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Eduardo Pereira de Carvalho

Diretor da Expressão Coml, Imp e Exportadora

Op-AA-38

Bastaria uma canetada?

Bastaria uma canetada bem dada, aumentando os preços da gasolina. Nada mais. Duzentos argumentos, razões, justificativas, sugestões, conclusões, pareceres, estudos, seminários, projetos de lei, MP’s: tudo isso poderia ser substituído por uma única canetada. Claro que tais ações teriam, em sua maior parte, algum resultado positivo. Mas quase nada alteraria o baixíssimo nível de investimentos no setor. Falo, como é óbvio, da triste situação por que passa a indústria do etanol no Brasil, hoje amargando uma das mais dramáticas crises de sua história.

Faltam recursos naturais para expandir nossos canaviais, terras agricultáveis, sol, água, clima? Faltam empresários, engenheiros, recursos humanos, comerciantes? Falta tecnologia dominada, equipamentos, expertise produtiva? Falta produção nacional dos equipamentos industriais e agrícolas necessários? Faltam recursos financeiros? Falta demanda para seus produtos?

Hoje, menos de um terço de nossos veículos flex-fuel usam o álcool hidratado em seus motores. Sem falar em mercados externos. Em outras palavras: há uma demanda potencial duas vezes maior que o atual consumo, ou cerca de mais de 20 bilhões de litros anuais adicionais. Mas o que não há, decididamente, é preço de etanol para competir com a gasolina. E não há preço porque a gasolina consumida no País está sendo vergonhosamente subsidiada há muitos anos, com notáveis prejuízos para a Petrobras e para toda a vasta cadeia produtora e processadora da cana-de-açúcar. Falta decisão política para aproveitar esse enorme potencial.

Há que se entender melhor o que ocorre. Primeiro, enorme expansão da indústria em boa parte dos anos 2000, resultado do clima de franca euforia por que passou o setor. Ótimos preços? Nem sempre. Fantásticos incentivos? Também não, além das tradicionais linhas de créditos oficiais, revigoradas. Tínhamos, isso sim, claro suporte governamental. Era a época de Lula, marqueteiro-mor, apregoando ao mundo nosso combustível renovável e suas inúmeras qualidades. Época de irmos juntos, com os veículos flex debaixo dos braços, visitar o mundo. De brigar pelo produto, seja nas discussões com os Estados Unidos – me lembro particularmente das conversas Lula/Bush; das negociações na OMC; no Japão; na China; na Europa; do grande esforço na África; do diálogo franco e aberto entre indústria e governo, olhando-se olhos nos olhos. Problemas: sim, havia-os, e muitos. Mas existia clara motivação, de todos os lados, em superá-los.

Digo isso para contrastar com o clima atual. O que desmotiva e trava os empreendedores a investirem? Não são tanto as situações conjunturais desfavoráveis de preços ou câmbio, das variações climáticas ou das catástrofes naturais. Mas sim a impermanência das regras básicas, da incerteza quanto à manutenção das diferentes instituições que formam a superestrutura jurídico-administrativa do País. Sente-se, hoje, clara mudança de natureza ideológica na atitude governamental para com o investimento privado: de um pragmatismo exacerbado a um intervencionismo marcante, cujos efeitos não deixam de lembrar aqueles das diretrizes dos governos militares, em especial o de Geisel. Como posso investir na produção de etanol com a clara e contínua intervenção do governo nos preços de combustíveis?

Escutei outro dia, de alto prócer de uma instituição financeira oficial, a maravilha que seria termos outros itens, em nossa agenda estratégica, a cada ano que passa, além do preço de combustível. Renovação dos canaviais, item de primordial importância; pesquisa genética para os indispensáveis ganhos de produtividade que já tivemos no passado; de melhorias no plantio e colheita mecânica; de avanços na cogeração de energia; do aproveitamento integral da palha e bagaço de cana na produção adicional de etanol de segunda geração; da implantação de processos de biodigestão; da implantação das modernas refinarias multifuncionais de cana; do aproveitamento das oportunidades que a péssima infraestrutura logística existente no Centro-Oeste cria para a produção de etanol de milho, a partir do processamento dos recentes superávits da produção de milho na região. Há uma enorme lista de coisas a fazer. Muito está sendo feito, com apoio governamental pontual.

Sem tal agenda, não será possível à indústria atingir os níveis de eficiência e produtividade que lhe permitam conviver, de igual para igual, num mundo cada vez mais complexo e competitivo. Não há como negar, porém, a existência de um único e fundamental item na agenda estratégica do setor: acordar com o governo um amplo entendimento quanto a uma política consistente e de longo prazo para os combustíveis. Ou seja, a famosa inserção do etanol na matriz energética brasileira. Há que se reconhecer as dificuldades. Em que circunstâncias pode o governo arcar com os ônus inflacionário e político de um reajuste nos preços dos combustíveis? No passado, já tivemos situações inversas, em que o preço da gasolina no mercado interno superava os níveis internacionais. Poucos se lembram disso. Parece-me correta uma política de amortecimento dos picos e vales dos preços de petróleo, tradicionalmente adotada entre nós. O que não pode ocorrer é o absurdo de um forte desajuste permanente.

Há os que julgam existirem perspectivas favoráveis a um reajuste para baixo dos preços de petróleo: a anunciada independência energética dos Estados Unidos, graças à sua produção de gás natural do xisto; a consequente diminuição das tensões políticas no Oriente Médio; as projetadas reduções do consumo de combustível nos países mais avançados da OECD; os esforços de redução da emissão de gases de efeito estufa. Mas os brutais aumentos do consumo nos países emergentes, em especial na China e na Índia, hoje, e na África, amanhã, não permitem alimentar-se grandes esperanças de reduções nos preços de petróleo.

O diálogo é indispensável. Por que é tão difícil? De um lado, houve notável mudança na estrutura das empresas produtoras, afetando a unidade de sua representação política, grave obstáculo a esse diálogo. Os interesses a serem reconciliados tornaram-se muito mais complexos. Dizia eu, outro dia, que os ternos de linho branco dos velhos coronéis estão guardados nos baús dos antigos engenhos, substituídos pelos cortes modernos de nossos executivos, engravatados ou não, representantes da nova tecnocracia empresarial. Bom ou ruim? Certamente, mais complicado. Não se vê mais o olho no olho de tempos passados. Desinformações mútuas são frequentes. O setor tem se mantido pouco unido, olhando o próprio umbigo, alimentando resquícios de ranços passados.

 De outro lado, há a barreira ideológica a que já me referi. O governo parece não crer na capacidade do empreendedor privado em assumir riscos. E se julga no direito de arbitrar seus lucros. Menos ainda podemos negligenciar o chamado custo Brasil, que penaliza todo e qualquer investidor. Quem, em sã consciência, pode desconhecer esse pesado clima antimercado?

Os dois lados têm culpa registrada no Cartório das Oportunidades Perdidas. O risco adicional, hoje, é vivermos um sério apagão na oferta de combustível, tanto da gasolina importada, quanto do etanol. A cada decolada, oportunidades em que se acredita que o País finalmente possa mudar de patamar, algo faz com que voltemos sobre nossos passos. Deus queira que saibamos aprender com nossos erros. Mudar nossos comportamentos. Ouvir melhor os argumentos de nossos contrários. E, mediante um diálogo realmente transparente, saibamos articular um futuro digno de nossos enormes potenciais.

Será que bastaria, como procurei argumentar, uma simples canetada reajustando o preço da gasolina para restaurar a confiança que sustente novo ciclo de investimento no setor? Não. Há muito mais a ser feito, em especial no campo das inevitáveis melhorias tecnológicas que manterão a competitividade da indústria. Mas, sem essa canetada, nada acontecerá. E la nave va...