Recordo-me da primeira vez em que pisei em uma usina de açúcar e etanol. Foi no final da década de 1990, e, logo na entrada, encontramos um caminhão carregado de bagaço no portão de saída. Perguntei ao diretor industrial se o bagaço estava sendo comercializado e, com um sorriso no rosto, ele me respondeu: “se vier carregar e levar embora, já será um problema a menos para nós”.
O objetivo da visita era fazer uma explanação para o corpo técnico da usina a respeito de como gerar energia com alta pressão e temperatura. Falávamos de caldeiras e turbinas operando com 65 kgf/cm2 de pressão e 485oC de temperatura o que, para o setor sucroenergético, naquele momento, era algo completamente desconhecido.
Passaram-se quase duas décadas e hoje presenciamos uma forte evolução no que diz respeito à geração de energia pelas usinas. Saímos de uma situação na qual ser eficiente significava resolver o problema do bagaço e conseguir consumir todo o excedente produzido durante a safra.
Logo passamos a experimentar níveis mais altos de eficiência, gerando energia com mais alta pressão e temperatura nas caldeiras e turbinas – assim como já era visto em outras indústrias no Brasil, como as de papel e celulose, química e petroquímica – dando início à era chamada da bioeletricidade. Nesse mesmo período, e contribuindo também para a melhoria energética das plantas, ainda presenciamos o início da eletrificação dos acionamentos no processo de preparo e moagem da cana. Isso tudo trouxe um adicional de rentabilidade importante para as unidades que cogeravam energia.
Chegamos aos dias de hoje, com um potencial significativo ainda para ser explorado. É exatamente a partir desse momento que a união entre a necessidade que o setor vive, com a contribuição dos fornecedores, podem e devem nascer oportunidades com maior caráter de inovação.
Um bom e forte exemplo disso é o caso da Delta Sucroenergia. Buscando maior rentabilidade e trabalhando em parceria com fornecedores de tecnologia, foi desenvolvido um projeto de cogeração de energia inovador, com um conceito até então inédito no setor, instalando a maior turbina em operação de toda a América Latina para esse segmento – de 73,5MW –, acionando diretamente o gerador, sem a necessidade de um redutor de velocidades.
A inovação não parou aí. Aplicando tecnologias desenvolvidas em países de economia madura, e que estão disponíveis para utilização no mercado brasileiro, de forma competitiva e fabricada localmente, nasceu uma solução na qual foi possível maximizar o ganho energético com a utilização de um equipamento ainda mais eficiente.
Significativas reduções de custos também foram possíveis, graças à aplicação de conceitos até então não explorados nesse mercado, como a ausência do prédio civil para abrigar o turbogerador. O potencial para melhorias nesse mesmo projeto, ainda não se esgotou.
Como exemplo: temos o objetivo de aumentar ainda mais o nível de disponibilidade operacional; de estabelecer a utilização de conceitos de monitoramento da turbina à distância; e de viabilizar o auxílio na antecipação de possíveis falhas no equipamento.
É fato que o mercado tem ficado cada vez mais exigente, quando se fala em maximizar o aproveitamento durante o período da safra. E quando se fala em geração de energia, com turbinas de condensação, a tendência é então manter a geração de energia o ano todo.
Mas a contribuição dos fabricantes desenvolvedores de tecnologia pode ser ainda maior. A introdução de novos conceitos, soluções inovadoras e até uma proximidade comercial maior entre fornecedor e o setor pode viabilizar parcerias estratégicas benéficas para ambas as partes. Um potencial que vem sendo explorado de forma mais intensiva com a maximização do uso da biomassa.
Além do bagaço, a utilização da palha como combustível já é realidade em várias unidades. Apesar da diversidade da gama de soluções existentes no mercado, o resultado financeiro em geral é sempre bastante atrativo. Um novo conceito que vem ganhando espaço na agenda do setor e que pode somar-se como um novo sub-produto proveniente de mais um resíduo do processo: o biogás gerado a partir da vinhaça.
Esse gás pode ter diferentes aplicações, sendo uma delas a geração de energia elétrica, quer através da queima do biogás em motores a gás ou mesmo em turbinas a gás. Os ganhos não param por aí porque ainda pode-se combinar os gases quentes de saída da turbina a gás e gerar vapor adicional para a usina, que pode ser utilizado para maximizar a cogeração.
Soluções como essa, já disponíveis em operações regulares em outros tipos de indústrias na Europa e na América do Norte, já estão disponíveis para serem implementadas, de imediato, no Brasil. Porém, como qualquer solução desconhecida ou inovadora, o mercado exige a análise com certo grau de risco.
É neste momento que os fornecedores de tecnologia podem contribuir para o setor; quer comercialmente – trazendo financiamentos atrativos –, quer compartilhando os riscos do projeto, principalmente os focados naquilo que é sua maior expertise, a própria tecnologia. Uma vez comprovada a viabilidade destes projetos, será questão de tempo visualizarmos uma forte nacionalização dos produtos e a consequente redução nos custos dos equipamentos, principalmente pelo fato de o setor possuir um número de unidades muito expressivo, gerando um potencial teórico bastante significativo.
Muitas unidades ainda não possuem cogeração em alta pressão e temperatura. Nesse cenário é possível realizar projetos com investimentos menores, viabilizando ganhos energéticos expressivos, principalmente se o parque instalado contar com equipamentos antigos e com baixo grau de eficiência e disponibilidade. Além do aumento significativo da geração de energia, pode ainda trazer uma estabilidade muito maior à indústria, principalmente se instalada uma turbina híbrida de condensação com extração, podendo, dessa forma, aproveitar todo o potencial de combustível disponível.
Estar próximo a um ponto de conexão para escoamento de energia torna-se chave nesse momento, para minimizar os custos com a rede de transmissão. E, uma vez mais, os fornecedores de tecnologia podem trazer soluções inteligentes, permitindo que o investimento seja feito em etapas, em função das reais dificuldades financeiras do setor. O oportuno e sadio estreitamento do relacionamento entre as usinas e os fornecedores de tecnologia inovadoras, pode gerar frutos interessantes para o desenvolvimento e progresso tecnológico do setor sucroenergético.