Me chame no WhatsApp Agora!

Rui Chammas

Presidente da Biosev

Op-AA-42

Setor forte, futuro sustentável

A história recente do setor sucroenergético tem sido marcada por dificuldades que ainda lutamos para superar. Uma visão mais abrangente, porém, demonstra o quão importante esse segmento tem sido para a história de nosso país. Para o futuro, superadas as dificuldades – como certamente serão –, esse setor será um dos pilares do desenvolvimento sustentável da economia e da sociedade brasileiras. Nosso setor é, por natureza, sustentável.

Mais do que isso, se encaixa perfeitamente na definição de “desenvolvimento sustentável” como apresentada pela primeira vez em 1987, com a publicação do relatório “Nosso Futuro Comum”, pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU (WCED). Desde a publicação desse documento, o termo deixou de ser uma abstração para se tornar um imperativo.

O desenvolvimento que não seja sustentável não merece ser reconhecido como desenvolvimento. Ainda hoje, muitos acreditam que a palavra “sustentável” se aplica apenas a ações diretamente relacionadas ao meio ambiente. Seu sentido, porém, é muito mais amplo. Sustentabilidade, num negócio ou na indústria – assim como na vida de pessoas e nações –, significa balancear expectativas e calibrar atuações, chegando a um equilíbrio entre impacto ambiental, engajamento social e desempenho econômico.

Exatamente o que vemos no setor sucroenergético, apesar de todos os desafios que ele enfrenta. Em termos sociais, nosso setor foi o motor de avanços que seriam inimagináveis até pouco tempo atrás – e que continuavam inimagináveis até o momento em que se tornaram realidade. A mecanização e a descentralização foram os vetores desses avanços. A mecanização das lavouras de cana-de-açúcar revolucionou a relação com trabalhadores agrícolas.

Em poucas safras, surgiram vagas mais bem remuneradas, que exigiram um esforço de treinamento e capacitação que se traduziram em uma qualidade de vida mais elevada e em maior renda a esses profissionais. Todo esse desenvolvimento foi viabilizado pelo aumento de produtividade gerada pela própria mecanização. Por outro lado, a busca por novas fronteiras – em particular no estado de Mato Grosso do Sul e em outras áreas da região Centro-Oeste – ajudou a descentralizar a indústria e a distribuir melhor a riqueza gerada pelas usinas do País. Pequenos municípios do interior viram suas receitas crescerem.

Os serviços públicos melhoraram, a oferta de empregos aumentou. Como resultado, esses municípios conseguiram manter sua população e vocação rural, reduzindo a migração, que apenas faz acentuar o empobrecimento das periferias das grandes metrópoles. O efeito do setor sucroenergético no meio ambiente é outro fator que o torna uma das indústrias mais sustentáveis da economia.

O plantio da cana, assim como sua transformação em açúcar e energia, resulta em captura líquida de CO2 da atmosfera, contribuindo para mitigar os perversos efeitos do aquecimento global. Essa cultura ainda tem uma característica única, em benefício do ambiente. Ela é uma soma de extração zero – a cana-de-açúcar retira do solo apenas oxigênio, carbono e hidrogênio, exatamente os componentes de seus produtos: açúcar, etanol e energia.

Tudo o que é retirado pela planta retorna ao solo na forma de vinhaça, utilizada na fertirrigação, e em resíduos industriais neutros, completando um ciclo perfeitamente sustentável. O maior benefício da cultura de cana para o meio ambiente, entretanto, é o mais visível: seu papel, na forma de etanol, como substituto para combustíveis fósseis.

Em lugar de uma cadeia com severos impactos ambientais, desde sua extração até o processo de transformação e queima, característica de derivados do petróleo, o etanol é parte de uma cadeia sustentável e que, em termos líquidos, beneficia o meio ambiente. Mesmo com todo o avanço e o desenvolvimento promovidos através do setor, seu potencial apenas começou a ser aproveitado, com muito mais ainda a ser explorado em benefício da sociedade.

As potenciais inovações relacionadas à nossa indústria são enormes. Exemplo disso é a iniciativa de transformar usinas em verdadeiros pólos energéticos cada vez mais eficientes. Nessa configuração, é possível utilizar da melhor forma toda a biomassa gerada pelos canaviais, desde o bagaço da cana até a palha deixada nos campos após a colheita, alimentando sistemas que ajudam a reduzir o consumo interno de energia.

A modernização dos parques de caldeiras e o desenvolvimento de tratamentos químicos renováveis são outras facetas desse ainda enorme potencial do setor. Incontestes que são as contribuições positivas do setor sucroenergético nos âmbitos social e ambiental, resta falar de sua dimensão econômica. E é exatamente aí que estão as raízes dos desafios que nossa indústria enfrenta atualmente.

 O mercado de açúcar tem a característica de ser cíclico e global. Isso significa que, em condições normais, haveria uma alternância de períodos de déficit e de superávit de oferta. Em momentos de escassez de produto, os preços sobem, alimentando ondas de investimento que, por consequência, levariam a superávits. Nesse segundo período, as margens se apertam, o investimento rarea, assim como a oferta, reiniciando todo o ciclo.

Vivemos um ciclo de baixas margens sem precedentes na história de nossa indústria. Sua origem foi o entusiasmo do setor com uma sinalização do Governo Federal sobre o futuro da estratégia energética de longo prazo para o País. O Plano Decenal 2022, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia em 2013, renova aquela sinalização inicial. O documento projeta um papel cada vez mais importante para o etanol na matriz energética brasileira.

De um consumo de 11,5 milhões m3 de etanol hidratado em 2013, a demanda, em 2017, subiria para 26,6 milhões m3 e, em 2022, para 32,8 milhões m3. A sinalização original do governo, registrada nesse documento de 2013 do próprio Ministério de Minas e Energia, foi dada em meados da década passada. Na ocasião, isso desencadeou investimentos maciços entre 2002 e 2008.

No período, a capacidade de moagem de cana no Centro-Sul brasileiro, maior região produtora do mundo, passou de 300 milhões de toneladas por ano para mais de 600 milhões de toneladas. Algo incompreensível, porém, ocorreu. Em lugar de apoio, nosso setor, um dos mais completos exemplos de desenvolvimento sustentável, que tantos benefícios e vantagens traz a nosso País – virtudes reconhecidas em todo o mundo e incorporadas no próprio planejamento de longo prazo da nação –, recebeu fortes desincentivos à produção.

Desde 2007, 58 usinas fecharam as portas apenas no Centro-Sul. Neste ano apenas, serão 12 usinas encerrando suas atividades. Em dois anos, o setor de açúcar e álcool foi obrigado a fechar mais de 60 mil vagas de trabalho. Ao passo que nossa indústria assimilava esses sinais negativos, o Brasil partiu para abastecer grande parte do crescimento de consumo de combustíveis com gasolina importada ou com nafta petroquímica, desviada de seu fim original para ser queimada como combustível em veículos (exigindo importação adicional de hidrocarbonetos fósseis para abastecer o setor químico nacional).

Essa situação é, sem dúvida alguma, resultado de uma solução para o abastecimento da nação totalmente desalinhada com a estratégia originalmente traçada. O renascimento de nossa indústria, ainda mais sustentável do que jamais foi, passa pelo estabelecimento de uma política de longo prazo coerente, com regras claras, para nosso setor. É fundamental que se defina o real papel esperado e reservado ao etanol e à bioeletricidade na matriz energética brasileira.

A partir dessa definição, será possível adotar medidas que levem em conta e respeitem o real valor do setor para a economia e para o desenvolvimento do País. As vantagens dos biocombustíveis são claras, tanto em termos sociais como ambientais, o que torna praticamente imperativa a valorização dessas características positivas em relação a combustíveis fósseis, mais poluentes.

A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) pode ser, como já foi no passado, o veículo para adequar o cenário de preços de combustíveis, tornando aqueles produzidos a partir de fontes renováveis mais atraentes para o consumidor. A reinstituição da CIDE traria impacto positivo de curto prazo para o setor, corrigindo uma já antiga distorção nos preços dos biocombustíveis. Essa medida ajudaria, ainda, a estabelecer um novo equilíbrio na relação de oferta e demanda de açúcar.

Essa pode ser a porta de saída do ciclo de baixa que, pelos últimos quatro anos, tem prejudicado nosso setor. Essa medida seria, também, o ponto de partida para o redesenho da estratégia de longo prazo para a matriz energética brasileira, estabelecendo ações sólidas e coerentes que levem à criação de marcos regulatórios claros que abram caminho para novos investimentos em nossa indústria.

Como brasileiros, confiamos que nossos governantes terão a mesma clareza que temos no valor do setor sucroenergético para o País. Acreditamos que também compartilharão do entusiasmo que temos e do racional  de nossas  propostas que nos permitirão levar definitivamente nosso País à vanguarda da sustentabilidade em todas suas dimensões, liderando e mostrando o caminho para outras nações.