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Leila Luci Dinardo-Miranda

Pesquisadora do Centro de Cana-de-Açúcar do IAC

Op-AA-48

Quando inovar é voltar atrás
Inovar significa introduzir algo novo, renovar, e, por conseguinte, inovação é o ato de inovar. Uma inovação pode ser uma nova ideia, uma nova prática ou um novo material que facilite ou agilize ou aprimore determinado processo. Em termos de manejo de áreas infestadas por pragas ou nematoides, a inovação mais esperada é aquela que reduza ou, até mesmo, elimine as amostragens ou levantamentos populacionais. 

O manejo integrado de pragas e de nematoides (MIP) está baseado em um tripé que engloba:

a. a amostragem, que fornece as informações sobre as populações de pragas nas diferentes áreas;
b. o nível de dano econômico e o nível de controle, que definem quando adotar uma medida de controle 
e;
c. medidas de controle, adotadas onde e quando necessárias (para facilitar a redação, neste texto, o termo “praga” será usado tanto em referência a insetos-pragas como a nematoides fitoparasitos, embora esses últimos não sejam pragas, e sim agentes causadores de doenças).
 
O nível de dano econômico e o nível de controle são determinados para cada praga, considerando dados experimentais de campo e os custos de produção envolvidos no processo, ou seja, custos de insumos, aplicações, da cana, do açúcar, do álcool, do corte, carregamento, transporte, etc. Dada a complexidade desses estudos, o nível de dano econômico e o nível de controle são determinados de forma empírica, mas auxiliam o administrador na árdua tarefa de decidir se vale a pena, economicamente, controlar ou não uma determinada população de praga. 
 
Outra base do tripé para implantação de um programa de MIP está estabelecida nos estudos sobre eficiência de métodos de controle e seus impactos sobre o ambiente. De maneira geral, esses dados são os mais abundantes na literatura sobre qualquer praga em qualquer cultura. Finalmente, a decisão sobre onde adotar medidas de controle é fundamentada em levantamentos populacionais da praga e, de preferência, também de seus inimigos naturais, devido à interferência na mortalidade natural no agroecossistema. Em razão disso, para adoção de um programa de manejo de pragas, é imprescindível uma equipe de amostragem.

Não há manejo de pragas sem amostragem, pois ela é parte fundamental desse processo. Até o final da década de 1990 ou início dos anos 2000, a quase totalidade das usinas e até mesmo fornecedores possuíam uma equipe de pragas, composta geralmente por um coordenador de campo e número variável de rurícolas. Durante o ano todo, essa equipe se dedicava às amostragens de broca comum e, na estação chuvosa, às amostragens de cigarrinha-das-raízes e de nematoides; durante a época seca do ano, a equipe fazia os levantamentos de intensidade de infestação final de broca, amostragens de pragas de solo e, algumas vezes, até mesmo as estimativas de perdas na colheita.

Essa mesma equipe era a responsável pelas liberações de Cotesia flavipes, pelo controle de formigas e, ainda, auxiliava a condução dos experimentos na área de manejo de pragas, conduzidos em parceria com instituições de pesquisas, como o IAC. Em condições ideais, a proporção era de 1 funcionário de campo para cada 1.000 hectares de lavoura, o que implicava equipes relativamente numerosas. Com o passar do tempo e sucessivas crises econômicas, as equipes foram sendo reduzidas e, em alguns casos, desapareceram.  

Em função da diminuição das equipes de amostragem, os levantamentos populacionais também foram reduzidos e passaram a ser feitos em somente parte da área da usina ou fornecedor e não mais em toda a área cultivada. Além da redução da área amostrada, o número de pontos de amostragem em cada área também se tornou significativamente menor. Esses dois fatores, redução da área amostrada e redução dos pontos de amostragem por área, elevaram os erros das estimativas populacionais de pragas, e, atualmente, são comuns os casos nos quais a amostragem é tão malfeita (quando é feita), que a população estimada não representa, de fato, a área.

É importante frisar que a decisão sobre controlar ou não uma praga envolve uma soma significativa de recursos financeiros, não só pelos custos das aplicações dos defensivos agrícolas (produto + aplicação), que, sem uma boa amostragem, podem ser aplicados onde são desnecessários, mas também pelos prejuízos causados pela praga, se ela não for controlada onde e quando deveria ter sido.  Assim, como tomar uma decisão tecnicamente correta e economicamente viável sobre o controle de uma determinada praga, decisão essa que envolve muito dinheiro, sem ter em mãos informações confiáveis sobre as populações nas diferentes áreas?

A resposta para essa pergunta é "não há como tomar essa decisão de forma segura". Sem uma amostragem bem-feita, os riscos de aplicar defensivos onde eles não seriam necessários, ou deixar de aplicar onde eles seriam relevantes, ou aplicar antes do necessário ou muito depois do indicado, são elevados. Para não se arriscar a grandes prejuízos devido à ocorrência de pragas, muitos produtores (usinas e fornecedores) passaram a fazer o controle, principalmente com inseticidas, de forma indiscriminada, incorrendo em todos os problemas que essa atitude possa acarretar, incluindo aí o desperdício de dinheiro.

Vale ressaltar que os inseticidas são uma excelente ferramenta no manejo de pragas; algumas vezes, são a única opção eficiente para o controle de pragas, e, justamente por isso, devem ser usados com parcimônia, somente (e sempre) onde e quando necessários, justamente para que tão valiosa ferramenta tenha uma vida longa. Cientes das dificuldades na manutenção de grandes equipes de amostragens, as instituições de pesquisa, especialmente o IAC, têm trabalhado para alterar os métodos de amostragem de pragas, tornando-os de mais fácil e rápida execução (o que possibilitaria a execução por equipes menores), sem, contudo, perder a qualidade da informação gerada.

Há muito ainda a ser feito, e muito tempo será demandado para fechar todas as lacunas, principalmente devido ao reduzido número de pesquisadores que se dedicam às pragas em cana-de-açúcar, mas algumas alterações importantes nos métodos de amostragens de pragas já foram sugeridas. Reforçando, há diversos estudos em andamento, visando tornar os métodos de amostragem mais fácil e rapidamente executáveis, o que poderá reverter o quadro atual de "abandono" de amostragem que predomina.

Muitas usinas e fornecedores simplesmente não fazem nenhuma amostragem de pragas. Não há, entretanto, qualquer possibilidade de se desenvolver um método de manejo de pragas que elimine a amostragem. Por isso, hoje, para reduzir os prejuízos causados por pragas em cana-de-açúcar, tornando a cultura mais sustentável do ponto de vista técnico, econômico e ambiental, inovador talvez seja voltar atrás e implementar um programa de manejo de pragas que inclua uma bem treinada equipe para amostragem. Inovador talvez seja considerar que amostragem não é custo; é investimento.