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Antonio Cesar Salibe

Presidente Executivo da UDOP

Op-AA-44

Crise versus oportunidade

O tempo nos mostra inúmeros exemplos. Desde há muito, o ser humano tem provado ser capaz de se superar em situações extremas. Talvez esse instinto de sobrevivência é o que tenha tornado capaz nosso desenvolvimento intelectual e cognitivo no processo de evolução de milhões de anos. O termo atual para a capacidade do ser humano de se desenvolver, mesmo após forte trauma, é a resiliência, tão frequente em palestras motivacionais e mesmo nas rodas de psicólogos e catedráticos.

Pois bem, essa mesma capacidade inata do ser humano, de se superar, pode ser aplicada para outras formas de vida? Para outros processos e sistemas? Para o setor bioenergético, por exemplo? Com base nesses temas, gostaria de discutir quais, no meu ponto de vista, devem ser os passos que devemos adotar para retornar essa cadeia de negócios na mola propulsora, que foi, do desenvolvimento nacional e como podemos transformar, de uma vez por todas, nosso potencial em algo real, no efeito manifesto que é tão almejado nas grandes corporações e perseguido por tantos CEOs no mundo todo.

O cenário em que vivemos hoje, quando o assunto é cana-de-açúcar, é o de desalento total. Produtividades muito abaixo das médias históricas, rendimentos aquém do passado recente, falta de investimentos no básico e cobranças urgentes para uma melhora, sem a qual estaremos fadados ao pântano das obras inacabadas, das brilhantes ideias que, por má gestão, desinteresse ou casos fortuitos, nunca saíram do papel ou foram sepultadas pelo inexorável tempo que tudo corrói.

Mais que o acúmulo de anos, ou dias bem vividos, a experiência nos faz compreender como algumas práticas que deram certo no passado, se bem aplicadas e adaptadas no presente, podem render ótimos resultados. Inclusive no futuro. Vejamos o exemplo da crise energética mundial da década de 1970, quando o mundo acordou com os preços estratosféricos de seu principal insumo energético: o petróleo. A saída: buscar alternativas que pudessem colocar o Brasil numa posição privilegiada.

Nesse contexto, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), que neste ano completa 40 anos, surgiu como essa alternativa e proporcionou uma revolução sem precedentes na história do País e, por que não dizer, sem falsa modéstia, do mundo. Para nos concentrarmos numa região apenas, vamos nos ater ao oeste paulista e às consequências do Proálcool para essa região, considerada, por muitos, como a última fronteira agrícola do estado de São Paulo.

Pois bem, damos um salto até meados da década de 1980 e vemos que essa região ganhou cerca de 50 novas destilarias autônomas e, com ela, um contingente enorme de novos profissionais sem qualquer entendimento do que era a cana-de-açúcar e como ela se desenvolveria sobre as pastagens, já degradadas daquela época. A inexperiência, traduzida como a crise de conhecimento desses profissionais, trouxe o associativismo como alternativa importante para a troca de experiências, afinal, os problemas eram semelhantes, e nada melhor que discuti-los em conjunto a fim de buscarmos soluções que servissem a todos.

Com isso, surgiram inúmeros cursos de capacitação e qualificação profissional, de entidades como o Planalsucar ou mesmo a UDOP, que tinham, no seu DNA, essa ideia da troca de informações e sistemas de produção, que, aliada ao estudo de novas variedades, trouxe uma expertise aos profissionais de então, que hoje estão nas linhas de frente das melhores usinas do Brasil.

Ainda considerando que velhas ideias possam ser estimuladoras de novas ações e que a expansão do setor entre os anos de 2005 e 2010, com o incremento em mais de 100% na produção de cana e no número de usinas, podemos observar que, mais uma vez, a demanda de mão de obra qualificada não acompanhou esse novo cenário, o que trouxe, com certeza, alguns profissionais ainda inexperientes que devem se apoiar nos resultados do passado para criarmos um novo futuro.

Capacitar, então, esses profissionais deve ser condição sine qua non se quisermos reviver os bons resultados em termos de produtividade e rendimentos, tanto na área agrícola como na própria indústria. Mas só essa capacitação, por sua vez, pode ser insuficiente para a retomada de novo fôlego. Devemos agregar às práticas atuais a expertise das tecnologias que funcionaram no passado. Não se trata apenas de saudosismo puritano, mas aquilo que é bom deve ser copiado, replicado e aperfeiçoado.

Virei, nos últimos anos, um ferrenho defensor do retorno de práticas há muito esquecidas, talvez presentes, hoje, apenas na memória de alguns profissionais. Dentre elas, destaco o viveiro de mudas, tão aplicado no final da década de 1980 e tão necessário na atual conjuntura. As adaptações da época podem, e devem, aperfeiçoar as técnicas do passado. Hoje, o desafio das gigantes multinacionais é pela cana sadia, pela muda sadia, princípio básico dos viveiros de muda.

Ouso dizer que o atual estágio de produtividade do setor, com casos de apenas 70 toneladas de cana por hectare, se deve, numa grande parcela, à desatenção a esse detalhe importante. Nunca se plantou tanta cana comercial, sem qualquer busca pela qualidade dessa matéria-prima. Todo geneticista sabe que, de uma base (origem) pobre, a tendência é que nasçam filhos igualmente pobres, entenda-se aí nos índices de ATR (açúcares totais recuperáveis), para citar apenas esse quesito.

Criar novas tecnologias e sistemas de produção para essa nova cana que temos é outro importante desafio. Hoje, temos uma nova cana, plantada e colhida mecanicamente e, por isso, com novas características. Defendo que os institutos de pesquisa devam se debruçar sobre essa nova cana. Estudar a fundo seus resultados, levando-se em consideração variáveis que antes eram totalmente, ou quase totalmente, desconhecidas, como o maior pisoteio das soqueiras, as impurezas vegetais e minerais, enfim, uma gama de novos desafios que, se não equacionados, continuarão impactando nossos resultados.

Outro dever do setor é o de readequarmos a forma de pagamento da cana-de-açúcar. A maior concorrência por terras fez os preços subirem exponencialmente, o que, para o momento de boom, poderia ser favorável, mas, hoje, só traz prejuízos às usinas. O excesso de cana vendida no spot macula os resultados de qualquer usina, uma vez que os preços, ajustados em verdadeiros leilões, são insustentáveis em vários aspectos, o que, volto a afirmar, traz enormes perdas de competitividade.

Isso sem contar os contratos de parceria, que deveriam retornar ao Consecana em sua forma mais plena, e não como tem sido adotado, com resultados em produto e bem acima dos índices. Com corpo técnico qualificado, devidamente ajustado às novas realidades, os desafios passariam a ser o de diminuirmos os custos gerais de produção e aumentarmos a aplicação de novas tecnologias e mais insumos. O que vemos, hoje, é a redução de custos com a diminuição de tratos culturais, o que transforma o processo no círculo vicioso de maior economia e sempre uma cana mais pobre que a anterior.

Nosso desafio é revertermos esse fluxo. Finalizo defendendo ações que estimulem o retorno da almejada, e não utópica, cana de três dígitos. Alguma coisa deu errado no meio do caminho, que nos impediu de permanecermos nesses parâmetros. Aí, acredito que a transgenia tenha seu papel mais do que importante para alcançarmos as potenciais 250 ou até 300 toneladas por hectare, que de nada adiantarão se não tivermos sistemas de produção eficazes que permitam extrair todo esse potencial e transformá-lo em açúcar, etanol e bioeletricidade, para citarmos apenas esses produtos, mas o futuro ainda se amplia ao imaginarmos até onde poderemos chegar com a indústria etanol química e seus derivados...