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Gustavo Spadotti Amaral Castro e José Dilcio Rocha

Chefe-geral e Pesquisador da Embrapa Territorial, respectivamente

OpAA72

Rotas para transição energética à brasileira
Transição energética para uma economia de baixo carbono é o tema dominante no cenário de energia mundial. Significa basicamente substituir energia de combustíveis fósseis e nucleares por fontes renováveis, como a bioenergia, os biocombustíveis, e as fontes naturais, como solar e eólica. Os países têm aderido, de modo crescente e voluntário, ao uso das renováveis, mas esse uso depende de políticas públicas e disponibilidade de tais recursos no seu próprio território. 
 
Segundo os dados da Agência Internacional de Energia e da Empresa de Pesquisa Energética, a participação das fontes renováveis no consumo de energia mundial foi de 13,8% em 2018. Considerando os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), as renováveis foram responsáveis por apenas 11% da matriz energética naqueles países, em 2018. 

Essa fatia é bem menor que a verificada para o Brasil, que, em 2020, foi de 48,4%. Portanto, se a transição energética tão almejada e necessária fosse um dever de casa, nós brasileiros já a teríamos feito! 

Sabemos que não é apenas isso, mas já temos um excelente ponto de partida nesse campeonato por mais renováveis e menos emissões de gases do efeito estufa, especialmente aqueles oriundos de depósitos de petróleo e gás, ou seja, não pertencentes ao ciclo de carbono da superfície terrestre. 

A eletrificação das frotas, tanto de veículos de carga como de automóveis, tem sido defendida como um dos caminhos para atingir o novo patamar de redução das emissões. 

Porém, se a eletricidade usada no setor de transporte tiver como fontes o carvão mineral, petróleo e gás natural, a redução das emissões e a busca por uma matriz energética mais limpa estarão longe de serem alcançadas. Uma das opções é gerar a energia elétrica no próprio veículo, geração embarcada, usando células de combustível alimentadas com etanol. 

Essa rota tecnológica impactará diretamente o setor sucroenergético brasileiro e também a produção de etanol de milho. É uma alternativa viável que interessa ao País, aos produtores de cana e de grãos, além da Embrapa.

Na Embrapa Territorial, trabalhamos com gestão, inteligência e monitoramento das cadeias produtivas agropecuárias e agroenergéticas. Com o uso de geotecnologias, podemos identificar as fronteiras agrícolas, a abertura de novas rotas de logísticas e o desenvolvimento regional promovido pelo uso de biocombustíveis. Com um olhar analítico que começa “lá de cima”, utilizar dados espaciais é como chegar a uma cidade por via aérea. Trabalhamos com imagens de satélite de alta resolução para podermos planejar estrategicamente o futuro das cadeias produtivas de biomassa para energias, fibras e para alimentos.

O uso de veículos elétricos não está fundamentado em apenas uma tecnologia, mas em diversas opções tecnológicas. Várias montadoras têm apostado em distintas capacidades de desenvolvimento. O Brasil, contudo, possui muitas oportunidades viáveis a serem aproveitadas com o próprio uso do etanol como fonte de eletricidade. 

A sua adição em larga escala mundial poderá mitigar as emissões e trazer os benefícios ambientais desejados. Para a popularização do uso do etanol, os países tropicais deverão ampliar a produção de etanol de cana e milho, e os países temperados deverão igualmente aumentar sua produção de etanol de cereais. Projeta-se que o Brasil, com a sua vasta experiência e escala produtiva estruturada, possa não só exportar etanol como combustível, mas também toda a tecnologia envolvida nesses processos produtivos, industriais e logísticos.

Pensando na venda internacional de etanol, temos que mensurar os benefícios que poderiam ser auferidos pelo aumento da capacidade de produção de etanol, a fim de atender à demanda externa. Um veículo equipado com motor elétrico consome menos da metade do que o mesmo veículo com motor a combustão interna. 

O primeiro desafio para atingir os volumes demandados pelo mercado passa por identificar, qualificar e quantificar os territórios envolvidos na dinâmica da produção agrícola necessária e também mapear a quais mercados atenderia. Em seguida, seria preciso traçar o mapa dos modais de escoamento e prever as novas infraestruturas indispensáveis para o armazenamento e escoamento até os pontos de consumo interno e os portos de origem e destino das exportações. Em termos de tecnologias inovadoras, o País possui iniciativas a serem exploradas e ampliadas; podemos citar tanto o etanol de celulose como o etanol de milho brasileiro em sinergia com a cana, como a cogeração em alta eficiência com biomassa florestal, a produção de biogás de vinhaça e torta de filtro, a produção de biometano, a produção de hidrogênio verde, a recuperação do CO2, etc.

Além da eletrificação de veículos leves via reforma embarcada de etanol e uso da tecnologia de células de combustível, também é preciso pensar na geração descentralizada (GD) em centrais termelétricas com a queima limpa de etanol, uma rota já testada aqui no Brasil, mas nunca adotada comercialmente. O potencial de GD com etanol é igualmente gigantesco em termos de potência gerada e de mitigação das emissões. 

Esse setor é mundialmente dominado pela queima de carvão mineral, e a substituição ou queima conjunta (cofiring) de etanol poderia reduzir patamares de emissões de gases de efeito estufa (GEE) a níveis consideráveis. Talvez não faça muito sentido queimar etanol em termelétrica no Brasil, cuja base de geração é hídrica e complementada com gás natural, porém, em países que queimam ostensivamente carvão mineral, seria uma mudança radical.
 
A produção brasileira de etanol é de 32 bilhões de litros; já foi de 35 bilhões de litros em 2019. Considerando a triplicação dessa produção com vistas no promissor mercado externo, se elevaria a produção a quase 100 bilhões de litros anuais; isso é quase o dobro da produção americana baseada no milho, o maior produtor mundial de etanol. 

O País conta hoje com um parque fabril de 400 usinas processadoras de cana e outras 20 que processam milho. A sua ampliação será necessária, porém não linearmente. O programa RenovaBio é capaz de transformar a usina e melhorar muito o seu rendimento no médio prazo. Teremos uma concepção muito mais elaborada da biorrefinaria entregando múltiplos produtos, com mais altos rendimento e qualidade do que as atuais usinas.

Definitivamente, o Brasil poderá se tornar um dos grandes provedores de etanol para o mundo e sua frota eletrificada, com baixa emissão e alta eficiência. A logística interna da usina ao porto para atender ao mercado externo será muito semelhante à logística de grãos praticada atualmente no País. Por ser uma commodity líquida, o uso de dutos deverá ser prioritário. O etanol tem que se transformar na cachaça do setor energético mundial. E o Brasil, o seu principal fornecedor, usuário e provedor de soluções tecnológicas. Esse é um sonho possível, basta querer.