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Jaime Finguerut

Pesquisador de variedades do CTC

Op-AA-11

Não precisamos de subsídios ou tabelamentos para fazer do álcool uma commodity mundial

Recentemente, reconheceu-se a necessidade de se encontrar substitutos viáveis para o petróleo, principalmente na área de transporte, responsável, não só por grande parte do consumo de combustíveis fósseis, como também por boa parte das emissões de carbono, que, também recentemente, se reconheceu terem importante papel no processo de aquecimento global.

O petróleo teve grandes aumentos de preço, que causaram problemas econômicos graves - como inflação e recessão, que aconteceram no final dos anos 70 e início dos 80, e permitiu que a experiência pioneira do Brasil, com a substituição de aproximadamente 40% da gasolina por etanol, fosse finalmente mostrada como exemplo para o mundo.

Nos dois últimos pronunciamentos no State of The Union, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, causou grande alvoroço mundial, colocando o etanol como assunto importante para os políticos, empresários, investidores e técnicos do mundo todo, ao reconhecer que, como acontece no Brasil há mais de 30 anos, a produção local e sustentável de um combustível vegetal tem vantagens enormes sobre o uso de combustíveis fósseis, levando, inclusive, e principalmente, a uma maior segurança energética e a uma redução de tensões internacionais.

Como resultado de políticas públicas agressivas, tais como subsídios, os Estados Unidos rapidamente se tornaram o maior fabricante mundial de etanol combustível, apesar de estarem baseados em milho, que não é uma matéria-prima tão conveniente quanto a cana-de-açúcar. No entanto, tanto no Brasil, como nos Estados Unidos, não há um comércio internacional (importações e exportações) significativo de álcool.

O produto é fabricado em diversos locais, e é usado localmente puro (no Brasil) ou misturado à gasolina (Brasil e Estados Unidos). As exportações só ocorrem caso haja excedentes, portanto o álcool não pode ser caracterizado como uma commodity. Para assim ser considerado, deve caracterizar-se como um produto ou um recurso que seja comercializado, tendo como base o preço e não as diferenças de qualidade ou de características específicas, permitindo que um produtor possa ser substituído, sem nenhum problema técnico, por um outro.

Commodities, normalmente, são usadas como recursos ou matérias-primas para outros bens ou serviços, como por exemplo: grãos, carne, ouro, cobre, estanho, petróleo, gás natural, algodão, açúcar, café ou cacau, sem contar moedas e índices financeiros. Alguns produtos manufaturados ou mesmo serviços - como minutos de celular, também podem ser considerados como commodities, desde que a decisão de comprá-los seja basicamente relacionada ao preço.

A venda destas commodities são feitas através de contratos futuros em bolsas de mercadorias, com padronização de quantidades e qualidades mínimas. São definidos, assim, padrões como por exemplo: petróleo leve, tipo brent, raw sugar, white sugar, etc. Há a considerar, ainda, que participam destas bolsas de futuros, não apenas compradores e vendedores, mas também especuladores, que usam estes contratos futuros como instrumentos financeiros, onde ganham ou perdem, em função dos riscos. Assim, quem entra numa bolsa de futuros aceita comprar algo que ainda não foi produzido, porém numa quantidade e num preço pré-fixados.

Os mercados de futuros são extremamente líquidos (muitas ofertas), arriscados e complexos, sendo, portanto, importante conhecer quais fatores, muitas vezes subjetivos, os afetam. A vantagem de vender ou comprar os produtos em bolsas globais é que se pode ter uma muito melhor visibilidade da demanda, evitando excessos de produção ou preços muito altos nas entressafras.

Quem está interessado em vender e efetivamente receber os produtos, usa o mercado spot, também chamado de mercado físico, onde o produto é vendido a dinheiro, por preços spot, e enviado quase imediatamente - menos de um mês. Feita esta descrição do que seria uma commodity e as condições típicas de sua comercialização, vamos analisar o que falta para o álcool brasileiro.

Uma condição básica para a decisão de comprar uma commodity é o preço. O álcool brasileiro é reconhecido, até hoje, como o de menor preço, tendo em vista a excelente tecnologia brasileira de produção, inigualada. No entanto, praticamente todos os países do mundo querem fazer o seu próprio álcool e, portanto, querem ter uma tecnologia tão boa, ou melhor do que a nossa, para que atinjam preços competitivos.

Nossos recursos para pesquisa são modestos, o que significa que temos de saber usar as nossas vantagens competitivas e melhorar muito a nossa produção. Temos que aplicar mais recursos em pesquisa, nos centros de desenvolvimento de tecnologias para o setor sucroalcoleiro, e na produção, para, rapidamente, obtermos resultados expressivos.

A segunda importante característica da commodity é a homogeneidade da sua qualidade entre os produtores e, obviamente, a existência de múltiplos produtores. Assim, é necessário o estabelecimento de padrões, que não sejam obstáculos à comercialização do álcool brasileiro. Apesar de estar demonstrado, por mais de 30 anos, que o álcool produzido no Brasil é seguro, econômico e eficiente como combustível, temos que nos preparar para possíveis barreiras técnicas e comerciais, que são características do competitivo mercado mundial de commodities.

Precisamos continuar tendo o apoio dos fabricantes de automóveis Flex, dos produtores e distribuidores de combustíveis e dos órgãos de metrologia, para que o padrão brasileiro, o mais maduro, seja aquele que deva prevalecer. Resta, finalmente, convencer corações e mentes sobre as vantagens e a permanente disponibilidade do álcool brasileiro, mesmo porque, ao contrário da maioria dos países, não precisamos de subsídios, nem de tabelamento de preços, para fazer do álcool uma grande realidade.

Como vimos, os mercados de commodities são extremamente complexos e muitas vezes subjetivos, portanto temos de mostrar para o mundo, como se pode resolver problemas do jeito brasileiro: sustentável, baseado na imensa disponibilidade de terras aptas para o cultivo da cana-de-açúcar, sol, água e tecnologia apropriada.