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Ismael Perina Junior

Presidente da Orplana

Op-AA-34

Como lidar com a questão da representatividade num setor, hoje, tão heterogêneo?

Para poder discorrer sobre esse assunto, vou me permitir voltar um pouco ao passado e analisar uma situação que foi vivenciada neste país ao longo de muitos anos. Realmente, apesar das dificuldades, todo processo de representação, de certa forma, era facilitado, pois a interlocução com o governo era quase toda alicerçada na discussão de preços condizentes com os custos de produção.

Os preços eram administrados pelo Governo Federal, e cabia aos representantes de toda a cadeia produtiva defender o cumprimento para a elaboração dos preços e levantamentos dos custos realizados por empresas contratadas pelo próprio governo.

Como esses custos de produção já contemplavam algumas características regionais e diferenciais com relação à produtividade, ficava muito fácil articular e ter voz única na defesa dos interesses do setor, quase nunca existindo discordância de seus partícipes. Ou seja, cabia ao setor produtivo brigar para que os preços de açúcar, etanol (álcool à época) e cana-de-açúcar fossem remuneradores.

Tudo muito simples e muito eficaz. E todo mundo vivia feliz, apesar de alguns gargalos, devido à alta inflação; às vezes, as correções demoravam a acontecer, mas tínhamos, em cada reajuste de preço, um valor que acabava sendo incorporado aos estoques existentes, inclusive retornando parte para a cana-de-açúcar que já havia sido entregue pelos produtores. Com a desregulamentação de preço, que ocorreu no final da década de 1990, esse entendimento começou a ser dificultado.

Lembremo-nos de que se tratava de um setor em que as lideranças, basicamente, dependiam de um bom relacionamento com os representantes do Poder Executivo. À época, os empreendimentos eram quase cem por cento familiares e administrados pelas próprias famílias, com uma carga bastante forte de paternalismo.  

Logo de saída, formaram-se, tanto do lado dos usineiros como também dos produtores, dois grupos distintos que jamais teriam possibilidade de se articular em defesa de um setor comum, pois um grupo defendia fortemente a manutenção das características anteriores, ou seja, o retorno dos preços administrados pelo governo, e outro grupo defendia realmente o livre mercado.

Desse momento em diante, nunca mais o setor conseguiu ter voz única e, com certeza, como um todo, perdeu. Mas entendo que o Brasil ganhou, pois permitiu, após esse período, em curto intervalo de tempo, praticamente dobrar sua produção. Volto a lembrar, porém, que tal fato ocorreu com o sacrifício de muitas empresas e produtores.  

A busca por ganhos de produtividade passou a fazer parte do nosso cotidiano de uma maneira mais efetiva, com as coisas realmente caminhando para ganhar mercado pela competitividade, fazendo com que a exportação de açúcar crescesse assustadoramente. As empresas começaram, então, a trabalhar com forte visão sobre a necessidade de melhorar a escala de produção como grande agente de redução dos custos.

Nessa fase, grandes grupos começaram a se consolidar, e alguns deles já com participação de empresas multinacionais, fazendo com que a representação ficasse ainda mais complexa, pois os interesses passaram a ser mais diversos, dificultando gradativamente a interlocução com o governo.

Como o setor é ainda bastante heterogêneo em vários aspectos, creio que o estabelecimento de uma representação para trabalhar os pontos comuns aumentou ainda mais a dificuldade. Temos grandes grupos, basicamente com independência financeira, em que o negócio “cana” representa muito pouco e, na outra ponta, temos médios e pequenos grupos, em que a representatividade é quase total.

Temos produtores independentes nas diferentes regiões do País, onde existem produtividades díspares, com diferentes custos de produção por vários motivos, e que, quando chega o momento de se colocar uma proposta na mesa para discussões, os interesses são diversos, causando, certamente, muitas dificuldades.  

Existe ainda um grande número de pequenos produtores que, principalmente, devido à baixa rentabilidade nessas últimas safras, tiveram a sua produtividade comprometida e enfrentam dificuldades no processo de mecanização. Para outros que já avançaram bastante nesse quesito, certamente, a pauta é muito distinta, sem falar das diferenças enormes da produção nas regiões Centro-Sul e Norte-Nordeste, que também têm grandes diferenças quanto aos pleitos junto ao Governo Federal.

Planejamento, políticas públicas, maior atenção e boa vontade por parte de nossos governantes seriam fundamentais para as melhorias necessárias. Embora o jogo de interesses esteja muito presente, a política de preços da gasolina foi responsável, certamente, por parte dessa grande tragédia que se anuncia.

No momento necessário, o governo deixou de agir e provocou grandes perdas aos produtores, que se irradiaram para um grande número de empresas de produção de equipamentos, serviços e outras tantas que fornecem para a indústria sucroenergética – participantes desse grande setor gerador de emprego e renda no campo e nas cidades do interior do País.  Esse setor é responsável pelo abastecimento de açúcar do Brasil e produz enorme excedente exportável que movimenta, por conseguinte, muitos outros setores e gera importantes divisas.

É responsável por fabricar um combustível limpo, cuja produção melhora efetivamente as condições sociais e ambientais. E, destaque-se, só não acelerou mais ainda a produção de energia elétrica – consolidando a expressão de “uma Itaipu adormecida” –, por falta de incentivos aos investimentos e de regras claras de comercialização que permitiriam às empresas ter rentabilidade.

Sinceramente, da forma como hoje se encontra o setor sucroenergético, é muito difícil tomar qualquer tipo de atitude conjunta que atenda aos interesses de todos. Mesmo que chegássemos ao consenso sobre alguns pontos, dificilmente avançaríamos, pois o número de Ministérios envolvidos com a atividade passa dos dez, e, certamente, as discussões seriam infindáveis.

Mas uma coisa é certa e atenderia, talvez, à grande maioria dos envolvidos com o setor: a definição, por parte do Governo Federal de uma política pública efetiva para a produção de etanol, que passasse pela política de combustíveis como um todo e permitisse simplesmente aos produtores agrícola e industrial terem renda em suas atividades.

Isso traria enormes benefícios, pois a segurança na produção do etanol permitiria um ajuste na produção de açúcar, equilibrando seus mercados, estimulando novos investimentos e promovendo o desenvolvimento dos municípios do interior e das empresas neles instaladas.

Na mesma linha, a Petrobras teria o seu rombo diminuído com uma menor importação de gasolina. Seria criado, assim, um ambiente muito mais favorável aos integrantes de toda a cadeia produtiva, para voltarem a ter interesses comuns, discutir e pleitear de maneira pró-positiva, ajudando, efetivamente, o desenvolvimento deste nosso Brasil.