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Arthur Padovani Neto

Diretor da Aliança Engenheiros Associados

Op-AA-15

Aspectos positivos da bioeletricidade

O termo bioeletricidade designa a energia da qual a fonte primária é a biomassa. Uma parcela dessa forma de energia é gerada nas usinas, em sistemas de cogeração. Algumas usinas, através de melhorias implantadas em seus processos, obtiveram significativas sobras de bagaço que, direcionadas à geração de energia em ciclos de condensação, possibilitaram incrementar em cerca de 40% os excedentes de energia elétrica.

Nessas plantas, a expectativa de geração de excedentes de energia elétrica passou de 50, para 70 kWh/tC. Obviamente, as sobras de bagaço, assim como a cogeração, estão associadas ao processo produtivo do açúcar e do álcool. As operações relativas à movimentação do bagaço para estocagem implicam em elevados custos. Assim, sempre que possível, a geração de energia nos ciclos de condensação e cogeração ocorre de forma concomitante ao período de safra, conferindo a toda energia excedente o caráter de energia sazonal.

Hoje, já existe consenso no planejamento do sistema elétrico, de que, sobretudo na região Centro-Sul, onde o período de safra coincide com o período seco, esta parcela de bioeletricidade assume um importante papel de “energia de acumulação”, visto que possibilita o acúmulo de água nas barragens durante o período seco, de forma a propiciar maior confiabilidade ao nosso sistema de geração, que opera com elevada concentração hidráulica.

Assim, se o contexto da tecnologia, que atualmente é aplicada nas usinas na geração dos excedentes de energia elétrica, for devidamente expandido a toda agroindústria da cana-de-açúcar, para uma safra de moagem total estimada em 500 milhões de toneladas de cana, o total de energia exportada, no período de safra – estimado em 5.000 h – atingiria cerca de 35 milhões de MWh, que equivalem a uma potência média de 7 mil MW.

Somente para efeito de comparação, esta potência corresponde a mais de 50% da capacidade da Usina de Itaipu, operando a plena carga (12,6 GW). A energia excedente gerada pelas usinas permitiria a formação de um lago, a montante da represa de Itaipu, que acumularia, em 5.000 h, quantidade de água equivalente a 50% do total extravasado, através do canal de fluxo das 18 turbinas, operando a plena carga.

Se considerarmos que a vazão de cada turbina é de cerca de 700 m³/s, o pressuposto lago acumularia o equivalente a 9 vezes a vazão do Rio Tietê, no estado de São Paulo, e atingiria, no final da safra, volume superior a 100 bilhões de m³. É importante salientar que esta projeção do total de energia excedente que as usinas poderiam suprir ao sistema elétrico, que é feita admitindo que todas as plantas operem dentro das condições e parâmetros preestabelecidos, dificilmente ocorrerá no contexto da situação atual, em que são enfrentadas seríssimas dificuldades de acesso ao sistema e os preços estipulados nos leilões não remuneram a energia gerada em plantas industriais, com baixa capacidade de moagem ou com necessidade de substituição de caldeiras, que operam à pressão de 22 bars por novas caldeiras, operando à pressão de 66 bars.

Observa-se que estas projeções deverão ser revistas, de acordo com o crescimento da safra da cana-de-açúcar, pois a geração de excedentes de energia elétrica, no contexto da tecnologia em foco, é diretamente proporcional à cana moída. Observamos ainda que os excedentes de energia elétrica, calculados em 70 kWh/tC, ocorrem em sistemas que utilizam caldeiras, gerando vapor à pressão de 66 bars e temperatura de 490 ºC.

A utilização de caldeiras operando a pressões e temperaturas maiores certamente permite acrescer em até 20% o valor dos excedentes de energia. Um incremento significativo na disponibilização da bioeletricidade pelas usinas deverá ocorrer em decorrência da viabilização da utilização do palhiço da cana-de-açúcar. O palhiço constitui uma quantidade enorme de biomassa, que tradicionalmente era consumida em queimadas ou deixada no campo, para que se incorporassem ao solo.

A vinda do palhiço do campo para a indústria tem sido objeto de seguidos estudos e experiências, que convergem para resultados positivos e que indicam que no curto prazo poderemos contar com mais esta fonte primária de energia. A logística para transporte do palhiço, certamente envolverá uma fase de estocagem, que possibilitará estender a geração ao período da entressafra.

Assim, em um primeiro passo, poderíamos estender a operação dos ciclos de condensação, previstos por conta das sobras de bagaço, por cerca de mais 3.700 h. Se considerarmos uma safra de 500 milhões de toneladas de cana, a capacidade total das máquinas de condensação instaladas nas usinas atingiria a casa dos 2.500 MW e, conseqüentemente, o incremento na geração de energia durante o período de entressafra seria da ordem de 9 milhões de MWh, que poderiam se refletir na forma de energia firme, visto que, na safra, as usinas já dispõem de 35 milhões de MWh.

A localização geográfica das usinas, na proximidade dos grandes centros de carga, caracterizaria esta parcela de energia como geração distribuída, agregando ao sistema elétrico benefícios, como a redução das perdas elétricas e a postergação de investimentos. Neste contexto, conclui-se que a bioeletricidade pode, de pronto, assumir papéis de importância para o sistema elétrico, tanto no sentido de conferir maior confiabilidade, quando absorvida na forma de energia de acumulação, quanto de incorporar o equivalente a 1.000 MW, na forma de geração firme distribuída. Evidentemente, a disponibilização desta energia pelas usinas não se traduz na solução dos problemas que por ora enfrentamos, mas poderá contribuir, de forma bastante positiva, no sentido de proporcionar uma trégua, para que o nosso sistema elétrico possa ser adequadamente planejado.