Marcondes de Almeida

Pesquisador Científico do Instituto Biológico - APTA/SAA-SP

Op-AA-52

Manejo de pragas da cana
A cana-de-açúcar é a cultura mais importante do Brasil quando se trata da produção de açúcar e de etanol. Com praticamente 9 milhões de hectares plantados no País, a cana é responsável pelo maior desenvolvimento do agronegócio, envolvendo o etanol e a energia. Porém, como toda a cultura agrícola, é atacada por pragas que causam prejuízos desde a parte aérea até as raízes.

O estado de São Paulo produz metade da cana do Brasil, o restante está em torno de 30% no Nordeste, e 20% no Centro-Oeste e no Paraná, e, pelo menos, 5% do custo de produção de açúcar e álcool é atingido pelas pragas. Em São Paulo, a colheita sem queima é uma realidade há quinze anos. 
 
Apesar da prorrogação do prazo para a paralisação total da queima ter se estendido até 2014, as áreas de colheita com fogo praticamente inexistem. Junto com a colheita mecanizada e sem queima, ocorreram mudanças drásticas nas pragas da cana-de-açúcar, sendo o caso mais evidente as cigarrinhas-da-raiz. Os ataques das cigarrinhas-da-raiz da cana estão cada vez mais frequentes e intensos, causando prejuízos que podem atingir a 60% em produtividade agrícola e na qualidade industrial da matéria-prima, através da contaminação com bactérias, perda do açúcar e outros.
 
Com o aumento da demanda de álcool para a produção de biodiesel e exportações desse produto, a área de cana-de-açúcar deverá sofrer um aumento significativo, podendo atingir até mais 2 milhões de hectares em São Paulo, principalmente no oeste do estado, onde ainda são encontradas grandes áreas de pastagens. Houve uma ampliação da área de 6,5% em relação à safra anterior, e a produção obtida foi 5,4% superior, atingindo 255 milhões de toneladas. 
 
O aumento da área plantada de cana trará muitos benefícios para a indústria sucroalcooleira, porém as implicações desse crescimento trarão consequências na área agrícola, principalmente às pragas, tais como a broca-da-cana, Diatraea saccharalis, cigarrinha-da-raiz, Mahanarva spp., bicudo da cana, Sphenophorus levis, entre outras pragas de solo.
 
A mudança climática também tem produzido alterações importantes no comportamento das pragas, principalmente nas regiões mais quentes e secas de São Paulo; é possível observar que as ninfas das cigarrinhas têm sido encontradas em até 50 cm de profundidade, em raízes da soqueira. Já se sabe que não é somente M. fimbriolata, mas outras espécies em maior área são encontradas no estado, como M. spectabilis. 
 
O avanço de bicudo da cana também tem preocupado os produtores, pois é uma praga de solo que pode causar perdas de até 30 ton/ha e de difícil controle. Com isso, grandes quantidades de inseticidas químicos são utilizadas quase em área total, causando grandes desequilíbrios nas populações de pragas e de inimigos naturais. 
 
O Manejo Integrado de Pragas foi desenvolvido há mais de 50 anos e tem como principal filosofia o uso de várias técnicas culturais, varietais, biológicas e químicas para o controle de pragas nas culturas de interesse econômico, tendo como princípio a utilização das técnicas mais sustentáveis, como variedades resistentes, técnicas culturais, monitoramento das pragas, os agentes de controle biológico e, por fim, os inseticidas químicos, de preferência os menos tóxicos, devendo ser aplicados quando o nível de controle da praga atinge um patamar perigoso para a cultura. 
 
Porém essa metodologia de manejo nem sempre é levada em consideração, pois nem sempre se conhecem esses níveis de controle e danos econômicos da maioria das culturas, sendo que se aplicam inseticidas químicos de maneira indiscriminada até, pois, muitas vezes, não há necessidade de uso deles.
 
A expansão da área plantada de cana-de-açúcar no Brasil, a mecanização da colheita e as mudanças climáticas têm favorecido o aumento da população das cigarrinhas-da-raiz, broca-da-cana e bicudo da cana, sendo necessárias medidas de controle que facilitem o equilíbrio da população dessas pragas, mesmo com o uso de defensivos químicos, porém sempre como medida curativa e não preventiva, pois, somente dessa forma, será possível a sustentabilidade da produção industrial da cana no País, diminuindo impactos e melhorando a convivência com essas pragas. 
 
A broca-da-cana, D. saccharalis, tem sido mantida sob controle através da liberação da vespinha Cotesia flavipes, introduzida no Brasil desde 1974. Nos últimos anos, esse parasitoide reduziu perdas de até US$ 100 milhões por ano, sendo US$ 20 milhões em São Paulo, reduzindo a infestação da praga de 10% para 2%.

O parasitoide de ovos Trichogramma galloi também tem sido usado no controle da broca, podendo chegar a 60% de controle quando associado à C. flavipes. Nas áreas de expansão da lavoura de cana, o fungo Beauveria bassiana pode ser utilizado para o controle de lagartas da broca-da-cana no primeiro instar, devendo ser pulverizado na dosagem de 6x1012 conídios/hectare pelo menos.
 
As cigarrinhas-da-raiz, Mahanarva spp., são consideradas as pragas mais importantes da cana-de-açúcar no estado de São Paulo, no Centro-Oeste e no Nordeste do Brasil, desde que a colheita passou a ser mecanizada. A estratégia de controle das cigarrinhas-da-raiz inicia-se com o monitoramento da praga, que deverá ser realizado no início do período chuvoso e durante todo o período de infestação, para que se possa acompanhar a evolução ou o controle da praga. O monitoramento é imprescindível para decidir sobre a estratégia de controle da praga, sendo que a detecção da primeira geração permite um controle mais eficiente, principalmente através do fungo Metarhizium anisopliae.
 
O controle biológico com o fungo M. anisopliae se desenvolveu em lavouras paulistas e atinge uma área de, aproximadamente, 350.000 ha, com aplicações tratorizadas e aéreas. Se somarmos as áreas de cigarrinhas-da-raiz e cigarrinha-das-folhas no Nordeste, a área de aplicação com o fungo entomopatogênico chega a mais de 1,5 milhão de hectares. 
 
O bicudo da cana, S. levis, também é uma importante praga dos canaviais no estado de São Paulo e no Brasil. Não é possível controlar o bicudo da cana com uma única estratégia; o manejo integrado, através de várias práticas de controle permite que se consiga um equilíbrio da população da praga e uma “convivência”, visto que não será mais possível eliminar esse inseto da lavoura.

Portanto a prevenção através de vistoria das mudas de cana antes do plantio, bem como o conhecimento da procedência dessas mudas, de uma área não infestada, é fundamental para se evitar a propagação desse inseto. Os principais métodos de controle, assim que se tem conhecimento da praga na lavoura, são destruição de soqueiras, controle biológico e controle químico com iscas tóxicas.
 
Diante do cenário exposto, principalmente com essas pragas, é importante que haja uma reflexão sobre a aplicação contínua de inseticidas químicos, sendo que, basicamente, são três moléculas tóxicas que se tem usado para o controle desses insetos. A contínua aplicação desses defensivos químicos irá causar contaminações ambientais e populações das pragas resistentes a essas moléculas, levando a prejuízos ainda maiores. 
 
Por outro lado, o uso de técnicas biológicas depende de produtos disponíveis no mercado em condições de atender a essa demanda. Atualmente, são 55 empresas que produzem fungos entomopatogênicos, e aproximadamente 20 empresas produzem parasitoides para a cana, sendo necessários mais. 
 
O Estado tem procurado dar suporte nesse quesito, apoiando o desenvolvimento de novas produções ou aumento de quantidade de fungos entomopatogênicos. O Instituto Biológico (SAA-SP/APTA) possui um programa de assessoria técnica para produção de bioinseticidas à base de fungos entomopatogênicos, com fornecimento de cepas selecionadas para essas principais pragas da cana. Há 17 anos, o IB já assessorou 54 dessas empresas.

Além disso, desenvolve pesquisas para métodos de produção por fermentação líquida e formulações, imprescindíveis para o desenvolvimento do controle biológico. Porém é necessário que as empresas e o governo estimulem inovações nessa área, tanto para pesquisa como comercialização e aplicação. Pesquisas com novas moléculas químicas e outros sistemas de controle também são importantes para a sustentabilidade da produção de cana-de-açúcar em São Paulo e no Brasil.