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Jairo Menesis Balbo

Diretor Industrial da Usina São Francisco

Op-AA-38

Estranha teimosia

Na história, não há registro de economia próspera controlada pelo Estado. Nem na pré-história. Muito menos neste limiar de século XXI. A prosperidade de uma empresa estatal também é enganosa, artificial e cruel para a sociedade – obrigada a pagar a conta e jamais receber benefícios.

O Brasil acaba de assistir a um fato, no mínimo, vergonhoso, por causa de sua política de controle da conta petróleo: a Petrobras, que chegou a liderar o ranking das marcas mais valiosas da América Latina, despencou para o quarto lugar, atrás de cervejarias, que, obviamente, não são estatais nem têm sua produção definida pelo Poder: seus produtos têm preço, em vez de tarifa, e disputam o mercado em pé de igualdade – e de lealdade – com a concorrência.

Assim, é impossível prever, a médio e a longo prazo, o cenário para os combustíveis e para todas as fontes de energia no Brasil. O interesse do produtor é definido e invariável: produzir. Mas o da política econômica é... político. Não há como conciliar regras de mercado com interesses políticos. As autoridades que nos alertam diariamente para a falta de profissionais qualificados também não encontram gente capaz de planejar o segmento mais sensível da economia, o da energia, que move todos os outros.

Há seis anos, o País foi informado da ”descoberta” do pré-sal, como uma das reservas mais notáveis de petróleo do mundo. ”Descoberta” conhecida desde os anos 30, de poucos brasileiros e de todas as empresas estrangeiras do ramo. Só os ”descobridores” não sabiam? Eufóricos e afoitos, proclamaram até a autossuficiência brasileira em petróleo – que até hoje não aconteceu.

No ano passado, o Brasil importou R$ 15 bilhões em derivados de petróleo, e, durante esses seis anos, a balança comercial do petróleo teve um déficit superior a R$ 57 bilhões. Graças ao etanol hidratado, que abastece o carro com motor flex, e ao anidro, adicionado à gasolina, o Brasil não precisou gastar mais US$ 11,83 bilhões em 2012 e US$ 5,78 bilhões no primeiro semestre de 2013, comprando petróleo no exterior para fazer gasolina. Diariamente, o País dispensa a importação de 350 mil barris de petróleo equivalentes porque tem etanol.

Na hora de levar a leilão o maior campo do pré-sal – o de Libra –, outra vergonha: em vez das esperadas 40 empresas, 11 se inscreveram, só apareceram cinco, sendo que uma é a própria Petrobras. As grandes desistiram. Por quê? É naturalmente impossível investir o dinheiro de acionistas numa iniciativa que terá o governo como sócio. É incompatível aliar a máquina de gerar e distribuir a riqueza da livre e saudável iniciativa com a máquina estatal, atrelada a compromissos com políticos e não com a nação. Esse vínculo suspeito é uma das principais razões da crise do petróleo no País, que tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Por quê? Porque o Estado, em vez de reger, também quer tocar. Não dá!

Num quadro de incertezas e sem regras definidas, planejar o setor sucroenergético e todos os demais, ainda, livres do Estado é jogar na loteria, sempre arriscando cair no conto do bilhete premiado, porque o mercado dita as regras para todos, menos para as estatais, abrigadas no Poder.

Poder que segura o preço dos derivados para segurar a inflação, à custa do suor até de quem não tem carro, mas tem de subsidiar empresas do governo. Resultado: só o setor sucroalcooleiro foi obrigado a desempregar 100 mil trabalhadores nas duas últimas safras; 38 usinas fecharam e 21 estão em recuperação judicial. Isso o IBGE não destaca. Mesmo ”protegida”, a Petrobras já somou prejuízo de R$ 39,6 bilhões nos dois últimos anos e deve três vezes o que tem em caixa. Uma empresa particular nesse estágio estaria falida. Não há investimento em tecnologia para elevar a produtividade capaz de suportar concorrência tão desigual, que faz falir a... concorrência. Investimento em tecnologia brasileira, de empresas brasileiras, se esfarelando.

Como ficou claro no Seminário Internacional Sustentável 2013, promovido pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, está errado privilegiar a gasolina em lugar do etanol e termelétricas, especialmente as movidas a carvão, no lugar das fontes renováveis. Nunca houve disposição genuína de desenvolvimento de fontes alternativas. O setor de energia eólica cavou seu caminho na marra e, hoje, está parado, observou naquele encontro o professor José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo. Permanece indefinido o modelo de desenvolvimento para o País, mas não se abandona o que está dando errado. Quase 40 anos após o lançamento do Programa Nacional do Álcool, o Brasil ainda não tem carro a álcool: tem carro com motor a gasolina adaptado para o etanol.

Sempre ouvimos engenheiros automotivos apostando que um motor feito para o álcool será mais potente e mais econômico do que o movido a gasolina. E com balanço energético neutro, quanto às emissões. Por que não fazem?

Em nenhum país produtor de cana, ela é mais produtiva, e seus derivados, mais numerosos, renováveis, limpos e competitivos do que no Brasil. Até a energia elétrica obtida dessa biomassa é a mais compensadora, para a economia, para a sociedade e para o ambiente. Se essa energia, admirada pelo mundo, é tão atraente, por que não atrai todas as usinas? Por que o governo, querendo controlá-la, desencoraja em vez de agregar. O País parece perdido, mesmo diante de todas e tão diversificadas riquezas e alternativas energéticas naturais à sua disposição.

A evidente falta de profissionais qualificados, alardeada pelo governo, prova que onde ele deve atuar para valer – na educação –, nas escolas, principalmente nas públicas, não é sua prioridade. Por isso elas são incapazes de formar profissionais aptos a trabalhar em todos os setores da economia. Os recém-formados estão, tristemente, muito aquém das necessidades do mercado. Mas o setor sucroalcooleiro investe maciçamente na capacitação dos seus profissionais, tanto na atividade prática como no incentivo ao ensino. Cada usina tem, em seus quadros, pelo menos 25 funções que exigem nível universitário. Por isso, o setor é capaz, tem know-how,

prova o que diz e tem disposição para fazer o que a nação precisa. Com rapidez. É lastimável que esse patrimônio humano e tecnológico – e brasileiro – fique sujeito a práticas atrasadas de condução da economia. É um mundo riquíssimo dentro do Brasil, porque, baseado na livre iniciativa, sabe que riqueza não se conquista com dinheiro, mas com conhecimento – e que a distribuição dessa riqueza não se faz com ”bolsas”, que acomodam, mas com educação, que estimula a vencer desafios.

Nunca tantos e tão profundos conhecedores do setor sucroalcooleiro e das necessidades energéticas e ambientais do Brasil insistiram tanto, apontando sempre as mesmas causas desse atraso, que, dessa vez, os governantes não têm como alegar que não sabiam.

Soluções? É preciso abandonar a economia planejada pela inflação; desatrelar o etanol da gasolina; torná-la um produto de mercado, com preço em vez de tarifa. O que ajuda a reverter esse rombo é expandir o consumo do etanol, da gasolina, do diesel, dos produtos do pré-sal, do gás, da energia eólica e da energia solar. Em resumo: ampliar e consolidar a matriz energética, para que cada um dos seus componentes cresça onde for mais necessário. Tecnologia já existe e fontes não faltam. Caso contrário, sempre haverá crise do petróleo, e todos sabem a quem ela interessa.

Ou viveremos de vergonha em vergonha, que faz o mundo desacreditar no Brasil e fugir até de leilões de petróleo, como esta: em 1996, governadores dos estados que formam a Coalizão Pró-Etanol, dos EUA, estiveram no Brasil, participando de um grande seminário sobre nossa experiência e nossa tecnologia alcooleira, abandonadas pelas autoridades. O então governador do estado de Wisconsin, Thommy Thompson, presidente da coalizão, apareceu no Jornal Nacional, quando sua comitiva visitava uma usina paulista, exibindo a indignação que deveria ser nossa: “Vocês estão jogando essa riqueza fora? Então, nós vamos levá-la!” Levaram. Hoje, os EUA produzem mais etanol do que nós. E nós importamos deles.