Me chame no WhatsApp Agora!

Dib Nunes Junior

Presidente do Grupo Idea

Op-AA-56

Grandes mudanças e pequenos resultados
Sou do tempo em que a cana era cortada manualmente e queimada, as queixas da sociedade eram sobre o “carvãozinho” que caía nos quintais das casas, o ar que ficava poluído na safra e a proteção de mercado que o governo detinha para o açúcar, que, até então, era considerado importante produto de consumo e de exportação da economia brasileira.
 
No final da década de 1980, as coisas começaram a mudar, quando os promotores públicos, em uma ação integrada, resolveram combater as queimadas de cana e, quase ao mesmo tempo, o então eleito presidente, Fernando Collor de Mello, resolveu liberar o mercado do açúcar, acabando com o IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool, escancarando de vez todo o setor ao livre mercado.
 
As usinas foram, de repente, empurradas para um novo e tumultuado mundo. Até então, toda a carteira de clientes das empresas sucroalcooleiras se resumia a um só cliente: o governo, que, com os marcos regulatórios, controlavam a produção através de cotas.Logo veio a liberação do comércio do etanol: primeiro, o anidro, e, em seguida, o hidratado. O mercado enlouqueceu, tinha gente vendendo etanol em tudo que era esquina e boteco. Esse produto estava tão depreciado que chegou a ser distribuído gratuitamente nas ruas de Ribeirão Preto, num movimento de protesto chefiado por usineiros da região. 
 
O setor não estava preparado para o livre mercado e, por isso, se descontrolou, e os preços caíram. Essa, talvez, tenha sido a primeira grande crise do setor, que, sem pai nem mãe, ficou perdido, demorando cerca de uma década para se adaptar à nova realidade.
 
Depois disso, já nos anos 2000, o setor passou por muitos altos e baixos, o que obrigou as empresas a se profissionalizarem para sobreviver. O melhor período foi aquele em que o capital estrangeiro resolveu apostar no exuberante e promissor setor, que, então, já era o maior produtor mundial de açúcar e tinha, por detrás de si, um programa estável de combustíveis renováveis, com mercado e distribuição garantidos. Isso gerou um boom no setor, cuja produção de matéria-prima saiu de 255 milhões de toneladas para 620 milhões em apenas 10 anos, um crescimento fantástico de 143,3%. O setor cresceu sem garantias governamentais e sem protecionismo, inserido no livre mercado e nas abundantes terras agricultáveis do País.
 
Juntamente com esse significativo crescimento, vieram as dificuldades para plantio e colheita, pois a área cultivada com cana mais que dobrou. Cerca de 120 novas unidades foram implantadas, principalmente na região Centro-Sul, sendo que a expansão da lavoura ocorreu em direção a terras mais pobres, ambientes inóspitos, muito chuvosos ou muito secos, sujeitos a longas estiagens e a geadas. Enfim, a ordem era plantar cana, ocupar espaços, crescer.
 
Junto com tudo isso, veio a urgência de diminuir a necessidade de mão de obra, cada vez mais escassa e de péssima qualidade. Com a eleição de Lula para a presidência, apesar de, no início, o etanol ser seu preferido, ou se quiserem, massa de manobra do PT para mostrar ao mundo que o Brasil era ecologicamente evoluído, logo que se descobriram as grandes reservas de petróleo no litoral brasileiro – o pré-sal, o etanol foi atirado ao lixo, e políticas extremamente nocivas ao setor foram implementadas. Numa ação sem precedentes, o governo do PT congelou o preço dos combustíveis por quase seis anos, e o etanol, com produção anual de 27 bilhões de litros, se tornou, da noite para o dia, uma enorme fonte de perdas e prejuízos para um setor.
 
Quase de imediato, tanto as empresas como os produtores ficaram endividados e perderam todo o seu poder de realizar investimentos em renovação de lavouras. As empresas produtoras pararam de tratar os canaviais, demitiram funcionários a todo vapor e deixaram de honrar seus compromissos com os donos de terras, fornecedores e bancos. O resultado disso foi que 79 empresas fecharam suas portas e cerca de 80 entraram em recuperação judicial. Era a pior crise da vida contemporânea do setor.
 
Os maiores reflexos disso se sentiram nas lavouras de cana, onde se gastam 70% de todos os recursos financeiros de uma usina. As quedas sucessivas dos preços do açúcar no mercado externo, o congelamento dos preços do etanol no Brasil e o grande endividamento arrebentaram o setor.
 
Na área agrícola, a coisa ficou realmente complicada, porque ainda sofreram com outros dois grandes problemas: a proibição da queima prévia da palha e a rápida transição para a mecanização do plantio e da colheita. Essas atividades mecanizadas prometiam reduzir os custos em até 30%, porém o setor não estava (e grande parte ainda não está) preparado para receber as tecnologias mecanizadas.

Não havia experiência anterior e nem especialistas na área, faltavam operadores e mecânicos capacitados, além do que a lavoura não estava sistematizada, incorrendo em perdas enormes de tempos de manobras, aumento de consumo de diesel, perdas de cana, pisoteio e arranquio de touceiras. Reduziu-se, com isso, a vida útil dos canaviais, que começaram a apresentar cada vez mais quedas de produtividades, saindo de quase 90 t/ha para algo ao redor de 75 t/ha, nos últimos anos.
 
Com a proibição das queimadas de cana, as lavouras passaram a receber toda a palha, e, transcorridos mais de 10 anos, temos certeza de que ela se tornou um enorme ônus para os produtores, pois, com a palha, vieram novas pragas, doenças e plantas daninhas agressivas e de difícil controle. Os gastos aumentaram significativamente, e os canaviais, mesmo plantados com novas variedades, produziram cada vez menos. A palha também contribuiu para a redução na produção de açúcar, pois o ATR da cana crua caiu cerca de 12 quilos em relação à cana queimada.
 
A extração caiu, e os equipamentos industriais sofreram mais desgastes, reduzindo a eficiência e aumentando os custos de manutenção. O teor de impurezas vegetais na matéria-prima subiu de 2% para 10% na cana crua. Hoje, a situação continua complicada, pois temos aproximadamente 50% das áreas de produção com quatro cortes ou mais, isto é, temos uma lavoura velha, necessitando de reformas urgentes.
 
Há quatro anos, a produção está estagnada e não se sabe quando haverá uma retomada. Embora a economia comece a entrar nos eixos, os problemas políticos que afetam o Brasil na atualidade ainda não foram mitigados. Por isso os próprios produtores continuarão a navegar conforme as ondas dos preços do açúcar e do etanol no mercado.

Por outro lado, o setor pode ainda ter excelentes auxiliares na melhoria desta situação: o Renovabio, que veio para regularizar e incentivar o mercado do etanol, o atrelamento dos preços dos combustíveis aos preços do petróleo e uma nova onda de consolidação do setor com os grandes grupos engolindo os grupos menores. Talvez a redenção esteja perto. Precisamos acreditar, pois a fase de transição e de interferências políticas no setor parece estar chegando ao fim.