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Plinio Mário Nastari

Presidente da Datagro

OpAA77

Biomassa, estratégica em várias dimensões
A energia de biomassa é estratégica para o Brasil e outros países em condições similares, por muitas razões, e, sendo assim, deveria ser reconhecida e valorizada como tal. Fundamentalmente, biomassa é energia solar capturada por fotossíntese, armazenada em cadeias de carbono que permitem seu processamento e conversão em inúmeros produtos e aplicações. 
 
São painéis de energia solar fotovoltaica de origem biológica, com a vantagem de não emitirem carbono em sua manufatura e descarte. Todos os países com altos índices de insolação, e com disponibilidade de recursos naturais disponíveis, sem ameaçar a integridade de reservas florestais, de seus recursos naturais ou de sua biodiversidade, têm a possibilidade de explorar com eficiência e responsabilidade a biomassa como fonte de energia. Como já identificou Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia, órgão da OCDE que reúne os países mais ricos e desenvolvidos do planeta, “a biomassa é o gigante negligenciado e adormecido”.
 
A biomassa é estratégica porque é flexível e gera emprego. Os produtos energéticos que dela derivam têm inúmeras aplicações. Dentre os mais reconhecidos, temos os biocombustíveis em geral (etanol, biodiesel, biogás e biometano), a bioeletricidade, a lenha avançada, e o biocarvão. Mas incluem também todos os produtos e coprodutos que deles derivam, como os plásticos produzidos a partir da conversão de etanol pela rota do eteno e pela rota acética, o CO2 biogênico que pode ser convertido em combustíveis sintéticos, e muitos outros.
 
Se é tão bom, por que há pouco reconhecimento de sua importância? O primeiro motivo pode estar relacionado à simples falta de informação e conhecimento a respeito de suas vantagens. Mas pode ser também que não interesse a muitos países e governos valorizar a energia de biomassa, pois, na verdade, não têm as mesmas vantagens competitivas de países como o Brasil, onde a insolação acontece na maior parte de seu território duas vezes àquela encontrada em países da Europa. 
 
Alguns países talvez tenham insolação equivalente à do Brasil, como a encontrada em várias partes dos Estados Unidos, da China ou do norte da África, porém, sem a mesma disponibilidade de água para a geração de biomassa para produção de alimentos e energia. Ou então, tem a mesma insolação, água e solo disponíveis, mas sem infraestrutura, tecido social e regulações preparados para a produção de biomassa de forma eficiente e estruturada.

A sua valorização e reconhecimento é uma questão de posicionamento estratégico e de marketing. A Irlanda, como exemplo, se posiciona como país verde por excelência, porém, nem de longe se aproxima de todo o esforço que o Brasil tem desenvolvido para preservar matas nativas, reservas legais em propriedades privadas, reservas indígenas, e no conteúdo renovável de nossa geração elétrica (92% em 2022) e de nossa matriz de combustíveis do ciclo Otto, usados em transporte (+39,6% no primeiro semestre de 2023, chegando a até 48,4% em 2019). 

Países localizados em regiões desérticas como Israel, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, com o dispêndio de enormes recursos, constroem condições que tentam emular aquelas encontradas naturalmente em países como o Brasil, mas não somente aqui. Índia, Indonésia, Tailândia, Filipinas, Paraguai, Colômbia, e muitos outros, têm condições e vocação para realizar o mesmo trabalho, e começam a fazê-lo.

No Brasil, do ponto de vista estratégico, ainda estamos no meio do caminho do aproveitamento energético da biomassa. A diversificação no processamento da cana-de-açúcar na direção do etanol e da bioeletricidade foi um grande e histórico passo, com ganhos muito relevantes para a balança comercial, o meio ambiente, a promoção de desenvolvimento descentralizado e o apoio ao desenvolvimento de uma engenharia automotiva local dedicada ao uso do etanol. Mas ainda temos muito a melhorar em termos de eficiência energética das usinas, daí a importância e a razão primeira do RenovaBio, como programa que visa estimular o investimento em aumento de eficiência energética-ambiental.
 
Ainda temos muito a avançar no aproveitamento energético do etanol em motores. Também precisamos aprender a valorizar a positiva sazonalidade da geração de bioeletricidade a partir de bagaço e palha de cana por sua complementariedade com a geração hidráulica. 

Ainda temos muito a desenvolver na compreensão de que o etanol e o biometano são formas práticas, eficientes, econômicas e seguras de capturar, armazenar, transportar e distribuir hidrogênio.

O mundo todo se volta à valorização do hidrogênio, e taxonomias baseadas em cores, a partir de sua origem, estão cada vez mais profusas: marrom, cinza, azul, turquesa, rosa, laranja e verde. De forma simplificada, o hidrogênio tem elevado conteúdo energético, mas é geralmente muito caro para ser produzido a partir da maioria de suas fontes. 

Uma vez produzido, tende a ser caro e arriscado armazená-lo, transportá-lo e distribuí-lo. Requer tanques de Titânio, a pressões que variam de 500 a 900 bar. Por esse motivo, a melhor coisa a fazer, quando produzido, é transformá-lo em alguma coisa ou utilizá-lo como fonte de energia próximo à sua geração.

Por esse motivo, é necessário reconhecer que o Brasil já é o país mais avançado do mundo, naquilo que o mundo está perseguindo de forma mais intensa nesse momento, que é a economia do hidrogênio. Já temos uma rede de distribuição de hidrogênio instalada na forma do parque de distribuição de etanol, através dos tanques em bases primárias e secundárias, dutos, e mais de 42 mil postos de abastecimento. Basta apenas ser feita a reforma, ou separação do hidrogênio contido no etanol para ser disponibilizado hidrogênio de forma descentralizada em todo o país. 
 
Essa deveria ser a bandeira mais fulgurosa de nossa estratégia de comunicação e posicionamento em foros internacionais relacionados a energia e meio ambiente. Precisamos abandonar estratégias fadadas ao fracasso, como a de subsidiar o preço de combustíveis fósseis como a gasolina, diesel e GLP, que desestimulam o investimento privado em novas refinarias de petróleo, ainda necessárias por aqui. 
 
Subsidiar o preço e estimular o uso de combustíveis fósseis, muitas vezes cancerígenos, não fazem o menor sentido, sob nenhum ângulo. Semelhantemente, estratégias que desestimulam a produção de etanol e outros derivados de biomassa, limpos e eficientes fazem com que nossas reservas de divisas sejam desperdiçadas com importações desnecessárias de gasolina e diesel. 

Ao contrário, precisamos criar políticas que estimulem a produção responsável, ambientalmente sustentável, de energias renováveis, como a de biomassa que precisa ser avaliada e valorizada nas mesmas bases perante outras formas de energia, idealmente usando a métrica de avaliação do berço-ao-túmulo. Avaliações que incluam o impacto total de produção e descarte de todos os elos de produção e uso nas outras formas de energia, classificadas como renováveis, ou não.
 
O que distingue no longo prazo as sociedades que conseguem avançar genuína e duradouramente na organização de seus processos produtivos, usando recursos locais ou importados, é sua capacidade de criar regulações que direcionam o esforço privado na direção da eficiência econômica e ambiental. 

No Brasil, fomos agraciados com variadas e extensas reservas de bens naturais, mas temos sido relapsos, como sociedade, na construção de condições que estimulem esforço concertado na direção do que é desejável no longo prazo. A energia de biomassa é um dos nossos maiores trunfos, e não pode ser tratada como a Geni do setor de energia.
 
Ao contrário, precisa ser nutrida com cuidado e toda a atenção que merece a nossa maior criação, o nosso bem mais valioso. Assim, continuará a gerar frutos, e o desejado desenvolvimento e bem-estar social.